Guiné-Bissau: Perseguição e violência não faz parar os jovens
22 de maio de 2013 O Movimento Ação Cidadã dá conta ainda de restrições de liberdade de imprensa e manifestação e denúncia a violação dos direitos humanos. Um dos membros do movimento, Cadija Mané, explica os motivos pelos quais levaram o Ação Cidadã apresentar esta nova "Carta Aberta", e conta que "há vários casos isolados de pessoas que são agredidas que não se manifestam, que não vão fazer queixa", acabam por desistir da denúncia porque acham que "já ninguém quer saber, ou as pessoas sabem, mas não reagem".
A vida dos jovens hoje na Guiné-Bissau não é fácil e Cadijá Mané faz um retrato da situação actual no país. "Os jovens estão apáticos, nos seus lugares. Vivemos cercados de informadores pelas ruas, que uma pessoa onde está sentada tem as outras a ouvir as conversas para depois ir transmitir. Não existe uma total liberdade de expressão."
"Mané acrescenta ainda: "Estamos realmente muito desacreditados com toda esta situação, de não termos lugar, onde não podemos ter sonhos, onde não podemos fazer os nossos planos". Os jovens, segundo o membro do Movimento Ação Cidadã; querem "uma mudança radical no país. Já são 40 anos, praticamente 40 anos, após a independência, onde não houve nenhuma melhoria, onde não conseguimos atingir um certo grau de conforto ou felicidade", lamenta.
Esperança num amanhã melhor
Apesar deste relato, Cadija Mané diz que há uma pequena luz ao fundo do túnel, que surge com as possíveis eleições de novembro e, nessa altura, Cadija espera que "as coisas tenham um novo rumo. Diz que os jovens estão "à espera disso" e querem "fazer parte dessa mudança". Cadija Mané garante que alguns casos de abusos são denunciados à Polícia Judiciária, mas, até agora, nenhum teve uma conclusão ou foi bem-sucedido. Apesar de haver pessoas que fazem "queixas e notificações", estas acabam por não avançar porque muitas vezes essas denúncias "não dão em nada", segundo o membro da organização.
Para além da "Carta Aberta", o Movimento Ação Cidadã garante estar empenhado em ter uma parceria com a Liga Guineense dos Direitos Humanos para a criação de uma linha telefónica de apoio às vítimas de agressão. E terá o Movimento sentido obstáculos no desenvolvimento deste trabalho? Cadija diz que as dificuldades são tantas que nem sabem "medir até onde". As suas ações até "têm tido impacto a nível do governo", sublinha. "Nós não estamos à espera que no meio de um programa de rádio apareçam lá agentes, polícias ou militares para nos prender ou agredir, mas esperamos que seja um resultado positivo acharem que aquilo que estamos a fazer é bom para a sociedade e que se deve tirar proveito", conta.
O apelo à denúncia
Para que a situação de alegada impunidade e de suposto abuso de poder deixe de ser uma realidade no futuro, Cadija Mané apela para que a população da Guiné-Bissau denuncie qualquer acto de intimidação ou violação dos seus direitos por qualquer elemento das forças de segurança ou defesa, pois segundo a ativista, "não é porque a pessoa tem uma determinada farda que tem que desprezar o outro sem motivo aparente".
Na "Carta Aberta", o Movimento Ação Cidadã denuncia a agressão por parte de elementos das forças de defesa no espaço público. O Movimento denuncia a agressão à cidadã Eurizanda Balde Fragoso, no Hospital Militar, a 16 de abril deste ano e a Catarina Ribeiro Schwarz, no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, a 6 de maio de 2013.
Catarina Schwarz conta na primeira pessoa a agressão de que foi vítima, por parte dos elementos das forças de defesa no espaço público. "Estavamos todos numa fila. A pessoa que me agrediu não estava à espera de ser chamada à atenção. Terá sido apanhada de surpresa e por não querer mostrar-se inferior, então reagiu. Não gostou. Trata-se de um agente que trabalha no aeroporto de Bissalanca e acho que utilizou essa posição para abusar das suas capacidades", relembra Schwarz. Catarina adianta que, mais tarde, soube que a pessoa que alegadamente a agrediu foi colocada em serviço no aeroporto pelas forças armadas, a seguir ao golpe de Estado de abril do ano passado.
A impunidade como regra
Apesar de se tratar de um caso isolado, Catarina Schwarz garante que este tipo de situações acontece com frequência na Guiné-Bissau. Membro do Movimento Ação Cidadã, Catarina adianta que esses casos acontecem mais regularmente com os cidadãos guineenses. Falando ainda sobre o clima de impunidade que diz ser vivido na Guiné-Bissau, Catarina refere que as vítimas dos alegados abusos não fazem queixa, por temerem que a situação seja descredibilizada. Mesmo perante este contexto, a agredida considera que se deve estimular a população para fazer queixa e denunciar, mesmo que não sejam consideradas, a fim de dar a volta à situação.
Relembra que os jovens têm um papel essencial para originar mudança e que alguns já o fazem. "Aqui na Guiné-Bissau não há muitas formas de manifestação pública e de jovens mas se fizermos uma investigação rápida vamos perceber que através das músicas, há bairros que se juntam e fazem músicas de intervenção com uma carga simbólica muito grande, manifestam o seu desagrado em relação à situação política e militar".
Mesmo com letras de denúncia, Catarina garante que as canções de intervenção passam na rádio e não há censura, e acrescenta que "não sei se é porque não conhecem esses grupos, não sei se é porque é uma música, não se leva tão a sério, mas já é uma forma de manifestação".
O papel da comunidade internacional
E uma das vozes que mais assume o combate aos abusos vividos na Guiné-Bissau, é a Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), que reinvindica uma sociedade mais justa. Atenta aos casos de violação dos direitos humanos, o presidente da Liga Guineense, Luís Vaz Martins, ilustra a situação de medo que se vive no país, contando que "nos últimos meses vive-se justamente um clima de tensão, de muito medo onde efetivamente alguns metódos de intimidação, de tortura, de perseguição e restrição de liberdades, é o retrato do que se tem vivido ultimamente". Dando espaço à impunidade e não garantido a salvaguarda dos direitos humanos na Guiné-Bissau, Luís Martins afirma que é cada vez mais difícil ser-se jovem no país.
"É muito difícil efetivamente. Não há horizonte a curto prazo que garanta aos jovens uma saída feliz para a crise em que o país está envolvido". O presidente da Liga acredita que "cada vez mais escasseia esperança de um amanhã melhor e é por isso que a sua organização compreende a posição dos jovens". Neste sentido, a Liga Guineense dos Direitos Humanos "solidarializa-se com a situação dos jovens e de todas as vítimas de perseguição e de maus tratos no país", diz Luís Vaz Martins.
São dezenas as denúncia que chegam à Liga Guineense, relatando casos de abusos a jovens por parte das autoridades nacionais e o presidente da Liga, acredita que se a situação de abusos impunes não for controlada, que o futuro dos jovens guineenses irá se agravar, temendo que a resposta para a violência, seja mais violência com as pessoas a utilizarem "uma espécie de meio de resistência violenta, para responder aos actos violentos de que têm sido alvos. "Para o presidente da LGDH a "única esperança é efetivamente ver os órgãos restabelecidos através das eleições e a situação mudar no seio da comunidade internacional". Uma situação que Luís Martins relembra, que a comunidade internacional está cada vez mais atenta e disposta a apoiar.