Guiné-Bissau: Mulheres em campanha contra a violência
Lusa | ni
18 de junho de 2020
Preocupadas com o aumento de casos de violência contra mulher, que associam ao confinamento no contexto da pandemia do novo coronavírus, jovens mulheres guineenses decidiram lançar a campanha "Mulher não é Tambor".
Publicidade
A campanha consiste em fotografias publicadas nas redes sociais, sem legendas, em que aparecem raparigas com sinais de agressões físicas, 'fabricadas' através de uma maquilhagem cuidada pelas mãos de Umo Djaló.
A advogada estagiária, Djenabu Baldé disse à Lusa que se juntou à campanha, publicando uma fotografia na sua página no Facebook, em que aparecia com sinais de agressão física, justamente para "picar quem vê", disse.
Durante a semana em que Djenabu teve a fotografia no Facebook, perdeu a conta às chamadas telefónicas de amigos e familiares a questionarem-na sobre o que lhe tinha acontecido.
"Pensavam que tinha sido agredida pelo meu companheiro. A minha irmã, que vive em Inglaterra, telefonou a chorar (...) disse-lhe que é só uma campanha", contou Djenabu Baldé.
Entre sorrisos, no meio de uma sessão de maquilhagem para retratar a estratégia, na Casa dos Direitos, em Bissau, Djenabu disse acreditar que a campanha atingiu "pelo menos 50% dos objetivos".
A vice-presidente da Rede Nacional das Associações Juvenis (Renaj), Adama Baldé, estudante de Relações Internacionais, associou-se à iniciativa por acreditar que "uma imagem tem mais força para criar empatia" e fazer com que a sociedade "abandone o conformismo" perante a violência contra a mulher, disse.
Covid-19 na origem do aumento de casos
Adama Baldé considera que o confinamento social, motivado pela Covid-19, fez aumentar agressões conjugais entre os guineenses e a exposição nas redes sociais de imagens íntimas de mulheres por parte dos parceiros enciumados, observou.
Durante sete dias da campanha, várias jovens mulheres postaram nas redes sociais fotografias a simular agressões físicas, com "marcas" na cara, nos olhos, nos braços ou roupa rasgada, sem qualquer legenda.
"O propósito é trazer o espírito de empatia nas pessoas, porque muita vezes, quando acontecem casos do género, só nos posicionamos se for com a nossa irmã, ou pessoas próximas. Mas se for com outra pessoa que não nos é próxima, não tomamos posição", observou Baldé.
Licenciada e mestranda em sociologia no Brasil, Yolanda Garrafão, também participa na campanha "Mulher não é tambor", dando o seu próprio exemplo de violência, de que foi alvo ainda adolescente, sem denunciar o agressor.
"Pensava que uma agressão física do namorado é demonstração de amor, forçada pelo ciúme", disse Garrafão, que aproveitou para denunciar "a visão enraizada na cultura guineense" em que a menina é educada "dentro do princípio de submissão para apanhar, sofrer e calar".
Yolanda é totalmente contra a máxima guineense que diz que "uma mulher que sofre acaba por parir um filho fidalgo". Ou seja, a crença de que por mais difícil que seja um relacionamento ou casamento, a mulher deve sofrer para daí ter "bons filhos".
"A iniciativa teve um grande impacto"
Uma das autoras da iniciativa e maquilhadora das raparigas que apareceram nas fotografias, Umo Djaló, defendeu que a violência baseada no género sempre existiu na sociedade guineense, mas que agora "parece estar a aumentar", daí que decidiu juntar jovens e "usar imagens fabricadas para dizer basta".
A própria Umo deu cara à iniciativa com uma fotografia sua, que disse ter suscitado preocupação dos familiares que queriam saber se tinha sido agredida.
Funcionária num hotel de Bissau, Umo Djaló não tem dúvida de que "a iniciativa teve um grande impacto".
As participantes da iniciativa "Mulher não é Tambor" querem agora promover debates e outras iniciativas no interior do país e nas redes sociais, junto das comunidades guineenses na diáspora, visando despertar para as diferentes formas de violência contra o sexo feminino, e que dizem ser "um grave problema social".
Ser mulher na Guiné-Bissau significa vida dura
A maioria das mulheres guineenses tem uma vida difícil. Têm de percorrer dezenas de quilómetros para ir buscar lenha. Muitas morrem ainda jovens. A taxa guineense de mortalidade materna é uma das mais altas do mundo.
Foto: DW/B. Darame
Primeira a acordar, última a ir dormir
No campo, uma mulher trabalha a dobrar. Costuma acordar antes dos restantes membros da família e é a última a deitar-se no final do dia. São as mulheres que têm de caminhar até à mata para procurar lenha e água, às vezes em zonas de difícil acesso, a vários quilómetros da aldeia, como nesta fotografia na vila de Quinhamel, na região de Biombo, no norte da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Vender para sustentar a família
Com um pano estendido no chão, as vendedoras vão expondo os seus legumes, malaguetas verdes, pepinos, cenouras, alfaces. São cultivados em quintais ou em pequenos campos. "Vender para sustentar a família" é o lema das mulheres guineenses. Mais de metade vende em feiras improvisadas, como aqui no Mercado de Bandim, o maior mercado de céu aberto da cidade de Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Economia dominada por homens
À beira das estradas, as mulheres sentam-se em bancos e mesas de madeira e vendem laranjas, mangas, bananas e outros frutos - como aqui em Bissack, bairro nos arredores de Bissau. As vendedoras têm uma receita que ronda os 10 euros diários. Em média, uma guineense consegue ganhar 907 dólares por ano, bastante menos que os homens que conseguem em média 1.275 dólares.
Foto: DW/B. Darame
Recolher areia para sobreviver
Tia Nhalá não sabe que idade tem, mas sabe que todos os dias deve acordar cedo, às 05h00, para recolher areia no bairro de Cuntum, em Bissau. Sem qualquer proteção no rosto, sem luvas e pés descalços, Nhalá, que aparenta ter 67 anos, trabalha duramente durante largas horas. Recolhe areia que depois vende a pessoas que a usam em obras de construção civil.
Foto: DW/B. Darame
Venda ambulante em condições perigosas
No Bairro de Belém, em Bissau, meninas deambulam de porta em porta para vender frutas. Organizações da sociedade civil denunciaram já várias vezes que as vendedoras ambulantes correm riscos, como o de serem violadas sexualmente, pois estão muito expostas e vulneráveis. Também há denúncias de que algumas mulheres são forçadas a fazer esse trabalho.
Foto: DW/B. Darame
Vender peixe é um bom negócio
As vendedoras de peixe geralmente possuem arcas velhas para a conservação do pescado. Colocam-nas nos portos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - para servir de local de armazenamento quando receberem peixe fresco dos pescadores. Nos últimos anos, a venda de peixe tornou-se num dos negócios mais rentáveis para as mulheres guineenses.
Foto: DW/B. Darame
Um dos piores países para ser mãe
As condições precárias nas zonas rurais da Guiné-Bissau têm reflexos nas estatísticas: em 126 partos morre uma mulher, segundo dados das Nações Unidas. Em comparação, no Japão, em 20.000 partos morre uma mulher. A taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau é uma das mais altas do mundo. Ainda assim, não existe no país uma estratégia política dirigida à mulher no meio rural.
Foto: DW/B. Darame
País difícil para as crianças
Cada mulher guineense tem em média cinco filhos. O país tem uma das taxas de fecundidade mais altas do mundo. Mas muitas crianças não chegam a celebrar o seu quinto aniversário. Segundo dados das Nações Unidas, 129 de 1.000 crianças morrem até aos cinco anos de idade, muitas durante no parto, o que torna a Guiné-Bissau um dos piores países do mundo para se nascer.
Foto: DW/B. Darame
Trabalhos domésticos no feminino
Em Mansoa, região de Oio, norte da Guiné-Bissau, as casas de adobe agrupadas debaixo de enormes árvores desenham intricados caminhos onde secam redes de pesca, peles de antílopes e roupas rasgadas de criança. A comida prepara-se num fogão improvisado a lenha, em frente da casa. Trabalhos domésticos como cozinhar, cuidar das crianças ou limpar cabem tradicionalmente às mulheres.
Foto: DW/B. Darame
Carregar à cabeça é a única solução
Nas zonas mais recônditas da Guiné-Bissau, como na aldeia de Suru, região de Biombo, a cerca de 20 quilómetros de Bissau, não há uma rede de estradas que facilite o transporte das mercadorias. Não há carros que façam as ligações entre as aldeias. Carregar à cabeça, por vezes mais de cinco quilos, é a única solução para que essas mulheres possam fazer chegar os produtos ao destino.
Foto: DW/B. Darame
Lenha e água a quilómetros de distância
Nas mais de 80 ilhas e ilhéus completamente isolados e sem grande presença do Estado guineense, as populações vivem no regime do "salva-se quem poder". As mulheres percorrem dezenas de quilómetros para ir buscar lenha e água potável. Em muitos casos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - atravessam rios caminhando, com os pés descalços, sem roupas adequadas e carregadas.
Foto: DW/B. Darame
Ultrapassando rios e braços de mar
Devido à falta de barcos nas aldeias insulares do arquipélago dos Bijagós, o fornecimento e o transporte de bens é extremamente difícil. É recorrente ver mulheres atravessando rios ou braços de mar bastante profundos. Estes caminhos para procurar lenha e água doce são bastante perigosos para quem não sabe nadar.
Foto: DW/B. Darame
Desigualdade começa na educação
A maioria das mulheres guineenses vive em situação de extrema pobreza. Em médias, as mulheres frequentaram a escola apenas 1,4 anos, menos de metade do que os homens guineenses, que têm em média 3,4 anos de escolaridade, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Só investindo na educação e na saúde será possível melhorar a situação das mulheres da Guiné-Bissau.