Intenção de Presidente guineense, José Mário Vaz, de rever a Constituição é completamente incoerente com o perfil que tem demonstrado, considera Dautarim da Costa. Analista acha que se trata de uma manobra eleitoralista.
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Esta semana, o Presidente da Guiné-Bissau manifestou interesse na realização de um referendo para a revisão da Constituição.
Para José Mário Vaz, o problema do país não reside nas pessoas, mas sim nas instituições e no sistema do Governo. O estadista considera que uma revisão faria com que o chefe do Estado a ser eleito em 2019 "tenha as coisas clarificadas". Sobre esse posicionamento, que surge perto do fim do mandato do Presidente, conversamos com o analista guineense Dautarim da Costa.
DW África: A intenção de José Mário Vaz surge depois de ter ultrapassado, durante quatro anos do seu mandato, as suas competências enquanto Presidente da República e, por consequência, ter esvaziado os poderes do primeiro-ministro. Não vem tarde esta intenção?
Dautarim da Costa (DC): Não só vem tarde, como é completamente despropositada e incoerente. Estamos a falar de um Presidente da República que conseguiu a proeza de fundar um regime presidencialista dentro de um sistema semi-presidencialista. A deturpação do sistema político foi de tal forma que subverteu todas as lógicas que definiram as regras do jogo político na Guiné-Bissau. E dizer isso agora mostra um desconhecimento profundo sobre a importância do funcionamento das instituições e sobre as perceções dos próprios cidadãos guineenses. E é completamente incoerente com o perfil que tem demonstrado ao longo do seu mandato.
DW África: José Mário Vaz entende que uma revisão da Constituição possibilitaria que o chefe de Estado a ser eleito tenha as coisas clarificadas. Estaria ele a assumir que não conhecia os limites do seu poder?
DC: O Presidente da República sempre mostrou um grande desconhecimento do espírito da nossa lei fundamental e também não conseguiu encarnar o seu papel de pacificador da sociedade e de defensor da própria Constituição. Falar agora de referendo mostra-nos duas coisas: o desconhecimento sobre como as coisas devem ser tratadas e um desconhecimento também do timing em que essas coisas devem ser tratadas. O problema do nosso sistema político não está propriamente na Constituição, mas sim na falta de capacidade da generalidade dos nossos atores políticos em colocar o país como prioridade das suas ações. E isto leva sempre a que haja espaço para manobras "reinterpretativas" da Constituição. Mas a nossa Constituição é muito clara no que diz respeito aos papéis e deveres do Presidente da República e aos papéis que cabem ao Governo. Só alguém imbuído de má-fé é que reinterpreta o que está lá disposto.
Guiné-Bissau: Os contrasensos de José Mário Vaz
DW África: O que terá originado a manifestação dessa vontade, será que José Mário Vaz percebeu muito tarde que só a Constituição lhe legitima os poderes que tanto quer? Terá sido pressionado ou não passa de mais um ato sagaz da sua parte?
DC: O Presidente sempre foi bastante intencional nas medidas que foi tomando. Paralelamente ao desconhecimento da lei, havia uma clara intenção desta Presidência da República de deturpar o funcionamento convencionado do sistema político. Para mim, o que está em causa é uma tentativa de higienização da própria imagem política do Presidente. Ou seja, está a entrar no final do seu mandato e vai entrar, provavelmente, numa fase em que quererá apresentar a recandidatura à Presidência da República e agora esforça-se por higienizar a sua imagem, todos esses solavancos que temos assistido durante o período em que tem sido Presidente.
DW África: Está a dizer então que é a continuidade da sua postura ardilosa?
DC: Para mim, é óbvio.
Guiné-Bissau: O país onde nenhum Presidente terminou o mandato
Desde que se tornou independente, a Guiné-Bissau viu sentar na cadeira presidencial quase uma dúzia de Presidentes - incluindo interinos e governos de transição. Conheça todas as caras que passaram pelo comando do país.
Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.