Guiné-Bissau: O que se pode esperar da campanha do caju?
Djariatú Baldé
22 de janeiro de 2024
Comercialização do maior produto de exportação do país não tem tido muito sucesso. Na origem estão a falta de compradores, pouco investimento, sucessivas crises políticas e incumprimento do preço estipulado pelo Governo.
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Com a nova crise política na Guiné-Bissau, que se agravou com a dissolução do Parlamento e com a formação de um Governo de iniciativa presidencial, temem-se impactos negativos na campanha de comercialização da castanha de caju do presente ano.
O fracasso da campanha dos dois últimos anos prejudicou a sobrevivência da população guineense, sobretudo do interior do país. Mais de 80% da população depende da campanha de comercialização da castanha de caju.
Em 2023, o Governo fixou como preço base para a compra do produto 375 francos CFA (cerca de 0,57 euros) por quilograma. Um preço que não foi praticado e o produto chegou a ser comprado por 150 francos CFA (cerca de 0,22 euros) por quilograma.
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Apelos ao Governo
O presidente da Associação Nacional dos Agricultores da Guiné-Bissau (ANAG), Jaime Boles Gomes, afirma que o preço praticado no ano passado foi muito crítico para os produtores. Em entrevista à DW, deixa um apelo ao Governo: "A nossa preocupação é muito grande e gostaríamos de pedir ao Governo o seu envolvimento forte no que se refere à fiscalização da campanha", explica, sublinhando a necessidade de "acompanhamento do cumprimento do preço de base".
Boles Gomes pede ainda que se reduzam "algumas taxas impostas aos compradores, porque se não vão continuar a desobedecer a todos os critérios fixados pelo Governo, o que é muito perigoso para os produtores".
O líder dos agricultores guineenses afirma que a esperança na campanha desde ano está no aumento da produção, "porque a chuva foi muito boa e em termos de florestação dos pomares de caju está a apresentar positivamente".
"Nós temos a esperança de que a produção vai aumentar", conclui.
Governo desvaloriza impacto da crise
Segundo os dados da Agência Nacional de Caju da Guiné-Bissau (ANCA-GB), em 2021, o país exportou mais de 230 mil toneladas da castanha, uma quantidade que diminuiu em 2022 para 185 mil toneladas, quase metade do ano anterior. Referente à campanha de 2023, os dados do Ministério do Comércio apontam que, até ao momento, foram exportadas quase 180 mil toneladas, restando ainda menos de 5 mil toneladas previstas para serem exportadas até final do próximo mês de fevereiro.
O diretor-geral do Comércio Externo da Guiné-Bissau, Lassana Fati, garante que a atual crise política não terá muita influência sobre a campanha, justificando com o facto de o país já estar a receber muitos compradores.
Além disso, o Governo planeia medidas para viabilizar a campanha de comercialização da castanha de caju em 2024. "A primeira medida é libertarmo-nos da castanha de 2023", começa por elencar, adiantando que neste ponto o país, "felizmente, está num bom caminho".
"Outra medida é estarmos muito atentos à situação do mercado internacional em termos de fixação do preço de referência", continua. "Achamos que com as medidas que estão a ser tomadas, se tudo correr bem, vamos ter uma campanha melhor do que em 2022 e 2023.”
Sucesso "não depende só do Governo"
O diretor-geral do Comércio Externo assegura que tudo está a ser feito para que a campanha deste ano seja viável, mas frisa que "isso não depende só do Governo", mas também "da situação do mercado internacional".
"Tudo está a ser feito para que possamos ter um bom preço de referência, um preço aceitável para o produtor e para o comprador e também para que o Governo possa arrecadar alguma receita, ganhar alguma coisa", explica. "Por isso, gostaríamos de recomendar aos produtores que aguardem a decisão do Governo e também que salvaguardem a qualidade da nossa castanha".
A Guiné-Bissau é um dos cinco maiores produtores de castanha de caju do mundo. No ano passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revelou que a baixa na exportação em 2022 e 2023 tem afetado o crescimento económico do país.
Sumos, bolachas e até "bifes" para diversificar rendimento do caju
O caju é a principal fonte de rendimento dos produtores guineenses. A fim de estimular a economia, os produtores de Ingoré uniram-se na cooperativa Buwondena, onde produzem sumo, bolachas e até "bife" de caju.
Foto: Gilberto Fontes
O fruto da economia
Sendo um dos símbolos da Guiné-Bissau, o caju é a principal fonte de receita dos camponeses. A castanha de caju representa cerca de 90% das exportações do país. Este ano, foram exportadas 200 toneladas de castanha de caju, um encaixe de mais de 250 mil euros. A Índia é o principal comprador. O caju poderá trazer ainda mais riqueza ao país, se houver maior aposta no processamento local do produto.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no processamento
Em Ingoré, no norte da Guiné-Bissau, produtores de caju uniram-se na cooperativa Buwondena - juntamos, em dialeto local balanta - para apostar no processamento do caju. Antes, aproveitava-se apenas a castanha, desperdiçando o chamado pedúnculo, que representa cerca de 80% do fruto. Na cooperativa produzem-se agora vários produtos derivados do caju.
Foto: Gilberto Fontes
“Bife” de caju
Depois de devidamente preparado, o pedúnculo, que é a parte mais fibrosa do caju, pode ser cozinhado com cebola, alho e vários temperos. O resultado final é o chamado “bife” de caju.
A partir das fibras, produz-se também chá, mel, geleia, bolacha, entre outros. Ao desenvolverem novos produtos, os produtores diversificam a dieta e aumentam os seus rendimentos.
Foto: Gilberto Fontes
Néctar de caju
Depois de prensadas as fibras do caju, obtém-se um suco que é filtrado várias vezes, a fim de se produzir néctar e sumo. Com 50% desse suco e 50% de água com açúcar diluído, obtem-se o néctar de caju. Este ano, a cooperativa Buwondena produziu quase 400 litros desta bebida.
Foto: Gilberto Fontes
Sumo de caju
O sumo resulta da pasteurização do suco que foi filtrado do fruto, sem qualquer adicionante. Cada garrafa destas de 33cl de sumo de caju custa quase 0.40€. Ou seja, um litro de sumo pode render até 1.20€. O que é bem mais rentável que vinho de caju, produzido vulgarmente na Guiné-Bissau, que custa apenas 0.15€ o litro. Em 2016, foram produzidos na cooperativa quase 600 litros de sumo de caju.
Foto: Gilberto Fontes
Mel de caju
Clode N'dafa é um dos principais especialistas de transformação de fruta da cooperativa. Sabe de cor todas as receitas da cooperativa e só ele faz alguns produtos, como o mel. Mas devido à falta de recipientes, este produziu-se pouco mel de caju. Desde que se começou a dedicar ao processamento de fruta, Clode N'dafa conseguiu aumentar os seus rendimentos e melhorar a vida da sua família.
Foto: Gilberto Fontes
Castanha de caju
Este continua a ser o produto mais vendido pela cooperativa. O processamento passa por várias etapas: seleção das melhores castanhas, que depois vão a cozer, passam à secagem, ao corte e vão à estufa. As castanhas partidas são aproveitadas para a produção de bolacha de caju. Este ano, a cooperativa conseguiu fixar preço da castanha de caju em 1€ o quilo, protegendo os rendimentos dos produtores.
Foto: Gilberto Fontes
Potencial para aumentar produção
A maior parte dos produtos são vendidos localmente, mas alguns são comercializados também em Bissau e exportados para o Senegal. A produção decorre sobretudo entre os meses de março e junho, período da campanha do caju. No pico de produção, chegam a trabalhar cerca de 60 pessoas. Se a cooperativa conseguisse uma arca frigorífica para armazenar o caju, continuaria a produção depois da campanha.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no empreendedorismo
A cooperativa Buwondena aposta na formação a nível de empreendedorismo, para que os produtores possam aumentar o potencial do seu negócio. A cooperativa pretende criar uma caixa de poupança e crédito. O objetivo é que, através de juros, os produtores possam rentabilizar as suas poupanças e apostar noutros negócios.
Foto: Gilberto Fontes
É urgente reordenar as plantações
A plantação de cajueiros é outra das preocupações da cooperativa: uma plantação organizada, com ventilação é fundamental para aumentar a rentabilidade.
Devido ao peso do sector do caju na economia da Guiné-Bissau, todos os anos são destruídos entre 30 e 80 mil hectares de floresta para a plantação de cajueiros. Especialistas defendem uma reordenação urgente das plantações.