Guiné-Bissau: Perseguição da imprensa tem "mão" do PR?
Maria João Pinto
15 de março de 2021
Ordem dos Jornalistas pede intervenção internacional contra a perseguição à imprensa na Guiné-Bissau. Bastonário, António Nhaga, teme que Chefe de Estado esteja a intimidar os profissionais de comunicação no país.
Publicidade
Vários profissionais da comunicação social têm sofrido ameaças contra a integridade física nos últimos meses na Guiné-Bissau. Apesar da sucessivas queixas, o clima de perseguição parece estar longe do fim.
O sequestro e espancamento do bloguer Aly Silva e a agressão por agentes das forças de segurança a Adão Ramalho, jornalista da Rádio Capital, são os últimos acontecimentos da escalada de eventos que tem tido como alvo figuras da comunicação no país.
Em entrevista à DW África, o bastonário da Ordem dos Jornalistas guineenses, António Nhaga, sugere que o comportamento do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, aumenta as dúvidas sobre a sua idoneidade perante a atual situação do jornalismo no país.
DW África: Como é que descreve o ambiente de trabalho atual dos jornalistas na Guiné-Bissau?
António Nhaga (AN): A Ordem dos Jornalistas da Guiné-Bissau tem vindo a testemunhar com bastante preocupação o cenário que atenta contra o exercício pleno do jornalismo, perpetrado por um grupo de pessoas singular, encapuçado e com armas de fogo. Os jornalistas têm sido alvo de intimidações, ameaças e discriminação por parte do próprio Presidente da República, que quando aparece em público diz coisas como ‘quem não segura a sua cabeça, vai ser assegurada'. Já no dia 26 de fevereiro disse no balanço do seu mandato que os jornalistas não tinham condições para conduzir o debate... Ele tem andado permanentemente a imiscuir-se com o exercício da profissão e isto preocupa-nos bastante.
DW África: O Presidente e o primeiro-ministro já vieram negar quaisquer responsabilidades nestes últimos incidentes, mas a impressão é que as agressões contra os jornalistas se intensificaram nos últimos tempos. É claro para a Ordem dos Jornalistas que há uma ligação entre o Chefe de Estado e esta aparente ofensiva contra a imprensa?
AN: Nós estamos a fazer balanços do que ele tem dito, porque estamos preocupados [com a possibilidade] de que o senhor Presidente da República possa ter alguma ligação com isso. De facto, o que ele faz acaba por provar-nos que ele deve ter mão obscura sobre isto, porque o comportamento do Presidente da República indica que ele poderá ter alguma coisa a ver com isto. Nós gostaríamos, de facto, de chamar o Presidente da República à atenção para que refina a sua conduta, pautando-se pelo rigor. A Ordem dos Jornalistas condena com veemência o comportamento inadequado de seja quem for que está a espancar jornalistas neste momento na Guiné-Bissau.
DW África: O que é que os representantes da classe e as organizações podem fazer para responder a estes ataques?
AN: O que nós podemos fazer é um trabalho conjunto. Provavelmente amanhã vamos dar uma conferência de imprensa para marcar a nossa posição. Nós temos de exigir ao senhor Presidente da República que tenha rigor e responsabilidade. A sua comunicação deve pautar-se por outras palavras para salvaguardar o seu estatuto enquanto Presidente. De facto, as coisas que ele diz não são aquilo que um Presidente da República deve dizer. Vamos dizer-lhe para ele ter respeito.
Pandemia tornou-se justificação para atacar jornalistas
01:59
A Ordem já entregou uma proposta que se for aprovada poderia salvaguardar a imprensa, porque de facto os jornalistas da Guiné-Bissau trabalham em condições difíceis e precárias. Ele ataca a imprensa e discrimina jornalistas. Como Presidente de todos os guineenses, ele não pode convidar só um grupo de imprensa, que é o órgão público, e deixar o grosso dos jornalistas de fora. Todo este comportamento do Presidente da República faz-nos crer que ele não tem mãos limpas nesta matéria. Condenamos isto e solicitamos o senhor Presidente da República a usar a sua magistratura de influência junto do Governo para que seja aprovado um modelo para apoiar a independência do jornalismo na Guiné-Bissau. Nós temos um rol de perguntas para lhe fazer, mas o senhor Presidente da República parece que não quer ouvir a Ordem dos Jornalistas.
DW África: Os jornalistas ponderam outros instrumentos ou entidades, talvez até internacionais, para se fazerem ouvir?
AN: O que nós queremos é apelar à Federação Internacional do Jornalismo e aos Repórteres Sem Fronteiras para acompanhar de perto a situação do jornalismo na Guiné-Bissau. A situação está a agravar-se cada dia. É uma situação lamentável em que há pessoas que estão a tentar pôr em causa o exercício da liberdade de imprensa.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.