Guiné-Bissau: STJ insiste que CNE apresente atas eleitorais
Iancuba Dansó (Bissau)
22 de janeiro de 2020
Instância máxima da justiça guineense reitera que CNE deve apresentar os documentos feitos após os apuramentos regionais e nacional. CNE diz que já esgotou os “seus poderes”.
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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da Guiné-Bissau esclareceu esta terça-feira (21.01) que em nenhum momento exigiu a recontagem dos votos da segunda volta das eleições presidenciais. A instância máxima da justiça guineense insiste, no entanto, que as atas de apuramento devem ser apresentadas pela Comissão Nacional de Eleições (CNE).
O STJ entende que está seguindo o que determina a Lei Eleitoral da Guiné-Bissau. Segundo as regras do pleito, uma ata deve ser redigida imediatamente após o apuramento nacional. A lei também orienta que um exemplar da ata seja enviado aos órgãos de soberania até 24 horas depois da conclusão do apuramento nacional.
Segundo a instância máxima da justiça guineense, tais procedimentos não foram cumpridos.
Outra determinação não cumprida, conforme os esclarecimentos do STJ, refere-se ao momento de início do apuramento nacional. A lei prevê que os trabalhos de apuramento nacional dos resultados iniciem imediatamente após a receção das atas de apuramento regional e ocorram ininterruptamente até a conclusão.
"Devia-se terminar o trabalho com ata assinada e comunicada aos órgãos da soberania. Esta parte não foi cumprida e é isso que o Supremo [Tribunal de Justiça] pediu a CNE para cumprir. A decisão do STJ é para cumprir", disse o porta-voz do STJ, Salimo Vieira.
Impasse entre STJ e CNE
Na passada sexta-feira (18.01) - numa aclaração do acórdão da contestação eleitoral apresentado pelo PAIGC - o STJ disse que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) deve voltar ao princípio das operações do apuramento nacional.
O documento do Supremo, no entanto, suscitou diferentes interpretações.
Os apoiantes do candidato do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, consideraram que a justiça teria ordenado a recontagem dos votos a nível nacional.
A confusão fez o STJ convocar uma conferência de imprensa nesta terça-feira (21.01). "Não se falou da recontagem, mas sim que a operação de apuramento nacional dos resultados não foi conclusiva e pediu-se à CNE para que respeite a lei e cumpra com o que está na lei", esclareceu Vieira.
O Partido da Renovação Social (PRS) - que apoiou Umaro Sissoco Embaló na segunda volta – disse que o STJ tenta desestabilizar o país.
Guiné-Bissau: STJ insiste que CNE apresente atas eleitorais
"A nossa responsabilização começa a partir do Supremo Tribunal de Justiça e responsabilizamos todos os juízes conselheiros, principalmente o seu presidente, Paulo Sanhá, porque não podemos permitir que se crie confusão, pânico e instabilidade, das quais o país está farto", declarou o vice-presidente do PRS, Jorge Malú.
Num comunicado assinado pelo seu presidente, José Pedro Sambú, a CNE divulgou que, "com a notificação dos resultados eleitorais aos órgãos da soberania e aos candidatos concorrentes e consequente elaboração e fixação de edital, esgotou, legal e definitivamente, todos os seus poderes" (sic).
Informações desencontradas
Ao longo deste processo, circularam informações de que militares teriam sequestrado o presidente da CNE, José Pedro Sambú, obrigando-o a adulterar e anunciar os resultados eleitorais a favor de Umaro Sissoco Embaló. Mas o chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, general Biaguê Na Natan, negou as acusações.
"A Polícia de Ordem Pública e a Guarda Nacional vigiam o presidente da CNE. Se os militares o sequestraram, a missão de segurança da CEDEAO [ECOMIB] não reagiu, o Ministério do Interior não reagiu, e o Presidente tem também a sua família, que não reagiu. E como os militares o levaram ao quartel ficando com ele durante três dias e o governo não reagiu?”, questiona Na Ntan
O general garante que não haverá "perturbação da paz” por parte dos militares, e revelou ainda ter sido convidado, em 2016, para dar golpe de Estado ao governo de José Mário Vaz. Na Natan diz que negou a solicitação, embora não dissesse de quem teria partido o "convite”.
Presidenciais: Futuro da Guiné-Bissau adiado para segunda volta
Domingos Simões Pereira e Umaro Sissoco Embaló disputam segunda volta das presidenciais na Guiné-Bissau, a 29 de dezembro. Balanço da primeira volta das eleições feito pela CPLP, CEDEAO e União Africana é positivo.
Foto: DW/B. Darame
Domingos Simões Pereira vs Umaro Sissoco Embaló
Domingos Simões Pereira foi o vencedor das presidenciais na Guiné-Bissau, no entanto, não alcançou a maioria necessária para assumir o poder. O candidato apoiado pelo PAIGC conseguiu 222.870 votos, o que representa 40,13% do eleitorado. Seguiu-se Umaro Sissoco Embaló, do MADEM-G15, com 153.530 votos, ou seja, 27,65%.
Foto: DW/B. Darame
Medalha de bronze para Nabiam
Em terceiro lugar ficou Nuno Nabiam, com 13,16% dos votos. Seguiu-se José Mário Vaz, com 12,41%, Carlos Gomes Júnior, com 2,66%, e Baciro Djá, com 1,28% do eleitorado. Vicente Fernandes conseguiu 0,77% dos votos, Mamadu Iaia Djaló 0,51%, Idriça Djaló 0,46% e Mutaro Intai Djabi 0,43% dos votos. Os candidatos que obtiveram os piores resultados foram Gabriel Fernando Indi e António Afonso Té.
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PAIGC pede apoio de APU e FREPASNA
Segue-se agora a segunda volta, marcada para 29 de dezembro. Domingos Simões Pereira, do PAIGC, já pediu o apoio aos partidos APU-PDGB e FREPASNA. DSP disse aceitar e respeitar os resultados eleitorais divulgados e deixou um recado a Sissoco Embaló: que na campanha para a segunda volta, não serão tolerados discursos de divisão dos guineenses: "serão atacados judicial e politicamente", disse.
Foto: DW/B. Darame
MADEM-G15 conta com apoiantes de Jomav
Por sua vez, Umaro Sissoco Embaló disse confiar na vitória na segunda e voltou a fazer acusações ao adversário Domingos Simões Pereira. "A Guiné-Bissau era um país laico e de concórdia nacional, Domingos Simões Pereira semeou o ódio e a divisão entre os guineenses". Embaló já havia anunciado, antes da primeira volta, que existia um acordo entre vários partidos contra DSP, em caso de segunda volta.
Foto: Privat
Grande derrotado
O antigo chefe de Estado da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, é já considerado o grande derrotado das presidenciais. Jomav, que concorreu como independente às eleições de 24 de novembro, ficou em quarto lugar na votação, atrás de Domingos Simões Pereira, Umaro Sissoco Embaló e Nuno Nabiam. O ex-Presidente conseguiu apenas 12,41% dos votos.
Foto: DW/B. Darame
Votação ordeira
A votação de 24 de novembro foi acompanhada por 23 observadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), 54 da União Africana, 60 da CEDEAO e 47 dos Estados Unidos da América. Todos elogiaram a "calma" e "serenidade" do processo.
Foto: picture-alliance/Xinhua News Agency
Votação "transparente"
Também a CNE deu nota positiva ao processo, dando conta de que não foram registados incidentes que possam comprometer a votação. Nestas eleições, nenhum dos 12 candidatos apresentou contestações ao processo de votação. Já na véspera das eleições presidenciais, Felisberta Moura Vaz, porta-voz da CNE, havia garantido à DW que o sistema eleitoral no país "é tão transparente que não permite fraude".
Foto: DW/B. Darame
Monitorização da sociedade civil
As eleições presidenciais, assim como aconteceu nas legislativas, voltaram a contar com o trabalho da Célula de Monitorização Eleitoral da Sociedade Civil. Após a votação, a plataforma deu nota positiva ao dia eleitoral, salientando que tudo "decorreu conforme o previsto". A rede contou com 422 observadores em todas as regiões da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Doze candidatos
Durante a campanha eleitoral, foram muitas as críticas feitas aos considerados fracos discursos e programas de governação apresentados. Em entrevista à DW, a Rede Nacional das Associações Juvenis considerou que alguns candidatos deixavam muito a desejar e que outros "confundem os poderes do Presidente da República com os do Executivo nas promessas eleitorais que fazem nos comícios".
Foto: DW/B. Darame
Jomav demite governo
A campanha para as presidenciais ficou marcada pela nomeação, por parte de José Mário Vaz, de um novo Governo liderado por Faustino Imbali, que foi recusado pela comunidade internacional, e que acabou por se demitir pouco tempo depois. O próprio Jomav disse-se desautorizado pelas forças de segurança, que não facilitaram a efetivação do decreto presidencial que ditou esta nomeação.