Guiné-Bissau: Operacionalidade da Justiça questionada
Iancuba Dansó (Bissau)
4 de julho de 2019
Novo procurador-geral, Ladislau Embassa, nomeado esta quarta-feira (03.07), assume funções com Justiça guineense sob críticas. Politização, morosidade, corrupção, e alto custo seriam causas do mau funcionamento.
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Para todos - cidadãos comuns, políticos e operadores judiciários - a atuação da Justiça, na Guiné-Bissau, está aquém das expetativas, uma opinião reforçada, recentemente, pelo Bastonário da Ordem dos Advogados, Basílio Sanca, que numa entrevista à imprensa guineense apontou a corrupção no setor judiciário guineense.
Sobre a matéria, a DW falou com o Presidente da Rede Nacional das Associações Juvenis da Guiné-Bissau, uma das organizações que mais tem reivindicado a igualdade de direitos no país.
Seco Duarte Nhaga diz que a Justiça não funciona, porque há uma politização do setor.
"Isso acaba por amputar as próprias instituições judiciárias no cumprimento das suas missões constitucionais de realização da Justiça. Basta vermos que só para a nomeação do procurador-geral da República, houve todo o imbróglio político à volta da nomeação do PGR", descreve Duarte Nhaga.
Justiça vítima da política
Para o jurista Lesmes Monteiro, o sistema de justiça guineense é praticamente inexistente, porque o setor judiciário também é vítima da situação política do país.
"Na Guiné-Bissau, não podemos falar, no verdadeiro sentido do termo, de um sistema de justiça, porque há toda uma cumplicidade derivada da crise política que acaba por afetar o sistema de justiça guineense," avalia.
"Segundo a nossa constituição, no artigo 119, os tribunais são órgãos da soberania encarregues de administrar a Justiça em nome do povo, mas hoje há um crescente índice de corrupção, onde estão envolvidos todos os atores da Justiça, inclusive, os clientes, os advogados, os magistrados e os juízes", critica Monteiro.
E para que os problemas atuais sejam solucionados, Lesmes Monteiro defende que "primeiramente deve haver uma reforma legislativa. Deve haver uma fiscalização, a nível internacional, da atividade judicial. Há uma possibilidade de auditoria ou da fiscalização internacional, há outros países que já fizeram isso".
Justiça - Guiné-Bissau - MP3-Stereo
Insatisfação generealizada
O setor da justiça da Guiné-Bissau é caraterizado pela morosidade, pelas interferências políticas, corrupção, e, sobretudo, o seu alto custo para os cidadãos comuns.
"Só os documentos, para dar uma petição inicial, devem ter uma selagem e o selo custa muito dinheiro. Se a pessoa não tem capital, a sua pretensão não vai ser resolvida", descreve um estudante guineense.
A opinião é partilhada por outra cidadã, que fala na denegação da Justiça aos cidadãos.
"Sabemos que muitas pessoas não trabalham, muitas pessoas não têm condições económicas. Então, aplicando essas custas elevadas, é uma forma de denegação da Justiça e a nossa Constituição prevê que nenhuma pessoa pode ser denegada a Justiça, por virtude das condições económicas", constata.
"Quem não tem dinheiro não vai ao tribunal. Portanto, quem não tem dinheiro para contratar o advogado não resolve o seu problema no tribunal. E agora, uma vez não tendo feito isso, torna um bocadinho complicado e o problema fica adiado e nunca teremos a solução", critica outro estudante, apanhado numa das ruas de Bissau pela reportagem da DW.
CEDEAO e a nomeação do novo PGR
Fala-se do estado atual da Justiça guineense, numa altura em que o país já tem um novo procurador-geral da República, na sequência da demissão pelo Presidente José Mário Vaz do anterior titular do cargo, Bacar Biai, sob as orientações dos chefes de Estado da Comunidade Económica do Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
O novo homem forte do Ministério Público, nomeado esta quarta-feira (03.07), é Ladislau Embassa, juiz conselheiro até aqui presidente do Conselho Nacional da Comunicação Social.
Timóteo Saba Mbundé, especialista em relações internacionais, considera que a decisão da CEDEAO é compreensível, até porque há dois aspetos que legitimaram essa tomada de posição: "O primeiro aspeto tem a ver justamente com o facto de a Guiné-Bissau fazer parte de uma comunidade internacional e deve seguir todas as orientações, todos os preceitos, que regem a comunidade internacional, neste caso, que regem a CEDEAO", afirma, acrescentando que "outro elemento tem a ver com a própria fragilidade do país, que é uma fragilidade compreendida e entendida muito bem pela comunidade internacional".
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".