Guiné-Bissau: Falta apoio específico para vítimas de MGF
Djariatú Baldé
6 de fevereiro de 2024
No Dia da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina (MGF), ativista guineense critica "falta de comprometimento" do Estado no combate à prática, apesar dos progressos na erradicação da excisão após aprovação da lei.
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A Mutilação Genital Feminina é crime na Guiné-Bissau desde 2011. Organizações que trabalham nesta matéria apontam que a criminalização da MGF tem contribuído significativamente para a redução desta prática. Muitas das "fanatecas" (mulheres que praticam o ritual de excisão) já têm a consciência do perigo da MGF.
Ainda assim, a presidente da Rede Nacional de Luta Contra a Violência Baseada no Género e Criança na Guiné-Bissau (RENLUV-GC/GB), Aissatu Indjai, alerta que, em algumas comunidades, a excisão ainda é feita às escondidas.
"Antes da adoção da lei, assistia-se a uma aglomeração de crianças nas barracas para serem excisadas. Agora, já não se vê barracas. Mas tendo em conta que é um hábito secular, trata-se de uma mudança do comportamento, ainda existem algumas pessoas que fazem a prática", diz em em entrevista à DW.
Outro problema, segundo Aissatu Indjai, é que, apesar de se prever penas entre um e cinco anos de prisão para pessoas que efetuem a Mutilação Genital Feminina, os autores da prática quase restam impunes ou com pena suspensa. Isso tem dificultado os trabalhos de erradicação, diz a presidente da RENLUV-GC/GB.
"Quando for denunciado qualquer caso, e for encaminhado para instituições judiciais, devem ser acionados os mecanismos legais o mais rapidamente possível, no sentido de incentivar o abandono da prática, porque enquanto a justiça for morosa, isso incentiva as pessoas que querem continuar com a prática", explica.
À lupa: Mutilação Genital Feminina
01:45
Falta "comprometimento" do Estado
A ativista guineense de defesa dos direitos da mulher Adama Baldé critica ainda a "falta de comprometimento" do Estado guineense no combate à MGF, que ainda "não tem uma política específica de [apoio] às vítimas da prática."
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"Até hoje, o Ministério da Saúde Pública não fez nenhum estudo que faz uma ligação da MGF com outros problemas de saúde pública, exceto o caso da fístula obstétrica", destaca Adama Baldé. Problemas como complicações durante o parto, maior risco de infeções ou sequelas psicológicas.
A ativista reconhece os esforços do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança na luta contra a Mutilação Genital Feminina. No entanto, apela a uma reflexão sobre novas formas de intervenção comunitária para abandonar este flagelo que põe em causa a dignidade da mulher.
"Temos de rever a estratégia de intervenção, pensar a estratégia nacional, com base na nossa realidade, fazer um diagnóstico de compreensão, auscultar as comunidades, entender nos dias de hoje, o que é que estas comunidades pensam em relação à prática e desenhar uma estratégia de intervenção. O que eu acho importante fazer é convencer as lideranças religiosas para serem aliados no combate à Mutilação Genital Feminina", sublinha.
A MGF é reconhecida internacionalmente como uma violação dos direitos humanos e é motivada por questões culturais tradicionais e até mesmo religiosas na Guiné-Bissau. Segundo dados recentes do Governo guineense, 52% das mulheres e crianças foram submetidas à Mutilação Genital Feminina nas comunidades rurais do país.
Mutilação genital feminina: uma tradição que teima em persistir
A mutilação genital feminina (MGF) persiste em muitos países africanos, apesar de ser proibida oficialmente. Os Pokot, no Quénia, são uma das etnias que continuam a levar a cabo esta prática.
Foto: Reuters/S. Modola
Uma lâmina para todas
Esta lâmina foi usada para mutilar quatro raparigas do Vale do Rift, no Quénia. Para o povo Pokot, o ritual marca a passagem de menina para adulta. Apesar de esta tradição brutal ser proibida por lei, muitas raparigas continuam a ser sujeitas à mutilação genital feminina (MGF), sobretudo em zonas rurais.
Foto: Reuters/S. Modola
Preparativos para a cerimónia
As meninas e mulheres Pokot aquecem-se junto à fogueira às primeiras horas da manhã. Quem não se submete à MGF tem menos hipóteses de casar. A integração das mulheres e a sua sobrevivência económica depende do casamento, principalmente nas áreas rurais. Aquelas que se recusam a participar são renegadas pela sociedade ou até mesmo expulsas.
Foto: Reuters/S. Modola
É impossível dizer "não"
Antes de se proceder ao ritual, as raparigas são despidas e lavadas. Elas sabem de antemão que, tal como as suas mães, vão ter problemas de saúde: quistos, infeções, infertilidade, complicações no parto. A mutilação genital feminina continua a ser praticada em 28 países africanos, na península Arábica e na Ásia. Também há filhas de emigrantes na Europa que são mutiladas.
Foto: Reuters/S. Modola
Espera angustiante
Estas raparigas Pokot esperam pela cerimónia de circuncisão na província de Baringo, no Vale do Rift. O Quénia proibiu a mutilação genital feminina em 2011, 27 por cento das quenianas entre os 15 e os 49 anos foram submetidas a esta prática, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Na maioria das vezes não se usa anestesia e o material não é desinfetado.
Foto: Reuters/S. Modola
Ritual mortífero
Cerimónia de circuncisão: Os Pokot esperam que as raparigas sejam corajosas e não gritem. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% das raparigas morre durante esta cerimónia e 25% morre devido a complicações associadas. Na Guiné-Bissau, metade das mulheres entre os 15 e os 49 anos foi submetida a esta prática, segundo a UNICEF. Na Somália, o número ronda os 98%.
Foto: Reuters/S. Modola
Pedra ensanguentada após o ritual
A forma como se faz a excisão varia de etnia para etnia. Os Pokot fecham a abertura vaginal. A OMS distingue três tipos de MGF: no tipo 1, o clítoris é retirado. No tipo 2, retira-se o clítoris e os pequenos lábios. No tipo 3, a infibulação, os grandes lábios também são retirados e a abertura vaginal é fechada.
Foto: Reuters/S. Modola
Tingir o corpo de branco
Tingir o corpo de branco faz parte do ritual dos Pokot. Em muitos países há campanhas de esclarecimento, para alertar para os perigos da mutilação genital feminina. Mas só lentamente as campanhas dão frutos. No Quénia, há desde 2014 uma unidade da polícia que trata de questões relacionadas com a MGF. Há também uma linha SOS que recebe denúncias.
Foto: Reuters/S. Modola
Trauma para a vida
Após a cerimónia, as raparigas são cobertas com peles de animais e recolhidas para um local onde podem descansar. Na ótica dos Pokot, elas estão prontas para casar e podem receber um dote maior. Alguns povos acreditam que as mulheres submetidas à MGF são mais férteis e fiéis ao seu marido. Quando se faz uma excisão não há volta atrás. Não é possível reverter a mutilação com operações plásticas.
Foto: Reuters/S. Modola
De mãe para filha?
Esta rapariga nunca mais vai esquecer a mutilação. Em alguns países, a excisão é realizada em bebés. Sendo uma prática ilegal, um bebé a chorar dá menos nas vistas do que uma rapariga a sofrer de dores o tempo inteiro.