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HistóriaGuiné-Bissau

Reportagem 1970: "Guiné-Bissau, uma revolução africana"

Rafael Belincanta (Roma)
25 de dezembro de 2022

"Guiné-Bissau, uma revolução africana" é uma reportagem feita por jornalista e fotógrafo italianos em 1970. A decisão de documentar a guerra colonial foi também decisiva para o reconhecimento da independência do país.

Carmen Pereira, Funktionärin des Interregionalen politischen Komitees der PAIGC
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral

A grande reportagem "Guiné-Bissau, uma revolução africana", publicada em 1970, foi o resultado de três meses de trabalho do jornalista Bruno Crimi, falecido em 2006, junto com o fotógrafo Uliano Lucas.

Corriam os finais dos anos 1960. Na Europa, os ares eram de revolução cultural e 'boom' económico.

Em Itália, iniciavam-se os anos de chumbo do terrorismo político. Ao ultrapassar questões internas, a decisão de um jornalista e um fotógrafo italianos de documentar a luta pela liberação foi decisiva para o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau.

Aos 80 anos, Uliano recorda com entusiasmo os meses transcorridos na mata guineense na companhia dos guerrilheiros.

"Praticamente encontrei um mundo – aquele da resistência, aquele das mulheres, aquele das escolas nas brigadas, um mundo que me abriu os olhos e, finalmente, eu podia ver uma guerra de liberação não cruel, assustadora, trágica, que fique claro, como aquela do Vietname", afirmou à DW.

Censura dos órgãos europeus

Amílcar Cabral liderou a luta pela independência dos guineenses Foto: casacomum.org/Documentos Amílcar Cabral

Uliano partiu de Itália com uma ideia clara de romper o silêncio nos meios de comunicação europeus sobre o que acontecia nas então colónias portuguesas em África.

"Antes de mais nada, não havia notícias, não se falava sobre isso. Sabia-se somente que Guiné-Bissau, Angola e Moçambique eram territórios ultramarinos de Portugal, colónias", começou por dizer o fotografo italiano, que utilizou as suas objetivas para mostrar o que não se via sobre a Guiné-Bissau.

"Não saíam informações sobre a guerra da liberação, havia um silêncio generalizado. O problema era conseguir derrubar esse muro de silêncio a respeito da luta pela libertação, de escrever ou fotografar aquilo que era a história em curso, mas também sobre o nascimento de uma nova democracia".

A frente democrática da luta de libertação nacional contra o jugo-colonial era liderada por Amílcar Cabral. Uliano Lucas teve um encontro com o 'Pai fundador' das nacionalidades guineense e cabo-verdiana já em território libertado, próximo à fronteira com o Senegal, ao final de três meses de campanha.

Entrevista Amílcar Cabral

"A ordem que Amílcar Cabral havia dado era que nós éramos 'preciosos', preciosíssimos, porque aquilo que estávamos fazendo significava uma abertura no sistema de comunicação e, por isso, nada poderia nos acontecer", recordou ainda Uliano.

"Já em Dakar, capital senegalesa, ficamos numa casa onde Bruno Crimi fez a entrevista e eu tirei as fotografias."

A entrevista foi publicada em cerca de 10 jornais, italianos e também noutros meios de comunicação social europeus, e abriu as portas da Europa para a causa da independência das colónias portuguesas em África, segundo Uliano Lucas.

"Conseguimos, seja na Itália que no exterior, realizar uma formidável operação de comunicação visual e, a esta altura, sentimos a necessidade de publicar um livro que se materializou a partir de algo complexo".

A luta dos guineenses era "censurada" na EuropaFoto: casacomum.org

Reportagem mudou o rumo dos acontecimentos?

Mas foram duas as principais conquistas obtidas a partir da publicação do livro em 1970.

A primeira foi em Roma durante a conferência das colónias portuguesas, com os três líderes, organizada em 1970. Uliano Lucas conta que o então líder angolano, Agostinho Neto, Cabral e dos Santos foram recebidos pelo Papa, chefe da Igreja Católica.

Segundo o fotografo italiano, foi um acontecimento não indiferente porque, na prática, Portugal era discretamente 'deixado de lado' pelo Vaticano. E o livro foi entregue ao Papa.

"Mas o fato mais importante foi que o livro chegou à Comissão da ONU que estabeleceu, por meio daquele livro, e claro, também outros documentos, que Guiné-Bissau tinha territórios livres e era realmente um Estado. Por essas duas coisas a viagem valeu a pena, tudo valeu a pena", afirmou em entrevista à DW, em Itália.

Uma exibição com uma retrospetiva dos trabalhos de Uliano Lucas na Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Portugal está marcada para 2023 em Lisboa, já como parte das comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos.

Legado de Amílcar Cabral homenageado em filme

02:57

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