Guiné-Bissau: Crise política hipoteca futuro dos jovens
Marta Cardoso
11 de março de 2020
Hospitais com serviços mínimos, escolas que não funcionam, serviços públicos abertos dois dias por semana, funcionários sem ordenado. Que futuro para a Guiné-Bissau?
As greves da função pública afetam setores críticos como a saúde e a educação. "O hospital está a meio gás por causa da greve dos funcionários. Só há serviço mínimo, as escolas não estão a funcionar, mas isto é a sequência de antes no governo de Aristides Gomes, não com esse problema de empossamento ou não do Presidente da República”, esclarece a médica Aissatu Forbs.
Apesar da paralisação dos transportes públicos ter terminado, a greve da função pública mantém-se. As instituições do Estado funcionam apenas na segunda e sexta-feira. Terça, quarta e quinta-feira há greve. Seco Duarte, líder da Rede Nacional das Associações Juvenis da Guiné Bissau (RENAJ) confirma que há funcionários que ainda "não receberam o salário do mês do janeiro, muito menos fevereiro” e que os trabalhadores estão "desmotivados”.
Guiné-Bissau: Crise política hipoteca futuro dos jovens
As escolas também não funcionam devido às greves gerais da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (UNTG) e do Sindicato dos Professores. A instabilidade no setor da educação é um dos principais problemas da sociedade guineense que leva vários jovens a emigrar para os países vizinhos ou para a Europa. Em 2017, a taxa de emigração era de 1,3%. Os números de emigração jovem não são conhecidos.
Política pública para educação
A presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Aissatu Forbs, optou por estudar e trabalhar na Guiné Bissau, mas a maioria dos irmãos foi estudar para o exterior. "Há jovens que emigram para procurar emprego, mas há outros que procuram melhores condições de ensino. Há principalmente jovens que vão para Senegal, para Portugal, para Marrocos”, explica Forbs.
A líder juvenil, que começou no associativismo com apenas nove anos, tem consciência de que um diploma da Guiné-Bissau é menos credível quando comparado com outros países, inclusive dentro da sub-região africana. Mesmo assim, optou por estudar na Faculdade de Medicina, enquadrada na Universidade Amílcar Cabral. A instituição pública conta com a assessoria técnica e científica de professores cubanos desde 2006 devido a uma parceria feita com o governo de Fidel Castro.
Alissatu Forbs lamenta que a instabilidade do país faça com que o Governo não tenha uma política pública consistente para a Educação, o que limita as oportunidades de emprego:"Isso faz com que os jovens sintam que têm poucas opções, para sonhar aqui, e concretizar sonhos é muito difícil”. A jovem médica constata que recentemente houve jovens deixaram o país para, por exemplo, estudar com bolsas de Estado, mas que no regresso à Guiné-Bissau depararam-se com uma situação de desemprego: "É só estágio mesmo, as empresas de telecomunicações ou outras empresas privadas ficam com os jovens muito tempo no regime de estágio e não asseguram emprego”.
Seco Duarte, estudante de Direito, optou pelo ensino privado porque o público é incerto.Estima que a taxa de desemprego entre os jovens ronda 30% e considera que, "como refúgio, vários jovens têm enveredado pela delinquência”. Alerta ainda que vive num país em que - para quem quer um emprego rentável - os maiores empregadores são os partidos políticos, porque "os partidos têm mais infraestrutura financeira do que o próprio Estado”. Além disso, os jovens acabariam por entrar na política como uma forma de "subir na vida”, numa postura de "salve-se quem puder”.
Posicionamento das organizações juvenis
Num país onde mais de metade da população tem menos de 35 anos de idade, importa saber o que pedem os líderes juvenis aos atores políticos na resolução do impasse político atual.
Até ao momento ainda nenhuma associação juvenil se posicionou oficialmente sobre a atual situação política. O representante da Rede Nacional das Associações Juvenis da Guiné Bissau (RENAJ), Seco Duarte, reclama apenas "respeito pelas leis da República, espírito patriótico e que ponham o país em primeiro lugar”. Pede ainda "maior consideração pelo povo guineense que já está no limite da paciência com a classe política no todo” e que as autoridades governamentais e políticas assumam as suas responsabilidades.
O Conselho Nacional da Juventude (CNJ) ainda não tentou abordar nenhum dos atores políticos porque está a aguardar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça. A presidente, Aissatu Forbs, apela ao diálogo, ao princípio da "não violência” e que a constituição da república seja respeitada. "Achávamos que a medição internacional podia ser uma saída já que a nível interno não se consegue realmente mover diálogo e ultrapassar esta situação”.
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".