Tentativa de golpe na Guiné-Bissau: Detidos sem direitos?
Iancuba Dansó (Bissau)
9 de março de 2022
Advogados, familiares e organizações civis temem pela situação dos detidos na sequência da tentativa de golpe de estado de 1 de fevereiro. Reclusos continuam sem conseguir falar com os seus representantes legais.
Publicidade
Mais de um mês depois do ataque armado ao Palácio do Governo da Guiné-Bissau, ainda se desconhece a atual situação dos cidadãos detidos pelo seu alegado papel na tentativa de golpe de Estado, que resultou em 11 mortes.
A DW África tentou apurar junto de várias fontes mais informações sobre as detenções, mas não são para já conhecidos quantos cidadãos foram capturados, ao todo, nem a quantidade de pessoas que será ouvida pela Justiça.
"É verdade que estão detidos alguns militares e civis e eu sou um dos seus advogados. Mas infelizmente continuam a ser proibidos os direitos fundamentais, que é a visita dos advogados aos detidos", afirmou Marcelino Intupe, advogado de 18 dos cidadãos detidos.
Desde 1 de fevereiro, as autoridades guineenses têm feito várias detenções. Segundo fontes no terreno, são civis e militares que estão encarcerados em diferentes aquartelamentos da capital guineense e na segunda esquadra da Polícia de Ordem Pública, também em Bissau.
Ministro da Defesa 'descarta responsabilidades'
O Movimento Nacional da Sociedade Civil para Paz, Democracia e Desenvolvimento mostra preocupação pela atual situação dos prisioneiros. O presidente da organização, Fodé Carambá Sanhá, reuni-se na segunda-feira (06.03) com os ministros da Defesa e do Interior, para se inteirar da situação dos detidos.
"Com o ministro da Defesa, tivemos uma informação muito esclarecedora. Mostrou-nos que, apesar de as pessoas detidas encontrarem-se nas suas instalações, nos quartéis que tutela, enquanto ministro da Defesa e dos Combatentes [da Liberdade da Pátria], a situação dos detidos não está sob a alçada do Ministério da Defesa, mas do Ministério Público", referiu Fodé Carambá Sanhá após a audição com o ministro Sandji Fati.
Apesar do receio por não ter contacto com os seus constituintes, o advogado Marcelino Intupe acredita num desfecho favorável para os detidos.
"Se as pessoas são suspeitas e [os seus processos] foram submetidos, e [sendo] o Ministério Público uma entidade de fiscalização, é porque esta situação vai ser ultrapassada", defendeu.
Já o analista político Rui Landim não se mostra confiante na Justiça guineense.
"Não se pode pensar num fantasma que se chama pomposamente de Ministério Público, mas que não passa de um esquadrão de perseguição e de crimes hediondos", comentou.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.