Bissau: Mandato da força militar da CEDEAO "não está claro"
Iancuba Dansó (Bissau)
21 de junho de 2022
O Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, congratulou-se com a presença dos militares da CEDEAO, mas a sociedade civil volta a fazer críticas. Para Gueri Gomes, da Casa dos Direitos, a missão "deixa muito a desejar".
Na terça-feira (21.06), depois de uma visita ao Centro de Instrução Militar, em Cumeré, no norte da Guiné-Bissau, o Presidente Umaro Sissoco Embaló referiu-se à força da CEDEAO como uma referência para as Forças Armadas guineenses.
"Precisamos de umas Forças Armadas republicanas que possam ser chamadas para a manutenção da paz, como as forças dos nossos irmãos da CEDEAO que estão aqui para estabilizar", afirmou.
"Para todos nós, nunca mais seria possível o que aconteceu no dia 01 de fevereiro, mas em toda a sociedade é normal ter gente não correta", acrescentou. "E isso não significa que as Forças Armadas da Guiné-Bissau não são corretas ou são marginais, não. São Forças Armadas republicanas", justificou.
"Gesto de simpatia"
Em Bissau, na cerimónia oficial da instalação da missão, na segunda-feira, o comissário dos Assuntos Políticos, Paz e Segurança da CEDEAO, o general Francis Behanzin, sublinhou que a presença dos militares da África Ocidental no país é um gesto de simpatia.
"A CEDEAO envia esta missão num prazo muito curto. O mérito devia ser dado aos chefes de Estado e de Governo que mostraram não apenas a simpatia particular para com o povo guineense, como também a determinação para que a paz e a segurança reinem no espaço da CEDEAO", comentou.
O oficial admitiu a possibilidade de o número de efetivos militares ser aumentado nos próximos tempos: "Os 631 homens que constituem a força são da Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Senegal. As outras unidades da força deverão integrar [a missão] muito rapidamente, quando todas as condições forem criadas", adiantou.
Já o coordenador da organização Casa dos Direitos, Gueri Gomes, afirma que não tem muitas expetativas em relação a esta missão.
"A forma como foi decidida a vinda desta força da CEDEAO deixa muito a desejar, porque não foram ouvidas as instituições nem foram tidas em conta as opiniões da sociedade civil em relação a essa força", frisou.
Para Gueri Gomes, o mandato da missão não está claro, particularmente no capítulo dos direitos humanos. "Tinha que ser uma força que viria para garantir o exercício da liberdade de expressão, mas no seu mandato não vimos isso. E a CEDEAO mostrou claramente que não se preocupou com a questão dos direitos humanos na Guiné-Bissau", criticou.
Esta é a terceira presença militar da CEDEAO que se instala na Guiné-Bissau após atos de violência. A primeira vez foi entre 1998 e 1999, na sequência do conflito político-militar que assolou o país e, depois, entre 2012 e 2020, na sequência do golpe de Estado que derrubou o regime de Carlos Gomes Júnior.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.