Guiné-Bissau deve ou não adotar um regime presidencialista?
Iancuba Dansó (Bissau)
24 de junho de 2021
O Presidente Umaro Sissoco Embaló quer instalar um regime presidencialista na Guiné-Bissau, mas juristas e cidadãos reprovam a ideia e alertam para o "perigo" de concentrar poderes numa única entidade.
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Desde que Umaro Sissoco Embaló chegou ao poder, há mais de um ano, o assunto do sistema de governação tem sido tema de debate em diferentes momentos. O chefe de Estado não esconde a sua preferência pelo sistema presidencialista, um regime político em vigor na maioria dos países da África Ocidental, mas que tem desvantagens.
"Concentrar os poderes num único partido, numa única entidade, pode dar azos ao abuso de poder, como se tem verificado", começa por alertar o jurista Luís Vaz Martins.
"Mesmo vivendo num contexto de semipresidencialismo, temos assistido à usurpação de poderes de outros órgãos, quanto mais se concentrarmos esses poderes numa única entidade", salienta.
Ao reportar aos jornalistas as recomendações da última Conferência dos Chefes de Estados e de Governos da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que teve lugar na capital do Gana, Accra, o Presidente Umaro Sissoco Embaló afirmou, no sábado (19.06), que os estadistas da sub-região recomendaram a revisão da Constituição guineense e a sua adaptação às dos países da zona.
"Falamos também da revisão constitucional na Guiné-Bissau e entendemos que é imperativo que haja a revisão constitucional adaptada à nossa sub-região. Brevemente, virão técnicos e grandes constitucionalistas da zona, para se sentarem com os juristas, para ver e discutir o sistema melhor. E o sistema que todo o mundo quer é o sistema da zona", disse.
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Cabo Verde, um regime semipresidencialista
Luís Vaz Martins duvida das declarações do Presidente da República e afirma que não compete à CEDEAO promover a revisão da Constituição guineense.
"Mesmo admitindo, sem consentir, que isso fosse uma preocupação da CEDEAO, que não me parece ser, a CEDEAO não tem [...] prerrogativas para impor um sistema à Guiné-Bissau, mesmo que a esmagadora maioria dos países da CEDEAO tenha como vivência o presidencialismo", sublinhou.
"Nós temos um exemplo aqui perto, também da CEDEAO, onde o semipresidencialismo funciona perfeitamente. Refiro-me a Cabo Verde, que é uma questão da cultura democrática", exemplificou.
Desde 1994, ano em que foram realizadas as primeiras eleições multipartidárias na Guiné-Bissau, nenhum Governo completou a legislatura de quatro anos e só uma vez um Presidente da República terminou o mandato de cinco anos, sem qualquer sublevação - foi José Mário Vaz.
Os conflitos entre o Presidente e o primeiro-ministro do país são persistentes, o que tem levado a Guiné-Bissau a mergulhar em crises institucionais, por muitos associadas às "lacunas e imprecisões" da Constituição.
É preciso rever a Constituição?
Para Cabi Sanhá, a Constituição da República deveria ser revista, mas o jurista discorda da mudança de sistema.
"Há toda a necessidade da revisão da nossa Constituição, porque é uma Constituição desatualizada e desadequada à realidade atual. Se formos dar um passeio no interior da própria Constituição, vamos constatar muitas lacunas e incongruências. Não quer significar, naturalmente, que essa revisão terá necessariamente que incidir na mudança do sistema do Governo, de semipresidencialismo para o presidencialismo", frisou.
"Modestamente, não acho que o problema da Guiné-Bissau resida nesta perspetiva. Este sistema [semipresidencialismo] funciona e muito bem em vários países do mundo e um exemplo paradigmático é Cabo Verde, em que funciona com toda a naturalidade", indicou.
Recentemente, os deputados da Assembleia Nacional Popular (ANP) rejeitaram agendar para debate o projeto da Constituição da República recomendado por Umaro Sissoco Embaló, que chegou a afirmar que só a lei magna que ele recomendou será aplicada.
Segundo o jornalista guineense Lassana Camará, os constantes problemas da Guiné-Bissau estão assentes nas pessoas e não na Constituição da República.
"Todas as constituições do mundo não são perfeitas. Cada constituição tem o seu problema e o grande problema é respeitar exatamente o que lá está escrito. O problema aqui são as instituições da República. [É preciso] cada um respeitar a baliza que a própria Constituição lhe dá. Para mim, o sistema não é o problema, mas sim as pessoas que não respeitam as regras impostas pela própria Constituição", opina.
A revisão constitucional parece não ser o problema, já que vários juristas concordam com alterações pontuais, mas a eventual mudança do sistema semipresidencialista para presidencialista tem sido contestada por várias vozes.
Os chefes de Estado há mais tempo no poder
São presidentes, príncipes, reis ou sultões, de África, da Ásia ou da Europa. Estes são os dez chefes de Estado há mais tempo no poder.
Foto: Jack Taylor/Getty Images
Do golpe de Estado até hoje - Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo assumiu a Presidência da Guiné Equatorial em 1979, ainda antes de José Eduardo dos Santos. Teodoro Obiang Nguema derrubou o seu tio do poder: Francisco Macías Nguema foi executado em setembro de 1979. A Guiné Equatorial é um dos países mais ricos de África devido às receitas do petróleo e do gás, mas a maioria dos cidadãos não beneficia dessa riqueza.
Foto: DW/R. Graça
O Presidente que adora luxo - Paul Biya
Paul Biya é chefe de Estado dos Camarões desde novembro de 1982. Muitos dos camaroneses que falam inglês sentem-se excluídos pelo francófono Biya. E o Presidente também tem sido alvo de críticas pelas despesas que faz. Durante as férias, terá pago alegadamente 25 mil euros por dia pelo aluguer de uma vivenda. Na foto, está acompanhado da mulher Chantal Biya.
Foto: Reuters
Mudou a Constituição para viabilizar a reeleição - Yoweri Museveni
Yoweri Museveni já foi confirmado seis vezes como Presidente do Uganda. Para poder concorrer às eleições de 2021, Museveni mudou a Constituição e retirou o limite de idade de 75 anos. Venceu o pleito com 58,6% dos votos, reafirmando-se como um dos líderes autoritários mais antigos do mundo. O candidato da oposição, Bobi Wine, alegou fraude generalizada na votação e rejeitou os resultados oficiais.
Foto: Getty Images/AFP/I. Kasamani
"O Leão de Eswatini" - Mswati III
Mswati III é o último governante absolutista de África. Desde 1986, dirige o reino de Eswatini, a antiga Suazilândia. Acredita-se que tem 210 irmãos; o seu pai Sobhuza II teve 70 mulheres. A tradição da poligamia continua no seu reinado: até 2020, Mswati III teve 15 esposas. O seu estilo de vida luxuoso causou protestos no país, mas a polícia costuma reprimir as manifestações no reino.
Foto: Getty Images/AFP/J. Jackson
O sultão acima de tudo - Haji Hassanal Bolkiah
Há quase cinco décadas que o sultão Haji Hassanal Bolkiah é chefe de Estado e Governo e ministro dos Negócios Estrangeiros, do Comércio, das Finanças e da Defesa do Brunei. Há mais de 600 anos que a política do país é dirigida por sultões. Hassanal Bolkiah, de 74 anos, é um dos últimos manarcas absolutos no mundo.
Foto: Imago/Xinhua/J. Wong
Monarca bilionário - Hans-Adam II
Desde 1989, Hans-Adam II (esq.) é chefe de Estado do Liechtenstein, um pequeno principado situado entre a Áustria e a Suiça. Em 2004, nomeou o filho Aloísio (dir.) como seu representante, embora continue a chefiar o país. Hans-Adam II é dono do grupo bancário LGT. Com uma fortuna pessoal estimada em mais de 3 mil milhões de euros é considerado o soberano europeu mais rico.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Nieboer
De pastor a parceiro do Ocidente - Idriss Déby
Idriss Déby (à esq.) foi Presidente do Chade de 1990 a 2021. Filho de pastores, Déby formou-se em França como piloto de combate. Apesar do seu autoritarismo, Déby foi um parceiro do Ocidente na luta contra o extremismo islâmico (na foto com o Presidente francês Macron). Em abril de 2021, um apenas dia após após a confirmação da sua sexta vitória eleitoral, Déby foi morto num combate com rebeldes.
Foto: Eliot Blondet/abaca/picture alliance
Procurado por genocídio - Omar al-Bashir
Omar al-Bashir foi Presidente do Sudão entre 1993 e 2019. Chegou ao poder em 1989 depois de um golpe de Estado sangrento. O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em 2009 um mandado de captura contra al-Bashir por alegada implicação em crimes de genocídio e de guerra no Darfur. Em 2019, foi deposto e preso após uma onda de protestos no país.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
O adeus - José Eduardo dos Santos
José Eduardo dos Santos foi, durante 38 anos (de 1979 a 2017), chefe de Estado de Angola. Mas não se recandidatou nas eleições de 2017. Apesar do boom económico durante o seu mandato, grande parte da população continua a viver na pobreza. José Eduardo dos Santos tem sido frequentemente acusado de corrupção e de desvio das receitas da venda do petróleo. A sua família é uma das mais ricas de África.
Foto: picture-alliance/dpa/P.Novais
Fã de si próprio - Robert Mugabe
Robert Mugabe chegou a ser o mais velho chefe de Estado do mundo (com uma idade de 93 anos). O Presidente do Zimbabué esteve quase 30 anos na Presidência. Antes foi o primeiro-ministro. Naquela época, aconteceram vários massacres que vitimaram milhares de pessoas. Também foi criticado por alegada corrupção. Após um levantamento militar, renunciou à Presidência em 2017. Morreu dois anos mais tarde.