Sem preparação, sem organização e sem dinheiro. Ainda assim, a seleção nacional de futebol da Guiné-Bissau conseguiu o feito histórico de se apurar para as finais do CAN.
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Apesar das dificuldades financeiras e logísticas, os guineenses fizeram história no futebol: pela primeira vez, estão na fase final de uma Taça das Nações Africanas (CAN). A Guiné-Bissau é o único país da África lusófona a marcar presença na fase final da competição, que se disputa em janeiro de 2017, no Gabão. A seleção guineense venceu o grupo E, com 10 pontos, seguida do Congo, com nove, da Zâmbia, com sete, e do Quénia, com cinco.
O antigo internacional guineense pela seleção principal Suleimane Dabó sublinha que o país conseguiu o feito inédito de se apurar para o CAN “sem ter organizado competições internas”.
“Isto demonstra a incapacidade e incompetência da Federação”, diz Dabó, criticando o órgão que gere o futebol guineense. “Não tem capacidade organizativa. A estrutura não é funcional”.
Dormir no aeroporto e treinar sem acompanhamento
A má organização acompanhou os jogadores durante os jogos da fase de grupos de qualificação: muitas vezes foram obrigados a dormir nos aeroportos, viajaram sem dinheiro e ficaram retidos nos serviços de fronteiras.
Os problemas financeiros dificultaram também a organização dos próprios jogos. Por exemplo, para o último jogo – em que a seleção perdeu frente ao Congo – os jogadores treinaram em Portugal sem massagista, médico ou preparador físico. Todos ficaram em Bissau por falta de dinheiro.
Suleimane, que vestiu as cores nacionais na década de 90, realça que, nos últimos tempos, tem sido também habitual a seleção viajar sem jornalistas. Isto, explica, porque a Federação “tem medo que os jornalistas façam perguntas rasteiras que dêem a conhecer a todos os guineenses tudo o que se passa lá dentro”.
CAN pode ser trampolim para jogadores
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Também o comentador desportivo Júlio Lusa afirma que a apuração para as finais do CAN é um feito inédito, tendo em conta que se trata de um país sem competições internas e com parcos meios.
Por outro lado, o comentador frisa que não há jogadores nacionais nas principais ligas da Europa: “É um país que nunca na sua história conseguiu ter jogadores ao mais alto nível, em comparação com países vizinhos como Senegal ou mesmo a Gâmbia”.
“De repente, apareceu uma Guiné-Bissau com um feito extraordinário. Sem preparação, sem organização e sem dinheiro, conseguiu uma qualificação inédita”, ressalva Júlio Lusa. “Foi uma surpresa maravilhosa”.
Na opinião do comentador desportivo, depois do CAN, o país poderá ser respeitado ao nível internacional e os jogadores poderão ser ainda mais valorizados. “O CAN pode ser um trampolim para os jogadores guineenses, em função do sucesso que possam ter na participação. Vai haver olheiros de vários países europeus, sobretudo alemães, franceses e ingleses”, frisa, acrescentando que a Guiné-Bissau “já chama a atenção”.
Guiné-Bissau: futebol descalço entre os buracos da rua
Na maioria dos países, pratica-se futebol com condições apreciáveis e perante um calendário supra definido. Na Guiné-Bissau, no caso dos que se dedicam à prática desta profissão, eles enfrentam situações desconfortáveis.
Foto: Braima Darame
Futebol descalço
Na maioria dos países, pratica-se futebol com uma certa regularidade, com condições apreciáveis e perante um calendário supra definido. Na Guiné-Bissau, os atletas que se dedicam à prática da profissão, enfrentam situações desconfortáveis. As estruturas oferecidas pelas entidades desportivas do país desencorajam o investimento dos atletas em se profissionalizarem.
Foto: Braima Darame
Diamantes anónimos
A Guiné-Bissau é uma mina de diamantes anónimos no futebol. Apesar dessa potencialidade ser reconhecida, o desporto rei foi relegado para segundo plano. Num país onde as escolas públicas andam em constante paralisação e com sucessivas greves de professores, as crianças preenchem o seu tempo com partidas de futebol nas estradas e nas ruas esburacadas.
Foto: DW/B. Darame
Campos improvisados
À primeira vista pode assemelhar-se a uma zona pantanosa, reservada a pasto de gado, contudo, é um terreno destinado à prática futebolística, localizado em São Domingos, no extremo norte do país. São terrenos com obras em curso, impróprios para a prática de desporto, mas ainda assim, este espaço é muito disputado pelas equipas.
Foto: Braima Darame
Pequenos autodidatas
Sem escolas de formação e sem orientação de profissionais, cada um aposta nas qualidades que reconhece em si. Para estas crianças, assumir a posição de ataque em campo é muito apetecível pois sabem que os melhores e mais galardoados jogadores do mundo atuam nas zonas mais avançadas do retângulo de jogo.
Foto: Braima Darame
O sonho da alta competição
Maurício Sissé, apelidado de "Messi" graças à sua agilidade em campo, sonha um dia disputar um Campeonato do Mundo pela seleção nacional portuguesa, pois, segundo ele, é improvável que a Guiné-Bissau reúna condições para disputar o Campeonato. Sissé, de 10 anos, é orfão mas nos últimos meses tem estado à guarda de um empresário de futebol que pretende coloca-lo nas academias de formação na Europa.
Foto: Braima Darame
O treino diário
Chama-se Aliu Seidi, tem 8 anos e estuda na 2ª classe. Aliu é ainda criança mas já cresce nele o sonho de se profissionalizar no futebol. E não deixa que as dificuldades económicas dos seus pais travem neste desejo. Todas as manhãs bem cedo, Aliu arruma os seus equipamentos e segue em direção ao campo pelado de São Domingos, norte da Guiné-Bissau, para mais umas horas de treino.
Foto: Braima Darame
Com os pés no chão
Com muita paixão, garra e vontade de vencer, na Guiné-Bissau as crianças ainda jogam futebol de pés descalços, em lugares impróprios - com pedras ou vidros. Apesar de em cada partida estarem sujeito a se magoarem nos terrenos, o sonho de se tornarem estrelas futebolísticas, fala mais alto e as más condições não os afastam da prática desportiva.
Foto: Braima Darame
Seguir as pisadas rumo ao sucesso
O jogo é constantemente interrompido para permitir a passagem aos carros que circulam. Mas isto não os desmotiva. Têm sempre os olhos no percurso dos internacionais guineenses, desejando igual para si. Um exemplo é Bocindji, jogador na primeira liga francesa. Sami, atualmente na primeira liga portuguesa ou ainda Bruma, transferido do Sporting Clube de Portugal para o Galatasaray na Turquia.
Foto: Braima Darame
Uma partida no intervalo da lavoura
Nos últimos anos têm surgido algumas academias de formação no país. Martinho Sá, da academia Fidjus di Bideras em Bissau, joga futebol no intervalo do trabalho nos campos de arroz, que faz acompanhado pelos seus familiares. Sá conta que já teve lesões graves pela falta de condições dos campos improvisados e que não teve à sua disposição medicamentos de primeiros socorros.
Foto: Braima Darame
Uma incubadora falhada de jogadores
A falta de alimentação diversificada e a fraca formação representam os principais problemas que o país enfrenta para aqueles que vêm no desporto uma carreira em potência. Observadores defendem que se estas questões pudessem ser combatidas, a Guiné-Bissau tinha condições de ser uma incubadora de jogadores de topo.
Foto: Braima Darame
O melhor jogador da aldeia
Saído Baldé, tem apenas 7 anos de idade e nasceu na aldeia de Pelundo, no extremo norte do país. Confessa que nunca teve a oportunidade de assistir a um jogo de futebol na televisão, pois na sua aldeia não há corrente elétrica. Conta que nunca tomou o pequeno-almoço antes de se lançar para campo. Tal como Saído, são muitos os jovens no país que apenas fazem uma refeição por dia.
Foto: Braima Darame
Novos e velhos no Campeonato Defeso
A partir do início da última década, o Campeonato Defeso tem ganho muito impacto entre as comunidades e tem animado os bairros e as aldeias da Guiné-Bissau. Este campeonato de futebol amador e improvisado junta centenas de pessoas curiosas em ver o desempenho de atletas familiares, mas também, interessadas em assistir a novos jogadores que se dão a conhecer à comunidade pela primeira vez.
Foto: Braima Darame
Um campo portátil
E quando a vontade de jogar é muita, qualquer material serve para construir um campo improvisado de futebol. No caso desta fotografia, a cana de bambu foi utilizada para erguer uma baliza. Resta esperar que o resto da equipa chegue para começar uma nova partida.