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Guiné-Bissau: solução seria novas eleições, diz analista

10 de março de 2017

Em entrevista à DW África, o antropólogo e jurista guineense Fodé Mané diz que o país vive em desordem administrativa graças às figuras que estão no poder. As eleições antecipadas dariam um prejuízo menor ao país.

Guinea-Bissau Wahl
Foto: Seyllou/AFP/Getty Images

O impasse político na Guiné-Bissau não dá sinais de avanços. Foi convocado para a próxima quarta-feira (15.03) mais um Conselho de Estado, onde os dirigentes do país tentarão outra vez encontrar uma solução para a crise que se instalou em Bissau.

Para o antropólogo, jurista e investigador do Instituto Nacional de Pesquisas da Guiné-Bissau, Fodé Mané, a sociedade civil está desgastada com as figuras políticas guineenses e já não confia em "quase ninguém".

Segundo Mané, a Guiné-Bissau vive hoje uma desgovernação que permite uma série de irregularidades administrativas, o que prejudica ainda mais a situação do país. As eleições antecipadas, na avaliação do antropólogo, seriam uma saída para este impasse. Confira a entrevista:

Fodé Mané, antropólogo e jurista guineenseFoto: Fodé Mané

DW África: Na sua opinião, quem é o maior responsável pelo impasse político na Guiné-Bissau atualmente: o Parlamento, que rejeita a formação do Governo, ou o Presidente, que é acusado de não cumprir o Acordo de Conacri?

Fodé Mané (FM): Dizer que é o maior culpado é difícil, pois, para mim, acaba por invisibilizar outras responsabilidades. Mas o processo começou com uma interpretação errada do nosso sistema político. É um sistema de partilha do poder, um sistema sub-presidencialista, em que o Governo é de responsabilidade do partido com maioria parlamentar. E só o Parlamento pode decretar a queda do Governo. A partir do momento em que o Governo caiu sem essa condição, começou a crise. O primeiro a criar toda esta situação foi o Presidente ao derrubar o Governo num sistema em que, a apesar de ter a competência, o Governo não adquire legitimidade a partir dele, pois é um sistema sub-presidencialista. E agora temos um segundo Governo do próprio PAIGC.  Houve uma descaracterização daquilo que é a vontade popular, que tinha dado a maioria para que se constituisse uma bancada. A partir do momento que esta bancada deixou de existir, o Parlamento ficou descaracterizado. Houve uma situação em que o Supremo Tribunal, através do acordo número 4/2016, confirmou que o Presidente pode indigitar um primeiro-minsitro desde que este tenha uma maioria. Então, aí também o próprio tribunal tem alguma responsabilidade nessa interpretação. Essa lógica é o que faz com que seja difícil, para mim, dizer que o único culpado, porque cada uma das partes teve a sua dose para que se cheguasse a esse ponto.

O Presidente José Mário Vaz deu o mote para a atual situação, segundo investigador guineenseFoto: Getty Images/AFP/S. Kambou

DW África: Como este impasse prejudica a imagem do país perante a comunidade internacional?

Cidadãos foram às ruas de Bissau protestar contra a situação política que se vive no país (09.03)Foto: DW/B. Darame

FM: O país tinha dado um sinal de que já tinha feito um diagnóstico para saber aquilo que precisa para arrancar e apresentou esta sua visão através da mesa redonda (em Bruxelas). Mas o país veio mostrar que, para muitos atores políticos, não é isso o que interessa, o desenvolvimento. Nesta dimensão, afetou a imagem. Voltar a convencer a comunidade internacional a desbloquear as verbas, com o argumento de que nós simplemente estamos numa situação de falta de verbas, não é possível. Qualquer entidade séria tem dificuldades em celebrar algum negócio jurídico com uma pessoa que tem uma imagem de incumpridor.

DW África: Como avalia as infinitas reuniões entre membros do Governo e do Parlamento que sempre acabam sem nenhum consenso?

FM: Não há condições objetivas para haver um consenso. Os membros do Governo são as pessoas que já usufruem do património do Estado. Qual é a negociação que vão aceitar para perder ou partilhar aquilo que têm?

DW África: Qual seria uma provável saída para pôr fim a este impasse?

Entrevista Impasse Guiné-Bissau - Versão para Online - MP3-Mono

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FM: A saída é como a crise começou. A crise começou pelo não respeito da vontade popular. [A solução seria] voltar a devolver [o poder] ao povo, porque o Parlamento já não é aquele que foi eleito. O Presidente já empossado distanciou-se muito de quem o apresentou ao povo, o partido dele [PAIGC]. E em termos de programa, em termos de orçamento, já não é o que era pensado na lógica do nosso sistema jurídico. A solução será voltarmos [a eleições]. Isso as pessoas não aceitam. Mas os prejuízos serão maiores [se a situação continuar assim]. Cada vez mais se verifica que é um Estado em que cada ministro é autoridade em seu ministério; toda a receita, tudo aquilo que é gerado, é ele [o ministro] que decide, apesar de não haver programas. Há negócios que não eram permitidos em situação de um Governo que não tem o aval do povo, que não tem um orçamento ou um programa aprovado pela Assembleia. Não há fiscalização. É possível hoje mudar tudo de um dia para o outro, pois não há controlo. Então, o prejuízo é maior do que fazer eleições antecipadas. 

DW África: Qual é o papel da sociedade civil neste processo?

FM: Eu acho que a sociedade civil está a fazer o seu trabalho. Há uma parte que está a ser manipulada, por causa da fragilidade da situação, mas se entendemos a sociedade civil como as organizações não-governamentais, vemos sim que há uma reação. Só que, hoje na Guiné-Bissau, ninguém advoga o uso da violência, isso é que dá a imagem de que a sociedade civil está indiferente. Quem anda nos bairros, nas vilas, vê que há um problema de não aceitação e há uma desconfiança permanente por parte dos próprios titulares do poder. O que significa que a sociedade civil está a fazer o seu trabalho, que não quer usar a força, a violência, mas não está inconsciente. Tem a noção de tudo aquilo que se está a passar.

DW África: Na sua avaliação, acha que os cidadãos estão desgastados com a situação política e social da Guiné-Bissau?

FM: Estão, não há que esconder. Estão desmotivados, estão descontentes, porque as expetativas, nas eleições de 2014, eram imensas. Portanto, fez-se apelo ao patriotismo, acreditou-se numa geração de quadros que tiveram a oportunidade de fazer a sua formação em outros países onde se vive em regime democrático. As pessoas proferiam o "slogan" de transparência, justiça e de seriedade, mas acabou-se por ver que realmente não era assim. E isso cria desmotivação e a desmotivação desgasta. A população está muito desgastada, não acredita quase em ninguém.

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