Guiné-Bissau: Para quando as eleições antecipadas?
Desde o final do ano passado, a Guiné-Bissau enfrenta uma crise política, resultando na dissolução do Parlamento e na demissão do Governo eleito. A situação foi desencadeada por confrontos armados entre as Forças Armadas e a Guarda Nacional. O Presidente Umaro Sissoco Embaló interpretou isso como uma tentativa de golpe de Estado.
Ontem, o Partido Africano Para a Paz e Estabilidade Social (PAPES) denunciou que a maioria dos órgãos estatais guineenses está numa situação de "informalidade" e é preciso começar a pensar em convocar eleições legislativas antecipadas no prazo legal, de 90 dias.
Em entrevista à DW, o jurista guineense Fodé Mané duvida que isso aconteça. Destaca a ilegalidade na dissolução do Parlamento, o bloqueio da Assembleia e refere que os membros da Comissão Nacional de Eleições nãop têm poder jurídico.
Mané acredita que o Governo de Umaro Sissoco Embaló pode continuar além dos 90 dias previstos por lei. Enfatiza a necessidade de pressão da população e da comunidade internacional para reverter a situação e critica a legitimidade de eleições nas atuais condições, classificando-as de um apoio à "ditadura".
DW África: Quanto tempo é que este Governo pode ficar no poder?
Fodé Mané (FM): Como o Partido Africano Para a Paz e Estabilidade Social frisou, estamos perante uma informalidade em termos de exercício dos poderes do Estado. Porqueo Parlamento foi dissolvido em flagrante violação do artigo 94 e de outras disposições. O Governo surgiu em violação da vontade popular, porque a eleição foi feita e há quem ganhou as eleições que hoje não está [a governar]. Então, o que se pode fazer é tentar voltar à normalidade constitucional e para tentar corrigir aí é que se podia aproveitar aquilo que é a intenção do legislador prevendo no caso de situações anómalas que a eleição seja convocada num prazo de 90 dias.
DW África: E desse prazo, um mês já passou desde a dissolução do Parlamento. Há perspectiva de que a convocação de eleições antecipadas aconteça?
FM: Não há perspectivas nem em termos factuais, voluntários e nem em termos legais. Porque primeiro, a Assembleia foi bloqueada e a Assembleia é um órgão muito importante na realização de eleições. É ela que legitima a Comissão Nacional de Eleições.
Os membros da Comissão Nacional de Eleições estão fora de exercício do seu mandato. Quer dizer, já não têm poder jurídico e o Supremo Tribunal de Justiça tem a maioria dos seus juízes suspensos. Há um acumular de situações de ilegalidade do qual eu acho um pouco caricato estar-se a falar de prazos legais da Lei. Porque não interessa quem conduziu o país a ter essa situação a legalidade.
DW África: Portanto, este Governo de iniciativa presidencial pode ficar além desses 90 dias previstos por lei?
FM: E vai ficar. Juridicamente não pode. Todos os atos que o Governo tem praticado até aqui são atos sem cobertura legal e depois, vai continuar até quando talvez houver pressão porque é uma situação muito cômoda para Umaro Sissoco Embaló. Ele funciona como tribunal, como Parlamento, como o Governo e tudo... só a sua vontade é que determina.
DW África: Quando diz pressão, quem deverá pressionar?
FM: Talvez da população, quando tiver a consciência de que a sua situação não vai melhorar com esta sua indiferença perante esses atos de violação. Quando a comunidade internacional se aperceber que se está perante uma violação dos direitos fundamentais de todo o povo que está a sofrer com esta imposição. Quando houver esta coerência por parte do comunitário internacional...
DW África: E acredita que essa pressão irá acontecer?
FM: Não acredito, pelo que estou a ver até hoje. Temos mais de 100 pessoas detidas, algumas com mandato de absolvição do tribunal, outras sem acusação e temos o Parlamento bloqueado. E a comunidade internacional parece tentar legitimar e abençoar a situação a cada dia.
DW África: Se houver eleições nos moldes atuais dentro dos 90 dias como está previsto na lei, será que o PAIGC ou a coligação PAI-Terra Ranka boicotariam essas eleições?
FM: Se não boicotarem, vão apenas legitimar a ditadura. Primeiro, não há garantia de que quem ganhar é que vai governar. Isso já foi provado. Então, se a vontade popular não vai ser respeitada para o que é que servem as eleições? Outra coisa, eleições nessa condição é ter um porta-voz do Presidente na Comissão Nacional Eleições, ter um escrivão ou um secretário do Presidente no Supremo Tribunal que faz de Tribunal Eleitoral, é impedir todas as pessoas que têm opiniões diferentes de circular a nível nacional, então se forem vão legitimar só esta situação.