Comercialização do maior produto de exportação do país não tem tido muito sucesso. Na origem estão a falta de compradores, pouco investimento, sucessivas crises políticas e incumprimento do preço estipulado pelo Governo.
Foto: Gilberto Fontes
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Com a nova crise política na Guiné-Bissau, que se agravou com a dissolução do Parlamento e com a formação de um Governo de iniciativa presidencial, temem-se impactos negativos na campanha de comercialização da castanha de caju do presente ano.
O fracasso da campanha dos dois últimos anos prejudicou a sobrevivência da população guineense, sobretudo do interior do país. Mais de 80% da população depende da campanha de comercialização da castanha de caju.
Em 2023, o Governo fixou como preço base para a compra do produto 375 francos CFA (cerca de 0,57 euros) por quilograma. Um preço que não foi praticado e o produto chegou a ser comprado por 150 francos CFA (cerca de 0,22 euros) por quilograma.
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Apelos ao Governo
O presidente da Associação Nacional dos Agricultores da Guiné-Bissau (ANAG), Jaime Boles Gomes, afirma que o preço praticado no ano passado foi muito crítico para os produtores. Em entrevista à DW, deixa um apelo ao Governo: "A nossa preocupação é muito grande e gostaríamos de pedir ao Governo o seu envolvimento forte no que se refere à fiscalização da campanha", explica, sublinhando a necessidade de "acompanhamento do cumprimento do preço de base".
Boles Gomes pede ainda que se reduzam "algumas taxas impostas aos compradores, porque se não vão continuar a desobedecer a todos os critérios fixados pelo Governo, o que é muito perigoso para os produtores".
O líder dos agricultores guineenses afirma que a esperança na campanha desde ano está no aumento da produção, "porque a chuva foi muito boa e em termos de florestação dos pomares de caju está a apresentar positivamente".
"Nós temos a esperança de que a produção vai aumentar", conclui.
Sede da ANCA-GB, em BissauFoto: Iancuba Dansó/DW
Governo desvaloriza impacto da crise
Segundo os dados da Agência Nacional de Caju da Guiné-Bissau (ANCA-GB), em 2021, o país exportou mais de 230 mil toneladas da castanha, uma quantidade que diminuiu em 2022 para 185 mil toneladas, quase metade do ano anterior. Referente à campanha de 2023, os dados do Ministério do Comércio apontam que, até ao momento, foram exportadas quase 180 mil toneladas, restando ainda menos de 5 mil toneladas previstas para serem exportadas até final do próximo mês de fevereiro.
O diretor-geral do Comércio Externo da Guiné-Bissau, Lassana Fati, garante que a atual crise política não terá muita influência sobre a campanha, justificando com o facto de o país já estar a receber muitos compradores.
Além disso, o Governo planeia medidas para viabilizar a campanha de comercialização da castanha de caju em 2024. "A primeira medida é libertarmo-nos da castanha de 2023", começa por elencar, adiantando que neste ponto o país, "felizmente, está num bom caminho".
"Outra medida é estarmos muito atentos à situação do mercado internacional em termos de fixação do preço de referência", continua. "Achamos que com as medidas que estão a ser tomadas, se tudo correr bem, vamos ter uma campanha melhor do que em 2022 e 2023.”
O novo Governo de iniciativa presidencial tomou posse a 21 de dezembroFoto: I. Dansó/DW
Sucesso "não depende só do Governo"
O diretor-geral do Comércio Externo assegura que tudo está a ser feito para que a campanha deste ano seja viável, mas frisa que "isso não depende só do Governo", mas também "da situação do mercado internacional".
"Tudo está a ser feito para que possamos ter um bom preço de referência, um preço aceitável para o produtor e para o comprador e também para que o Governo possa arrecadar alguma receita, ganhar alguma coisa", explica. "Por isso, gostaríamos de recomendar aos produtores que aguardem a decisão do Governo e também que salvaguardem a qualidade da nossa castanha".
A Guiné-Bissau é um dos cinco maiores produtores de castanha de caju do mundo. No ano passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revelou que a baixa na exportação em 2022 e 2023 tem afetado o crescimento económico do país.
Sumos, bolachas e até "bifes" para diversificar rendimento do caju
O caju é a principal fonte de rendimento dos produtores guineenses. A fim de estimular a economia, os produtores de Ingoré uniram-se na cooperativa Buwondena, onde produzem sumo, bolachas e até "bife" de caju.
Foto: Gilberto Fontes
O fruto da economia
Sendo um dos símbolos da Guiné-Bissau, o caju é a principal fonte de receita dos camponeses. A castanha de caju representa cerca de 90% das exportações do país. Este ano, foram exportadas 200 toneladas de castanha de caju, um encaixe de mais de 250 mil euros. A Índia é o principal comprador. O caju poderá trazer ainda mais riqueza ao país, se houver maior aposta no processamento local do produto.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no processamento
Em Ingoré, no norte da Guiné-Bissau, produtores de caju uniram-se na cooperativa Buwondena - juntamos, em dialeto local balanta - para apostar no processamento do caju. Antes, aproveitava-se apenas a castanha, desperdiçando o chamado pedúnculo, que representa cerca de 80% do fruto. Na cooperativa produzem-se agora vários produtos derivados do caju.
Foto: Gilberto Fontes
“Bife” de caju
Depois de devidamente preparado, o pedúnculo, que é a parte mais fibrosa do caju, pode ser cozinhado com cebola, alho e vários temperos. O resultado final é o chamado “bife” de caju.
A partir das fibras, produz-se também chá, mel, geleia, bolacha, entre outros. Ao desenvolverem novos produtos, os produtores diversificam a dieta e aumentam os seus rendimentos.
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Néctar de caju
Depois de prensadas as fibras do caju, obtém-se um suco que é filtrado várias vezes, a fim de se produzir néctar e sumo. Com 50% desse suco e 50% de água com açúcar diluído, obtem-se o néctar de caju. Este ano, a cooperativa Buwondena produziu quase 400 litros desta bebida.
Foto: Gilberto Fontes
Sumo de caju
O sumo resulta da pasteurização do suco que foi filtrado do fruto, sem qualquer adicionante. Cada garrafa destas de 33cl de sumo de caju custa quase 0.40€. Ou seja, um litro de sumo pode render até 1.20€. O que é bem mais rentável que vinho de caju, produzido vulgarmente na Guiné-Bissau, que custa apenas 0.15€ o litro. Em 2016, foram produzidos na cooperativa quase 600 litros de sumo de caju.
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Mel de caju
Clode N'dafa é um dos principais especialistas de transformação de fruta da cooperativa. Sabe de cor todas as receitas da cooperativa e só ele faz alguns produtos, como o mel. Mas devido à falta de recipientes, este produziu-se pouco mel de caju. Desde que se começou a dedicar ao processamento de fruta, Clode N'dafa conseguiu aumentar os seus rendimentos e melhorar a vida da sua família.
Foto: Gilberto Fontes
Castanha de caju
Este continua a ser o produto mais vendido pela cooperativa. O processamento passa por várias etapas: seleção das melhores castanhas, que depois vão a cozer, passam à secagem, ao corte e vão à estufa. As castanhas partidas são aproveitadas para a produção de bolacha de caju. Este ano, a cooperativa conseguiu fixar preço da castanha de caju em 1€ o quilo, protegendo os rendimentos dos produtores.
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Potencial para aumentar produção
A maior parte dos produtos são vendidos localmente, mas alguns são comercializados também em Bissau e exportados para o Senegal. A produção decorre sobretudo entre os meses de março e junho, período da campanha do caju. No pico de produção, chegam a trabalhar cerca de 60 pessoas. Se a cooperativa conseguisse uma arca frigorífica para armazenar o caju, continuaria a produção depois da campanha.
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Aposta no empreendedorismo
A cooperativa Buwondena aposta na formação a nível de empreendedorismo, para que os produtores possam aumentar o potencial do seu negócio. A cooperativa pretende criar uma caixa de poupança e crédito. O objetivo é que, através de juros, os produtores possam rentabilizar as suas poupanças e apostar noutros negócios.
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É urgente reordenar as plantações
A plantação de cajueiros é outra das preocupações da cooperativa: uma plantação organizada, com ventilação é fundamental para aumentar a rentabilidade.
Devido ao peso do sector do caju na economia da Guiné-Bissau, todos os anos são destruídos entre 30 e 80 mil hectares de floresta para a plantação de cajueiros. Especialistas defendem uma reordenação urgente das plantações.