O debate político tornou-se insustentável na Guiné-Bissau com a troca de insultos e ataques entre ativistas de várias alas políticas. Politólogos falam em "oportunismo" que é resultado da crise que se vive no país.
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A troca de acusações entre políticos e grupos de jovens que lhes prestam serviços está a declinar a qualidade da democracia guineense. "Havia debate político, confronto de ideias, mas hoje em dia as pessoas procuram suporte no debate étnico-religioso para poder sobretudo manipular a maior parte da população que não tem capacidade de discernimento sobre o que precisamos para o nosso país", adverte o politólogo guineense Rui Jorge Semedo, que acrescenta que até já se usa "a vida privada dos adversários políticos" como arma de arremesso.
O debate em torno do ativismo guineense surge na sequência do recente rapto e espancamento de Carlos Sambú e Quebá Sané. Carlos Sambú foi demitido esta terça-feira (13.10) do cargo de assessor de imprensa do Ministério das Obras Públicas da Guiné-Bissau, depois de identificar um segurança do Presidente Sissoco Embaló como sendo um dos autores das agressões.
Nas últimas semanas, muitos antigos apoiantes da campanha eleitoral do chefe de Estado da Guiné-Bissau insurgiram-se através das redes sociais contra o próprio Presidente, alegadamente por terem sido esquecidos por Umaro Sissoco Embaló depois das eleições.
Segundo Rui Jorge Semedo, os partidos políticos já não conseguem distinguir entre ativistas e militantes partidários.
"É um mecanismo que surgiu num relacionamento de 'dá cá e toma lá' entre um oportunista e o político. Há um tipo de prestação de serviço entre o cidadão particular que procura um tacho nas rédeas do poder político, oferecendo o seu serviço. (...) São financiados pelos partidos para defender os dirigentes do partido. É uma relação de promiscuidade. No momento em que as partes se começam a desentender, vem logo a repressão", explica o politólogo.
"São os políticos que encomendam este tipo de serviços", adverte. "Os supostos ativistas insultam, lançam notícias falsas nas redes sociais... Isto hoje é uma faca de dois gumes: ora se favorece o político que encomenda o serviço, ora se vira contra ele", revela. "Estes supostos ativistas conhecem os podres desses políticos e quando não se sentem recompensados vazam informações comprometedoras contra o patrão", resume Rui Jorge Semedo.
"Ativismo" que é resultado da crise política
Sumaila Djaló, professor guineense entende que os insultos disfarçados de ativismo são decorrentes da crise política dos seis últimos anos na Guiné-Bissau.
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"Foi nesse momento que surgiu esse tipo de ativismo não baseado em causas concretas (...), mas sim no oportunismo (...) para chegar ao aparelho de Estado e tirar algum benefício da sua intervenção cívica", acredita. "É preciso diferenciar ativismo clientelista do papel das organizações da sociedade civil que defendem as causas e interesse do povo", afirma o académico.
Na opinião de Sumaila Djaló, esses jovens estão a ser usados pelos políticos populistas para fazer guerrilha política. "Essa forma de bajulação e de procura de espaço para resolver os problemas particulares é aproveitada por uma forma de fazer política populista que também tem vindo a ganhar terreno", esclarece. "Estes ativistas estão ao serviço de interesses políticos que não têm argumentos políticos sólidos para convencer os guineenses a confiar no seu projeto político", critica.
Nos últimos seis meses, pelo menos três ativistas apoiantes do atual regime no poder foram espancados por alegadamente estarem de costas voltadas para os seus mentores.
Guiné-Bissau: O país onde nenhum Presidente terminou o mandato
Desde que se tornou independente, a Guiné-Bissau viu sentar na cadeira presidencial quase uma dúzia de Presidentes - incluindo interinos e governos de transição. Conheça todas as caras que passaram pelo comando do país.
Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.