"A situação da mendicidade está a ganhar uma proporção fora do normal", disse Sulimaine Embaló, após um inquérito realizado pela associação às crianças que se encontram a mendigar nas ruas de Bissau.
O presidente da Associação Guineense de Luta Contra a Migração Irregular e Tráfico de Seres Humanos afirmou que a situação das crianças talibé, estudantes do Alcorão, "é muito preocupante" e que a situação é "desumana".
"As pessoas que vão buscar estas crianças dizem que vão estudar o Alcorão, mas isso não acontece. O que acontece é que essas crianças vão para as ruas fazer mendicidade entre as 07:00 e as 18:00, o que é desumano", afirmou.
Questionado sobre como a associação vê a cumplicidade das autoridades guineenses, que não atua para proteger as crianças, Sulimaine Embaló disse que por parte do Instituto da Mulher e da Crianças há um trabalho de sensibilização que está a ser feito com os mestres corânicos, mas falta a "aplicabilidade da lei".
"Há pessoas que são intercetadas nas fronteiras e em outros lugares, mas isso é em vão, porque não há aplicabilidade da lei. Estas crianças estão desprotegidas, os direitos destas crianças estão a ser violados", alertou.
Sulimaine Embaló advertiu que a mendicidade não faz parte dos cinco pilares do Islão e também salientou que nem todos os mestres corânicos são a favor de colocar as crianças a mendigar.
"Nem todos os mestres corânicos enviam a crianças para mendigar. Os mestres corânicos que mandam as crianças mendigar são os nativos da Guiné-Bissau e as crianças que estão a mendigar em Bissau são maioritariamente de Bissau", afirmou.
Segundo o presidente da Associação Guineense de Luta Contra a Migração Irregular e Tráfico de Seres Humanos, 46% das crianças inquiridas em Bissau não frequentam a escola e não sabem ler nem escrever.
"Novo flagelo"
O inquérito detetou também um "novo flagelo".
"As crianças copiam-se umas às outras, não são só as crianças talibés a mendigar, sobretudo, em Gabu e Bafatá", disse, explicando que outras crianças estão também a começar a mendigar, imitando os talibés, para ganhar dinheiro.
"Há uma coisa que devemos ter em conta, a situação da mendicidade está a ganhar uma proporção fora do normal. Foi isto que nos motivou a recensear também quem era talibé e quem não era talibé", explicou Sulimaine Embaló.
No inquérito realizado foram também detetadas crianças em situações alarmantes, quer ao nível das questões da saúde, quer ao nível da alimentação e a sofrerem de violência física.
"Há mestres que batem nas crianças se não levarem dinheiro", afirmou.
Sulimaine Embaló alertou também que "foram identificadas meninas a trabalhar nas casas dos mestres corânicos, enviadas pelos pais, que depois são dadas em casamento a homens mais velhos".
Entregues pelos pais para serem educados por líderes religiosos, os meninos são agredidos por professores e obrigados a mendigar nas ruas. Escolas corânicas no Senegal são ambiente de sofrimento e exploração infantil.
Foto: DW/K. GomesNas paredes desta escola corânica, no Senegal, rabiscos contornam figuras de bonecos e estrelas. Aqui, as fantasias de criança convivem com uma realidade amarga. Meninos conhecidos como talibés são separados da família para aprender o Corão.
Foto: DW/K. GomesAfastada do centro da cidade de Rufisque, no oeste do Senegal, fica esta estrutura abandonada, sem portas nem janelas. Esta madrassa, como é chamada a escola corânica, abriga cerca de 20 crianças entre três e 15 anos de idade. A falta de infraestrutura torna a rotina dos talibés ainda mais penosa.
Foto: Karina GomesEste é um dos quartos onde os talibés dormem. Não há camas, nem cobertores. E também faltam travesseiros. Os meninos deitam-se sobre sacos plásticos, no chão de areia. Nos dias frios, a maioria fica doente e não recebe tratamento médico adequado.
Foto: Karina GomesAs crianças são entregues pelos pais aos marabus – poderosos líderes religiosos do país – para terem aulas sobre o Corão. Os professores têm uma reputação social elevada e é a eles que muitas famílias pobres do Senegal e da vizinha Guiné-Bissau confiam a educação dos filhos.
Foto: DW/K. GomesTábuas com palavras em árabe e exemplares do livro sagrado estão espalhados pela madrassa. Os talibés acordam diariamente por volta das cinco da manhã para aprender o Corão. Em coro, recitam repetidamente trechos do livro sagrado.
Foto: DW/K. GomesDepois das orações, os meninos são obrigados a pedir dinheiro nas ruas e a conseguir algo para comer. Cada professor estipula uma quantia diária. Se os meninos não conseguem cumprir, são espancados. "Tínhamos de levar dinheiro para sustentar o marabu e a sua família, porque ele vivia disso. Eu sofri muito. Uma vez fui espancado porque cheguei atrasado", conta o ex-talibé Soibou Sall.
Foto: DW/K. GomesOs talibés vestem-se com roupas velhas e rasgadas e a maioria anda descalça. Chegam a mendigar sete horas por dia pelas ruas de Rufisque. Eles também pedem esmolas perto da estrada que liga a cidade à capital, Dakar. Curiosos, estes dois amigos aproximam-se e pedem para ser fotografados. E sorriem, apesar da rotina dolorosa.
Foto: DW/K. GomesSentados no chão de areia, os talibés juntam-se para comer o que conseguiram nas ruas. Hoje têm arroz, vegetais e alguns pedaços de frango para dividir. Há restos de comida espalhados pelo plástico preto. "Gosto de viver aqui. Eu tenho paz", diz Aliou, de 8 anos.
Foto: DW/K. GomesNesse espaço comum fica uma espécie de casa-de-banho e há muito lixo no chão. Os meninos andam descalços sobre objetos cortantes. Há chinelos e roupas velhas por toda a parte. Os meninos são constantemente vigiados por adolescentes que foram talibés na infância e auxiliam os professores. Agressões são constantes.
Foto: DW/K. GomesAs escolas alcorânicas surgiram nas zonas rurais do Senegal. Os meninos trabalhavam na lavoura e tinham aulas sobre o Alcorão. Com as constantes secas, os marabus foram forçados a aproximar-se das grandes cidades, como Dakar. Com dificuldades financeiras para sustentar todas as crianças, o incentivo à mendicância infantil tornou-se uma atividade rentável.
Foto: DW/K. GomesPor chegarem muito pequenos às daaras, muitos meninos desconhecem o motivo de terem saído da casa dos pais. Bala, de 11 anos, não vê a mãe há sete anos. "A minha mãe está viva e tenho saudades dela. Estou aqui em Rufisque desde muito pequenino. Depois da escola, eu vou pedir dinheiro", diz. "Preferia viver com os meus pais."
Foto: DW/K. Gomes