Guiné-Bissau: Eleições vão afetar a quadra festiva?
Iancuba Dansó (Bissau)
20 de dezembro de 2019
Pela primeira vez, Guiné-Bissau acolhe eleições na quadra festiva de Natal e do ano novo. Opiniões dos guineenses divergem quanto à eventual influência das eleições nas festas de Natal, que unem várias famílias no país.
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Apesar da Guiné-Bissau ser um Estado laico, o Natal é celebrado em quase todo país, tanto por famílias cristãs como de outros credos religiosos, que se juntam aos festejos. Entretanto, o Natal deste ano vai ser marcado pelas fortes movimentações políticas, na medida em que, quatro dias depois dos festejos, o país vai realizar a segunda volta das eleições presidenciais, um facto inédito na Guiné-Bissau.
Guineenses opinam
Sobre a eventual influência do processo eleitoral nas festas do Natal, os guineenses têm opiniões diferentes.
Ussumane Camará, estudante na escola de formação de professores de Bissau, considera que se vai manter a tradição de se festejar sem nenhuma anormalidade: "Não vai influenciar nada na quadra festiva, porque nós costumamos festejar o Natal e o final do ano de uma forma tranquila, pelo que penso que as eleições não vão ter influência no Natal".
A opinião é partilhada por Mustafa José Januário, também estudante. Contudo, espera que os guineenses saibam separar as coisas: "Depois da festa de Natal, temos quatro dias para as eleições, logo é só sabermos o que devemos fazer. Festejar bem o Natal e fazer uma boa escolha nas eleições."
Mas, também há quem pense de outra forma. A vendedeira Diana Cá acredita que "as eleições vão influenciar os festejos e deveriam ser antes de 25 de dezembro, pelo menos no dia 23. Também depois da transição do ano, poderá não haver o clima de irmandade entre as pessoas, com abraços, porque um ou outro candidato perdeu as eleições".
Implicações a vários níveis
O Sociólogo guineense Diamantino Domingos Lopes considera que haverá implicações financeiras nas famílias, no processo da distribuição dos recursos do erário público.
Lopes lembra ainda que "é um processo sociopolítico sempre conturbado, que mexe muito com a psicologia das pessoas e da sociedade".
E poderá ainda afetar famílias. O sociólogo prevê que "haverá dificuldades em manter a família unida, porque muitas famílias estão envolvidas no processo da campanha eleitoral e haverá alguma dificuldade em congregar os membros para aqueles momentos tradicionais de confraternização, de partilha e de acertar as pontes e de fazer as pazes, sobre tudo de negativo que aconteceu durante o ano. Podemos ter a dificuldade de resolver no ambiente familiar, considerando o ambiente familiar."
A capacidade de adaptação do guineense
Contudo, o sociólogo acredita que, apesar da realização de eleições em período invulgar, a sociedade guineense vai saber lidar com a situação.
"Há uma caraterística da sociedade guineenses que é ímpar: uma capacidade de adaptação fora do normal. Mesmo no momento de muita agitação e aflição social, consegue adaptar-se ao clima. O único medo é de ouvir o som das armas. Não ouvindo o som das armas, tudo é normal para um guineense", revela Diamantino Lopes.
O Natal vai ser celebrado em plena campanha eleitoral para a segunda volta das eleições presidenciais, mas já são visiveis os sinais para o festejo de Natal.
Presidenciais: Futuro da Guiné-Bissau adiado para segunda volta
Domingos Simões Pereira e Umaro Sissoco Embaló disputam segunda volta das presidenciais na Guiné-Bissau, a 29 de dezembro. Balanço da primeira volta das eleições feito pela CPLP, CEDEAO e União Africana é positivo.
Foto: DW/B. Darame
Domingos Simões Pereira vs Umaro Sissoco Embaló
Domingos Simões Pereira foi o vencedor das presidenciais na Guiné-Bissau, no entanto, não alcançou a maioria necessária para assumir o poder. O candidato apoiado pelo PAIGC conseguiu 222.870 votos, o que representa 40,13% do eleitorado. Seguiu-se Umaro Sissoco Embaló, do MADEM-G15, com 153.530 votos, ou seja, 27,65%.
Foto: DW/B. Darame
Medalha de bronze para Nabiam
Em terceiro lugar ficou Nuno Nabiam, com 13,16% dos votos. Seguiu-se José Mário Vaz, com 12,41%, Carlos Gomes Júnior, com 2,66%, e Baciro Djá, com 1,28% do eleitorado. Vicente Fernandes conseguiu 0,77% dos votos, Mamadu Iaia Djaló 0,51%, Idriça Djaló 0,46% e Mutaro Intai Djabi 0,43% dos votos. Os candidatos que obtiveram os piores resultados foram Gabriel Fernando Indi e António Afonso Té.
Foto: picture alliance/dpa
PAIGC pede apoio de APU e FREPASNA
Segue-se agora a segunda volta, marcada para 29 de dezembro. Domingos Simões Pereira, do PAIGC, já pediu o apoio aos partidos APU-PDGB e FREPASNA. DSP disse aceitar e respeitar os resultados eleitorais divulgados e deixou um recado a Sissoco Embaló: que na campanha para a segunda volta, não serão tolerados discursos de divisão dos guineenses: "serão atacados judicial e politicamente", disse.
Foto: DW/B. Darame
MADEM-G15 conta com apoiantes de Jomav
Por sua vez, Umaro Sissoco Embaló disse confiar na vitória na segunda e voltou a fazer acusações ao adversário Domingos Simões Pereira. "A Guiné-Bissau era um país laico e de concórdia nacional, Domingos Simões Pereira semeou o ódio e a divisão entre os guineenses". Embaló já havia anunciado, antes da primeira volta, que existia um acordo entre vários partidos contra DSP, em caso de segunda volta.
Foto: Privat
Grande derrotado
O antigo chefe de Estado da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, é já considerado o grande derrotado das presidenciais. Jomav, que concorreu como independente às eleições de 24 de novembro, ficou em quarto lugar na votação, atrás de Domingos Simões Pereira, Umaro Sissoco Embaló e Nuno Nabiam. O ex-Presidente conseguiu apenas 12,41% dos votos.
Foto: DW/B. Darame
Votação ordeira
A votação de 24 de novembro foi acompanhada por 23 observadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), 54 da União Africana, 60 da CEDEAO e 47 dos Estados Unidos da América. Todos elogiaram a "calma" e "serenidade" do processo.
Foto: picture-alliance/Xinhua News Agency
Votação "transparente"
Também a CNE deu nota positiva ao processo, dando conta de que não foram registados incidentes que possam comprometer a votação. Nestas eleições, nenhum dos 12 candidatos apresentou contestações ao processo de votação. Já na véspera das eleições presidenciais, Felisberta Moura Vaz, porta-voz da CNE, havia garantido à DW que o sistema eleitoral no país "é tão transparente que não permite fraude".
Foto: DW/B. Darame
Monitorização da sociedade civil
As eleições presidenciais, assim como aconteceu nas legislativas, voltaram a contar com o trabalho da Célula de Monitorização Eleitoral da Sociedade Civil. Após a votação, a plataforma deu nota positiva ao dia eleitoral, salientando que tudo "decorreu conforme o previsto". A rede contou com 422 observadores em todas as regiões da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Doze candidatos
Durante a campanha eleitoral, foram muitas as críticas feitas aos considerados fracos discursos e programas de governação apresentados. Em entrevista à DW, a Rede Nacional das Associações Juvenis considerou que alguns candidatos deixavam muito a desejar e que outros "confundem os poderes do Presidente da República com os do Executivo nas promessas eleitorais que fazem nos comícios".
Foto: DW/B. Darame
Jomav demite governo
A campanha para as presidenciais ficou marcada pela nomeação, por parte de José Mário Vaz, de um novo Governo liderado por Faustino Imbali, que foi recusado pela comunidade internacional, e que acabou por se demitir pouco tempo depois. O próprio Jomav disse-se desautorizado pelas forças de segurança, que não facilitaram a efetivação do decreto presidencial que ditou esta nomeação.