Jurista considera que o Governo que está a ser preparado na Guiné-Bissau não é um "governo inclusivo", como afirmou Sissoco Embaló. O Presidente tentará um consenso com os restantes partidos, inclusive com o PAIGC.
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Em entrevista à DW África, o jurista Fransual Dias explica que, sem "uma base sólida de parceria com o Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), Partido de Renovação Social (PRS) e os cinco deputados que asseguravam a maioria parlamentar", Umaro Sissoco Embaló tentará um consenso com os restantes partidos, inclusive com o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
O analista considera que os partidos "não têm nada a perder" e, por isso, deverão aceitar integrar este novo Governo, que deverá ter por base, entre outros, a assinatura de um pacto governativo.
"Parece-me que o PAIGC quer aproveitar esta janela de oportunidade para poder realizar o seu congresso", acrescenta.
DW África: Umaro Sissoco Embaló anunciou, esta semana, que está a ser preparado um novo Governo de iniciativa presidencial na Guiné-Bissau. Como funcionará este Governo? Acha que todos os partidos vão aceitar integrá-lo?
Fransual Dias (FD): Temos de fazer a distinção entre Governo inclusivo e Governo de unidade nacional. Portanto, aqui parece-me que o Presidente da República quer fazer um Governo de unidade nacional, quando convoca os partidos políticos, inclusive o PAIGC, o partido com o qual tinha uma ruptura total. Há alguns fatores a sublinhar. Como é que a situação se desenrolou para chegarmos a este Governo de unidade nacional? É esta grande questão. A grande conclusão é que parece-me que o Presidente da República não está a conseguir ter uma base sólida da parceria entre o PRS e o MADEM-G15 e os cinco deputados que se tinham desvinculado do PAIGC e que vieram apoiar esta maioria parlamentar. Agora, o Presidente quer engendrar outra parceria com o PAIGC e os restantes partidos.
DW África: Mas dado o posicionamento do PAIGC nos últimos tempos, haverá aqui algum consenso possível?
FD: Parece-me que o PAIGC quer também aproveitar esta janela de oportunidade, porque está na luta para a realização do seu congresso. A partir de agora, o Presidente e toda a outra estrutura que influenciava a não realização do congresso do PAIGC, nomeadamente os tribunais, cujas decisões pareciam mais tipicamente políticas do que de natureza jurídica, [deixariam de interferir]. Parece-me que agora o PAIGC vai conseguir realizar o seu congresso.
DW África: Portanto, serão impostas condiçõespor parte do PAIGC para integrar este Governo…
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FD: Parece-me que esta vai ser a primeira condição para o PAIGC poder integrar o Governo e, obviamente, o Presidente da República estará obrigado a aceitar essa condição. Não tem outra saída.
DW África: O que têm a perder os partidos que recusarem aderir a este Governo?
FD: Vai depender da caracterização do Governo. O figurino que eu estou a ver é de um Governo de unidade nacional e, [se for assim], o Governo terá de funcionar com algumas bases - a assinatura de um pacto político governativo e a eliminação de barreiras de rivalidade. O Governo terá de funcionar com base no respeito pelo princípio da legalidade e da transparência eleitoral. Tudo isso tem de ser fixado. Agora, se for um Governo de iniciativa presidencial, obviamente o Presidente da República irá assumir a plenitude dos poderes do Estado, e isso vai ter fortes consequências, porque aqui a Constituição e as leis eleitorais dizem que a eleição teria de ter lugar no prazo de 90 dias.
DW África: Mas era esta a ideia inicial do Presidente?
FD: A ideia era ter um Governo presidencialista, mas parece-me que o Presidente está a sentir essa pressão. Se não fosse isso, teria outros contornos.
DW África: Podemos dizer que esta é a melhor saída para a crise política no país?
FD: É a melhor saída, porque vai-se organizar a eleição. Não creio que a eleição se realize no mês de dezembro, mas é uma saída em que os partidos políticos vão negociar passo a passo até à realização das eleições. E com a realização das eleições, os partidos vão retomar os seus passos definitivamente, porquanto o Presidente da República já não terá mais poder de impor isto e aquilo.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.