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Bissau: "Salve-se quem puder e escapa quem está no poder"

4 de novembro de 2021

No início do novo ano legislativo na Guiné-Bissau, ativista critica "usurpação de competências" por parte do Presidente, que ameaçou dissolver o Parlamento se a sua proposta de revisão constitucional não for discutida.

Viagens do Presidente Umaro Sissoco Embaló continuam a gerar críticasFoto: Adrian Dennis/REUTERS

A partir de hoje tudo pode acontecer no cenário político da Guiné-Bissau, com o início do novo ano legislativo da Assembleia Nacional Popular (ANP), segundo observadores atentos à longa crise que se vive no país. O Parlamento deverá debater e votar a proposta de revisão constitucional apresentada pela Comissão da Assembleia, criada para o efeito.

O chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló, por várias vezes, ameaçou dissolver o Parlamento se os deputados não discutirem a sua proposta da revisão constitucional, que não consta na agenda da sessão que começa hoje e termina em dezembro. Uma fonte da DW avança que o Presidente já terá convocado o Conselho de Estado, o seu órgão consultivo, para o dia 17 de novembro, para saber se dissolve ou não o Parlamento.

Parlamentares e partidos consideram que a matéria da revisão constitucional é da exclusiva competência da ANP e não da Presidência da República. Também vários deputados dos partidos que formam a coligação governamental ameaçam publicamente não aprovar o Orçamento Geral do Estado do seu próprio Governo, porque dizem que o Presidente do país quer implementar um regime presidencialismo e ser o único chefe na Guiné-Bissau. A não aprovação do Orçamento significaria queda do Governo de Nuno Nabiam.

Sede da ANP em BissauFoto: DW/B. Darame

O país confronta-se com uma onda de greves jamais vista nos últimos anos, com a função pública paralisada há já onze meses, além de greves nos hospitais e nas escolas públicas. A tensão social aumenta a cada dia que passa, com recorrentes denúncias de violência contra os críticos do atual regime.

Em entrevista à DW África, o ativista Sumaila Jaló, que já organizou manifestações de rua contra vários governos, critica a posição dos partidos políticos perante o que chama de "usurpação de competências" por parte do chefe de Estado.

DW África: Acredita que a mobilização dos partidos parlamentares poderia travar as investidas do Presidente da República?

Sumaila Jaló (SJ): A própria mobilização contra as pretensões do Presidente da República em alterar a Constituição da República é sobretudo em defesa dos seus interesses particulares e não propriamente em defesa dos interesses do povo, porque sabem que qualquer alteração da Constituição da República vai ter consequências na vida do povo em geral, mas também terá consequências no futuro de todos estes partidos e da forma pouco decente de fazer política a que estão habituados. Porque o poder está concentrado na figura do Presidente da República e ninguém sabe depois de Umaro Sissoco Embaló o que vai ser da Guiné-Bissau, se é que haverá com brevidade o que poderíamos chamar de depois de Umaro Sissoco Embaló.

DW África: Mas disse que vive-se na Guiné-Bissau o regime do salve-se quem puder e os únicos a conseguir sobreviver são os que estão na governação. Porquê?

SJ: Não podia ser mais assertivo, com o que tem acontecido com a paralisação total da função pública há dez meses, com as portas das escolas trancadas há dois anos e com os hospitais encerrados, porque o Governo assiste a tudo isto e não consegue criar condições para responder às reivindicações legítimas dos trabalhadores da Guiné-Bissau e particularmente dos trabalhadores das áreas de saúde e educação. Mas não se interessam também porque os governantes e os seus familiares podem viajar para o exterior do país quando quiserem para tratar da sua saúde, assim como os seus familiares que não estudam em escolas públicas do país.

Veja imagens da visita de Umaro Sissoco Embaló a Bruxelas

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DW África: E o Presidente guineense é acusado de esbanjar o dinheiro do erário público em viagens para tirar fotografias com líderes mundiais. Mas Umaro Sissoco Embaló diz que com estas deslocações conseguiu mudar a imagem do país. Concorda com as suas afirmações?

SJ: Não é verdade, porque qualquer imagem do nosso país dependerá muito da sobrevivência do povo, das condições de sobrevivência do povo e essas condições são deploráveis neste momento. Não há piores condições que viver num país em que não temos hospitais para nos curar e não temos escolas onde aprender, para conhecer melhor o contexto onde vivemos para a sua transformação. Portanto, são viagens populistas e que lamentavelmente são realizadas por um Presidente da República e apoiadas por um governo que tem um líder em silêncio absoluto, como se não fosse o principal responsável pela governação do país.

DW África: Mas perante esta tensão social e uma crise sem fim à vista, como vê o discurso do Presidente da República que é acusado de ameaçar tudo e todos?

SJ: O discurso de Umaro Sissoco Embaló é um discurso absolutamente autoritário e um discurso baseado em prepotência. É o próprio Umaro Sissoco Embaló que se intitula único chefe do país. O próprio Umaro Sissoco Embaló, como todos sabemos, ordenou ao Governo para cessar todas as negociações com os sindicatos a reivindicar as suas legítimas demandas ao governo, demandas que têm a ver com os seus direitos de salários, de melhores condições de vida, como todos nós sabemos a partir de informações públicas. E é o próprio Presidente da República que também chantageia a classe trabalhadora com ameaças de congelar o seu salário e o governo vai nessa cantiga.

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