Guiné-Bissau: Cerca de 150 mil crianças estão fora da escola
Lusa
18 de dezembro de 2024
Cerca de 150 mil crianças estão fora do sistema escolar da Guiné-Bissau. Sinaprof lamenta política do Governo que rejeita a inscrição no sistema de novos docentes.
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Cerca de 150 mil crianças estão fora do sistema escolar da Guiné-Bissau, desde o pré-escolar até ao 12.º ano, devido à falta de professores, disse hoje o presidente do Sindicato Nacional dos Professores (Sinaprof), Domingos de Carvalho.
O responsável indicou que a situação afeta as escolas públicas, "em todas as regiões" da Guiné-Bissau.
Domingos de Carvalho afirmou que a "situação é incompreensível" quando mais de 700 professores na região escolar de Bissau estão fora do sistema educativo devido à política do Governo que rejeita a inscrição no sistema de novos docentes.
"O Governo do primeiro-ministro Rui de Barros, que é de iniciativa do Presidente da República, tem dito ao povo da Guiné-Bissau que as aulas estão a funcionar normalmente. Nós podemos afirmar que as aulas não estão a funcionar nas escolas publicas", observou o líder do maior sindicato de professores guineenses.
Domingos de Carvalho observa que a falta de professores "afeta mais" as crianças do primeiro ao sexto ano em toda a Guiné-Bissau e afirmou que "a situação deverá piorar" com a reforma, "brevemente" de 187 professores, por limite de idade.
No passado mês de setembro, o Sinaprof entregou ao Governo, organizações da sociedade civil, líderes religiosos e parceiros internacionais que apoiam o setor educativo um documento que denominou "Manifesto de Indignação".
O líder do Sinaprof disse o documento "espelha bem" a situação do setor educativo guineense, nomeadamente salários em atraso, falta de condições de trabalho, de higiene e segurança nas escolas públicas, falta de pagamento de vários subsídios, ausência de inspetores e insuficiência de professores.
Domingos de Carvalho notou que o sindicato "tem ponderado muito" e que é chegada a altura de "dizer basta".
"Esgotados todos os mecanismos de pressão, o Sinaprof não tem mais outro meio que não seja decretar greve geral. No dia dois de dezembro entregamos um caderno reivindicativo", adiantou o sindicalista para avisar que "2025 será um ano de muita luta sindical".
O primeiro livro escolar de matemática de Moçambique
Foi um professor alemão que escreveu o primeiro livro de ensino escolar de matemática de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau. À volta do livro e do seu autor, Achim Kindler, há muitas histórias sobre a FRELIMO no exílio.
Foto: DW/J. Beck
Ensino de matemática no contexto africano
Quando Achim Kindler, um professor alemão vindo da Alemanha Oriental (RDA), começou a ensinar matemática aos filhos dos líderes da FRELIMO no exílio na Tanzânia, não gostou do material didático dos portugueses. Estes livros foram desenhados para um contexto europeu. Kindler achou que seriam precisos livros escolares que refletissem a vida dos africanos e evitassem estereótipos colonialistas.
Foto: DW/J. Beck
Primeiro livro de matemática moçambicano
Entre 1968 e 69, Kindler desenhou o protótipo com meios improvisados. "Usámos batatas para os gráficos", contou numa entrevista. Mas faltou dinheiro para a impressão profissional. Em 1971, igrejas evangélicas europeias prometeram pagar 50% dos custos dos livros da primeira e segunda classe (foto). O Partido Socialista Unificado da Alemanha não quis ficar atrás e a RDA pagou o resto.
Foto: DW/J. Beck
Palmeiras, tangerinas e machetes
Para a época, o visual era revolucionário. Para a adição, usou quilos de peixe descarregados por membros de uma cooperativa que se encontravam em baixo de palmeiras (à esq.). Para a divisão, o exemplo foi uma tangerina cortada com um machete. Os textos refletiam o espírito comunista da época, cheios de referências à solidariedade, às lutas operárias e aos movimentos anti-colonialistas.
Foto: DW/J. Beck
Como Achim Kindler chegou à Tanzânia
Em 1966, o líder da recém criada FRELIMO, Eduardo Mondlane, visitou a Rep. Dem. Alemã para procurar apoio na luta contra o colonialismo. Como Mondlane falava bem inglês, os representantes da RDA tiveram a impressão de que inglês seria a língua de trabalho da FRELIMO. Enviaram Kindler para apoiar o partido no exílio na Tanzânia. Depois da sua chegada, Kindler teve, primeiro, que aprender português.
Foto: Gerald Henzinger
Mondlane e o apoio da RDA à FRELIMO
Até ao seu assassinato, em 1969, Eduardo Mondlane (à dir.) teve um papel fundamental nas relações entre o Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) e a FRELIMO. A RDA evitava o apoio direto e canalizava os fundos através do Comité de Solidariedade. Após o seu primeiro encontro com Kindler, Mondlane escreveu ao comité: "Estou muito impressionado com o grande sentido de responsabilidade dele."
Foto: casacomum.org/ Documentos Mário Pinto de Andrade
Livro para três movimentos de libertação
Antes da independência de Portugal, a carência de material didático era grande. Os livros escolares eram importados da Europa, não somente em Moçambique, mas também nas outras colónias portuguesas em África. Por isso, os livros feitos pela FRELIMO também tiveram edições especiais para os movimentos independentistas de Angola e da Guiné-Bissau e Cabo Verde, o MPLA e o PAIGC.
Foto: DW/J. Beck
Amílcar Cabral agradeceu pessoalmente
Através da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), os livros chegaram também ao Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. "No VII congresso do Partido Socialista Unificado da Alemanha, que visitei para acompanhar Samora Machel, Amílcar Cabral [líder do PAIGC] aproximou-se e agradeceu-me pessoalmente", contou Kindler.
Um efeito da associação do livro aos movimentos da luta de libertação foi a presença de armas e guerrilheiros nos exercícios matemáticos. Nos livros de matemática de Kindler, encontram-se perguntas como "Quantos guerrilheiros há no campo de manobras?", ilustrações da espingarda típica AK-47 ("Kalashnikov") ou histórias de crianças que enchem lâminas de armas com balas.
Foto: DW/J. Beck
Realidade no exílio
As igrejas que pagaram os livros não gostaram da presença de armas. Mas, para Kindler, isto era natural, pois a luta armada fazia parte da vida real das crianças. "Queremos apoiá-los na libertação ou queremos discutir se é viável lutar sem armas contra Portugal?", contou Kindler na entrevista no livro "Wir haben Spuren hinterlassen" ("Deixámos marcas", editado por Matthias Voss em 2006).
Foto: DW/J. Beck
Primeiro logotipo da FRELIMO
"Para diferenciar as edições para os diferente movimentos, colocámos logotipos na capa. O MPLA e o PAIGC já tinham logotipo, mas a FRELIMO ainda não", contou Kindler. "Desenhámos um símbolo da FRELIMO para o livro. Mais tarde, alguns elementos foram usados no primeiro logotipo oficial. Isto foi motivo de grande alegria para nós", disse Kindler na entrevista conduzida em 2005, antes da sua morte.
Foto: DW/J. Beck
Amigo íntimo de Samora Machel
Ao ensinar os filhos dos líderes da FRELIMO durante vários anos no exílio, Achim Kindler tornou-se amigo íntimo de figuras importantes do partido, como Samora Machel. Quando Machel assumiu a Presidência de Moçambique, após a independência, em 1975, Kindler foi nomeado primeiro secretário da embaixada da República Democrática da Alemanha (RDA) em Maputo.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Dúvidas de lealdade
Mas o autor do primeiro livro de matemática de Moçambique não ficou muitos anos na embaixada. "Acusaram-me de ser mais moçambicano que representante da RDA", contou Kindler, que depois de encontros privados com Samora e Graça Machel teve que voltar à RDA. Pelos seus méritos, Kindler recebeu a medalha de Nachingwea, uma das ordens mais importantes da República de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Guebuza foi buscar os documentos de Kindler
Até à sua morte, Kindler guardou um valioso espólio de documentos históricos dos primeiros anos da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Em 2007, o então Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, deslocou-se à Alemanha e levou os documentos de volta a Moçambique. Na foto: Guebuza quando encontrou o então edil de Berlim, Klaus Wowereit, no âmbito da sua visita de Estado.