Guiné-Bissau: Religiões a interferir no processo eleitoral?
Iancuba Dansó (Bissau)
28 de outubro de 2019
A um mês das presidenciais na Guiné-Bissau, é tema de debate no país o alegado aproveitamento das religiões para fins eleitorais. E questiona-se qual deve ser o papel da religião no processo eleitoral de um estado laico.
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A religião islâmica está no centro do debate aberto na Guiné-Bissau. Em junho deste ano, num encontro no Palácio da República, um líder islâmico tinha garantido o apoio dos muçulmanos guineenses ao atual Presidente José Mário Vaz.
A 13 de outubro, foram recitados versículos corânicos numa ação política de Domingos Simões Pereira, líder e candidato presidencial do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
E também se tem questionado o uso de turbantes por parte de Umaro Sissocó Embaló, candidato presidencial do Movimento para Alternância Democrática (MADEM G-15) - uso que é extensivo aos seus apoiantes.
Guiné-Bissau: Religiões a interferir no processo eleitoral?
Recentemente, a juventude islâmica apelou à comunidade para se distanciar de manipulações para fins políticos.
Em entrevista à DW África, Ibraima Fati, imã de uma das mesquitas de Bissau, reprova qualquer envolvimento de elementos da religião em ações políticas. "É feio mesmo um imã ou um professor islâmico a apelar as pessoas para atos políticos e mostrar que pertence a um determinado partido. Isso mostra que pertence a um partido. A política separa. Por causa dela, vê-se ódio entre duas pessoas, as vezes irmãos. Por isso, um imã ou um cheick não deve ser apoiante deste ato".
Estado laico
Relativamente ao papel da religião num estado laico, o imã, que é licenciado em teologia islâmica, fala na neutralidade. Para Fati, os líderes "têm que ser neutros, como árbitro, sem defender ninguém".
"Política é um campo e a religião é outro. A política que hoje existe contraria totalmente o princípio de todas as religiões. Há inverdades. Se perguntar a qualquer padre ou imã, é isso que vai dizer. Num estado laico, o papel da religião deve ser de neutralidade", reforça.
Para o analista político Rui Landim, é preciso desmontar o "aparato" de desinformação e divisão da sociedade, para banir a promiscuidade da religião na política partidária: "Espero que o aparelho de Estado, os patriotas, aqueles que têm projetos para a Guiné-Bissau ousem fazer investida de desarmar todo este aparato de desinformação, de separatismo, de divisão, que têm consequências nefasta para a sociedade. Já ouvimos discursos na Assembleia Nacional, em que alguém a dizer que é porque sou mandinga. Quando não têm argumentos perante o adversário, utilizam este recurso".
Responsáveis da igreja católica guineense não quiseram falar à DW África sobre o tema. Mas sabe-se que a igreja se irá pronunciar, em breve, numa declaração pública, na qual deverá apelar aos políticos e cidadãos em geral sobre a boa conduta a seguir no processo eleitoral na Guiné-Bissau.
A laicidade do Estado guineense é garantida pela Constituição da República. O país é caraterizado por um grande pluralismo religioso. Mas por causa da dinâmica política eleitoral, observadores têm alertado para a instrumentalização das religiões, ou mesmo de alguns líderes, para fins políticos.
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".