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Bissau: Nomeação do vice-primeiro-ministro é "fora da lei"

4 de novembro de 2020

Presidente guineense surpreendeu com a nomeação de Soares Sambú como vice-primeiro-ministro do país, sem alegadamente consultar o Governo. Jurista diz que é um ato "fora da lei", não previsto pela Constituição.

Guinea-Bissau Präsident Umaro Sissoco Embaló
Foto: GB presidency

"É o senhor Soares Sambú nomeado vice-primeiro-ministro e ministro da presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares, coordenador para a Área Económica" lê-se no decreto presidencial número 53/2020 assinado pelo Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló.

Esta é a primeira vez que o país tem oficialmente um vice-primeiro-ministro. Soares Sambú foi diretor de campanha de Umaro Sissoco Embaló e faz parte da direção do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15).

O Presidente guineense exonera do cargo de ministro da Presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares Mamadu Serifo Djaquité, que era também porta-voz do Governo. Os decretos a que a DW teve acesso, o chefe de Estado não menciona que Umaro Sissoco tenha consultado o Governo de Nuno Nabiam ou se foi a proposta do Executivo.

Em entrevista à DW África, o jurista e analista político Luís Petit diz que a figura do vice-primeiro-ministro não existe no sistema político da Guiné-Bissau, o semipresidencialismo. E acusa o Presidente de estar "fora da lei" e de, unilateralmente, arrastar o país para o presidencialismo absoluto.

DW África: Que interpretação jurídica se pode fazer do decreto presidencial?

Luís Petit (LP): É a primeira vez que acontece no nosso sistema político a nomeação da figura do vice-primeiro-ministro, que não existe na orgânica do Governo. Aliás, se calhar, o Presidente da República esqueceu que foi ele mesmo quem decretou a atual a orgânica do Governo, antes da nomeação do elenco governamental. Na própria estrutura do Governo liderado por Nuno Nabiam em circunstâncias algumas existe a figura do vice-primeiro-ministro. 

Soares Sambú acumula também a presidência do Conselho de Ministros e a coordenação para a área económicaFoto: DW/B. Darame

DW África: Mas a Constituição da Guiné-Bissau prevê a figura do vice-primeiro-ministro?

LP: A Constituição estabelece que a figura do primeiro-ministro é a única que encabeça o elenco governamental, seguido de resto da estrutura governamental que é dirigido pelo primeiro-ministro. Em circunstâncias algumas fala do vice-primeiro-ministro. Esta figura não existe na nossa Constituição. Mas também dessa nomeação podemos tirar algumas consequências políticas: Será que o Presidente da República decidiu sozinho criar uma figura do vice-primeiro-ministro, sem que, entretanto, tenha consultado o primeiro-ministro? Isto porque vê-se no decreto presidencial da exoneração do ministro da presidência do conselho de ministros, assuntos parlamentares e porta-voz do Governo, Mamadu Serifo Djaguité, e consequente nomeação do seu substituto, que será também vice-primeiro-ministro, ainda reforçado poderes com competências de assumir a área económica, que o Presidente não faz referência de ter consultado o primeiro-ministro ou sob proposta do primeiro-ministro. É de sublinhar que ainda estamos no sistema sim-presidencialista na Guiné-Bissau. O Governo não é do Presidente da República, pelo que o Presidente não pode tomar a iniciativa de nomear um membro do Governo sem tenha consultado o primeiro-ministro, porque o Governo é da responsabilidade do primeiro-ministro, consequentemente com o partido que detém a maioria na Assembleia Nacional Popular (ANP). Isto demonstra claramente que o Presidente da República está a assumir as funções além daquilo que a lei lhe confere, que é de consultar o primeiro-ministro em situação de exoneração e da nomeação de um membro do Governo. 

DW África: Está a querer dizer que a nomeação do vice-primeiro-ministro é inconstitucional?

LP: É inconstitucional, independentemente de não ter consultado o primeiro-ministro. Porque esta figura do primeiro-ministro não existe na nossa Constituição. O que levamos a pensar que existe um mau clima entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Em termos práticos já se vê que o Presidente já tinha assumido as funções executivas da exclusiva competência do Governo. Ele tem usado de forma excessiva em dirigir e orientar as reuniões do Conselho de Ministros, quase semanalmente. O que mostra que o primeiro-ministro já tinha perdido parte da sua competência em controlar a estrutura governamental. E criando uma figura do vice-primeiro-ministro sem consultar o primeiro-ministro certamente que, em termos políticos, esta figura vai responder diretamente ao Presidente e não junto do primeiro-ministro. O que evidencia que já existe uma fricção ou um desentendimento entre o chefe de Estado e o primeiro-ministro, o que é uma situação grave de lamentar em termos legais e políticos.

DW África: E agora o primeiro-ministro tem alguma forma de contra-atacar o decreto? 

LP: O decreto presidencial pode ser atacado via tribunal. Não existindo na orgânica do Governo, a figura do vice-primeiro-ministro é já uma violação grave das leis. O Presidente da República tem que assumir a sua responsabilidade de ser o garante da legalidade e o exemplo de tudo que seja o seu ato. Se o primeiro magistrado da nação viola constantemente a lei, assumindo as funções políticas que a lei não lhe confere e arrastando o país para o sistema presidencialista é grave. É tudo fora da lei, por isso, deve reconsiderar a sua posição e caso não voltar atrás então a classe política deve assumir a sua responsabilidade pondo em causa esse decreto presidencial que nomeia a figura do vice-primeiro-ministro a margem das leis da Guiné-Bissau.

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