Guiné-Bissau: Crianças de Bafatá e Gabú sujeitas a abusos
Iancuba Dansó (Bissau)
24 de janeiro de 2020
Crianças continuam sujeitas à mendicidade forçada, castigos físicos e abusos sexuais no leste do país, denuncia a Liga Guineense dos Direitos Humanos. O Governo reconhece desafios ao lidar com a questão.
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Denúncias sobre a violação dos direitos das crianças são recorrentes na Guiné Bissau. A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) denuncia casos de abusos sexuais nas regiões de Bafatá e Gabú.
"Constatamos que, cá no leste, há situações gritantes de mendicidade forçada que as crianças estão sujeitas, por causa das nossas tradições de ensinamento do alcorão", disse o presidente da Liga, Augusto Mário da Silva, que referiu que as autoridades policiais e judiciárias não estão a dar a devida atenção aos casos.
Quem também aponta a indiferença das autoridades competentes é a Associação de Amigos da Criança (AMIC), organização não-governamental que trabalha na promoção e defesa dos direitos das crianças.
"Em outras províncias, há violação sexual, mendicidade, tentativa de casamento forçado, mutilação genital feminina e várias situações que acontecem. Mas vê-se uma pouca mobilidade e dinâmica por parte do próprio Ministério Público”, afirmou Fernando Cá, responsável da AMIC.
Escolaridade baixa em Bafatá e Gabú
A baixa escolaridade agrava a pobreza e aumenta a vulnerabilidade das crianças. Dados do Inquérito aos Indicadores Múltiplos, publicado em 2016, que monitora a situação da criança e da mulher, revelam que na Guiné-Bissau mais de metade das crianças de 5 aos 14 anos, equivalente a 51%, estão envolvidas no trabalho infantil.
Os índices de ingressão e permanência na escola são baixos nas regiões de Bafatá e Gabú em relação a algumas outras regiões. Em Bafatá a percentagem de crianças com idade para entrar no ensino primário a entrar no 1º ano é de 54,4%%, e em Gabú cerca e 41,3%, onde a média nacional é de 49,7%. A média nacional de crianas com idade para entrar no ensino secundário é de 53,7%, sendo que em Bafatá situa-se em 60,9% e em Gabú 41,6%.
Governo reconhece desafios no cadastro
O acesso universal ao ensino primário ainda contitui um desafio para a Guiné-Bissau, considerando osindicadores de Desenvolvimento Humano do país.
Guiné-Bissau: Crianças de Bafatá e Gabú sujeitas a abusos
Apesar de a Guiné-Bissau ter ratificado várias convenções internacionais para a proteção das crianças, a situação é ainda péssima, reconhece a ministra da Mulher, Família e Proteção Social.
"Estamos neste momento a atualizar o plano nacional para proteger e impedir as crianças a mendigarem, e assim como a questão de tráfico de seres humanos. Uma vez atualizado este plano, já estamos a entabular contactos com alguns parceiros, para podermos mobilizar alguns recursos", assegurou a ministra Cadí Seide.
Um dos desafios por ela partilhados foi a identificação e criação de bancos de dados para "organizar casas de acolhimento temporal, com todas as condições para as crianças que vão [retornar] ao país, vindos de estrangeiro”, concluiu.
A dor dos talibés
Entregues pelos pais para serem educados por líderes religiosos, os meninos são agredidos por professores e obrigados a mendigar nas ruas. Escolas corânicas no Senegal são ambiente de sofrimento e exploração infantil.
Foto: DW/K. Gomes
Infância perdida
Nas paredes desta escola corânica, no Senegal, rabiscos contornam figuras de bonecos e estrelas. Aqui, as fantasias de criança convivem com uma realidade amarga. Meninos conhecidos como talibés são separados da família para aprender o Corão.
Foto: DW/K. Gomes
Sem portas nem janelas
Afastada do centro da cidade de Rufisque, no oeste do Senegal, fica esta estrutura abandonada, sem portas nem janelas. Esta madrassa, como é chamada a escola corânica, abriga cerca de 20 crianças entre três e 15 anos de idade. A falta de infraestrutura torna a rotina dos talibés ainda mais penosa.
Foto: Karina Gomes
Desprotegidos
Este é um dos quartos onde os talibés dormem. Não há camas, nem cobertores. E também faltam travesseiros. Os meninos deitam-se sobre sacos plásticos, no chão de areia. Nos dias frios, a maioria fica doente e não recebe tratamento médico adequado.
Foto: Karina Gomes
Aulas sobre o Corão
As crianças são entregues pelos pais aos marabus – poderosos líderes religiosos do país – para terem aulas sobre o Corão. Os professores têm uma reputação social elevada e é a eles que muitas famílias pobres do Senegal e da vizinha Guiné-Bissau confiam a educação dos filhos.
Foto: DW/K. Gomes
Entre livros
Tábuas com palavras em árabe e exemplares do livro sagrado estão espalhados pela madrassa. Os talibés acordam diariamente por volta das cinco da manhã para aprender o Corão. Em coro, recitam repetidamente trechos do livro sagrado.
Foto: DW/K. Gomes
Mendigos
Depois das orações, os meninos são obrigados a pedir dinheiro nas ruas e a conseguir algo para comer. Cada professor estipula uma quantia diária. Se os meninos não conseguem cumprir, são espancados. "Tínhamos de levar dinheiro para sustentar o marabu e a sua família, porque ele vivia disso. Eu sofri muito. Uma vez fui espancado porque cheguei atrasado", conta o ex-talibé Soibou Sall.
Foto: DW/K. Gomes
Amigos de rua
Os talibés vestem-se com roupas velhas e rasgadas e a maioria anda descalça. Chegam a mendigar sete horas por dia pelas ruas de Rufisque. Eles também pedem esmolas perto da estrada que liga a cidade à capital, Dakar. Curiosos, estes dois amigos aproximam-se e pedem para ser fotografados. E sorriem, apesar da rotina dolorosa.
Foto: DW/K. Gomes
Hora da refeição
Sentados no chão de areia, os talibés juntam-se para comer o que conseguiram nas ruas. Hoje têm arroz, vegetais e alguns pedaços de frango para dividir. Há restos de comida espalhados pelo plástico preto. "Gosto de viver aqui. Eu tenho paz", diz Aliou, de 8 anos.
Foto: DW/K. Gomes
Condições degradantes
Nesse espaço comum fica uma espécie de casa-de-banho e há muito lixo no chão. Os meninos andam descalços sobre objetos cortantes. Há chinelos e roupas velhas por toda a parte. Os meninos são constantemente vigiados por adolescentes que foram talibés na infância e auxiliam os professores. Agressões são constantes.
Foto: DW/K. Gomes
Exploração
As escolas alcorânicas surgiram nas zonas rurais do Senegal. Os meninos trabalhavam na lavoura e tinham aulas sobre o Alcorão. Com as constantes secas, os marabus foram forçados a aproximar-se das grandes cidades, como Dakar. Com dificuldades financeiras para sustentar todas as crianças, o incentivo à mendicância infantil tornou-se uma atividade rentável.
Foto: DW/K. Gomes
Sem os pais
Por chegarem muito pequenos às daaras, muitos meninos desconhecem o motivo de terem saído da casa dos pais. Bala, de 11 anos, não vê a mãe há sete anos. "A minha mãe está viva e tenho saudades dela. Estou aqui em Rufisque desde muito pequenino. Depois da escola, eu vou pedir dinheiro", diz. "Preferia viver com os meus pais."