Guiné-Bissau não se conseguiu "endireitar" 10 anos depois
Iancuba Dansó (Bissau)
12 de abril de 2022
Dez anos depois do golpe de Estado mais contestado na história da Guiné-Bissau, analistas ouvidos pela DW criticam a atual situação do país. "Um caminho muito perigoso", de "desgovernação" e "opressão" ameaçam a paz.
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A 12 de abril de 2012, 15 dias antes da realização da segunda volta das eleições presidenciais antecipadas, um comando militar dirigido pelo então chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, António Indjai, depôs o Presidente interino Raimundo Pereira e afastou do poder o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, candidato do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que tinha vencido a primeira volta do escrutínio.
Os golpistas justificaram a ação militar com uma "iminente agressão" de que seriam alvo por parte dos militares estrangeiros que Gomes Júnior teria supostamente pedido à Organização das Nações Unidas (ONU).
Avanços por "água abaixo"
À DW, o professor universitário Miguel Gama lembra os progressos que a Guiné-Bissau tinha conseguido antes do golpe de Estado, a começar pelo reajuste salarial dos funcionários públicos e os fornecimentos regulares da corrente elétrica e de água potável aos cidadãos.
"Hoje assistimos ao encerramento de órgãos de comunicação social, assistimos a perseguições, raptos e espancamentos de pessoas; hoje assistimos a uma certa desgovernação, com altas taxas de impostos, isso tudo decorrente, realmente, das sequelas do 12 de abril", considera o estudioso.
Na sequência do 12 de abril de 2012, vários militares guineenses, incluindo o líder do golpe, António Indjai, foram sancionados pela ONU.
Nos últimos dez anos, a Guiné-Bissau realizou quatro eleições, entre presidenciais e legislativas, mas segundo o analista político Jamel Handem ainda não se conseguiu "endireitar".
"Toda a gente sabe que o crime organizado, a corrupção e a impunidade são os problemas em que nós [guineenses] nos encontramos e não conseguimos sair deles porque se generalizaram pelo país", descreve.
"Tanto os partidos políticos, como os militares, a sociedade civil, os juízes e as instituições do Estado tomaram essa via como a via de resolver os problemas pessoais e problemas das suas famílias e amigos", admite Jamel Handem.
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Várias detenções
Os 10 anos do 12 de abril de 2012 são assinalados numa altura em que várias pessoas se encontram detidas pela sua alegada participação na tentativa de golpe de Estado de 1 de fevereiro que pretenderia derrubar o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló.
"O país está a experimentar um caminho muito perigoso, de divisão étnica-religiosa, um caminho onde há muita opressão e tortura", comenta o professor universitário Miguel Gama.
Por seu lado, o jornalista Sabino Santos aponta que a solução para travar o ciclo de instabilidade na Guiné-Bissau passa pelo respeito da legislação vingente.
"Uma das saídas para ultrapassar esta situação [de instabilidade] é o respeito às leis e também é preciso que o homem político guineense seja não só competente, mas também honesto".
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.