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Guiné-Bissau: "Terra ka Ranka" (país não arrancou)

António Rocha
25 de novembro de 2016

Há vinte meses, teve lugar em Bruxelas a conferência internacional dos parceiros da Guiné-Bissau "Terra Ranka", um plano desenhado por guineenses e para guineenses para, até 2020, reconstruir e desenvolver o país.

Geberkonferenz von Guinea-Bissau in Brüssel
Mesa-redonda de Bruxelas sobre a Guiné-Bissau (25.03.2015)Foto: DW/Madalena Sampaio

A 25 de março de 2015, havia na Guiné-Bissau um sentimento palpável de recomeço com o lançamento do programa "Terra Ranka" (País Arranca), o Plano Estratégico e Operacional que a Guiné-Bissau levou à mesa-redonda de Bruxelas. O objetivo deste plano era reconstruir o país até 2020, consolidar as instituições democráticas e lançar as bases para a estabilidade e o desenvolvimento socioeconómico sustentavel.

No final do encontro, os parceiros internacionais responderam prontamente e assumiram compromissos financeiros, principalmente porque a Guiné-Bissau atravessava um momento crítico após anos de fragilidade e instabilidade política.

Um ano e oito meses depois, os mais de mil milhões de euros prometidos não estão a ser direcionados para a execução do "Terra Ranka", devido à instabilidade política em que a Guiné-Bissau se encontra mergulhada.

É verdade que nomeação e posse (18.11) do atual primeiro-ministro, Umaro Sissoko, marcaram mais uma etapa no complexo xadrez político guineense. Mas o acto em si não representou o fim da crise política naquele PALOP.

A propósito, a DW África entrevistou o guineense Luís Barbosa Vicente, economista e professor universitário. 

DW África: 20 meses depois do lançamento do "Terra Ranka", "Terra ka Ranka". Porque acha que a situação na Guiné-Bissau chegou a este ponto?

Luís Barbosa VicenteFoto: Anaximandro Furtado

Luís Vicente (LV): Julgo que a falta de um diálogo institucional e a quebra de confiança entre os órgãos de soberania, que posteriormente resultou no Governo liderado por Domingos Simões Pereira, acabou por colocar em causa o projeto "Terra Ranka”, possivelmente por uma questão de agenda, ou seja, quem teria o controle da gestão dos fundos obtidos na mesa redonda de Bruxelas. Por um lado, a Presidência da República entendia que deveria ter um papel importante na gestão desses fundos, e que fosse criada uma equipa mista com gestores da sua confiança, e não apenas da parte do Governo. Mas num regime semi-presidencialista (que é o caso da Guiné-Bissau), cabe ao Governo fazer essa gestão e não à Presidência da República. Portanto estamos num impasse com essas oportunidades que acabaram por desaparecer, o que fez com que a Guiné-Bissau entrasse num ciclo vicioso de não conseguir captar e rentabilizar os financiamentos que são disponibilizados.

DW África: Durante esse período, o desenvolvimento do país foi praticamente inexistente. Acha que a tendência é para piorar?

LV: Sem dúvida que este longo período de impasse criou sérios problemas ao país em todos os aspetos, nomeadamente no económico. Temos a estagnação da atividade económica empresarial, falta de captação das receitas devido à ausência de investimentos. Na componente social temos greves sistemáticas na saúde, na educação e numa grande parte da administração pública. Portanto julgo que a tendência é para piorar, uma vez que ainda não existe um consenso entre as partes desavindas o que poderá resultar em graves prejuízos para a população.

DW África: O que a sociedade civil, os atores políticos, os quadros, a diáspora poderão fazer para Inverter esta situação?

LV: A sociedade civil e alguns quadros guineenses no país e na diáspora através de várias ações têm apelado ao diálogo para chegar a um consenso para o melhor caminho para o país. No entanto, as partes desavindas neste doloroso processo extremaram as posições de tal forma que praticamente se tornou inviável um diálogo franco e frontal. Entre as partes estão a própria Presidência da República, a Assembleia Nacional Popular, os partidos com assento parlamentar e o grupo dos deputados dissidentes do PAIGC. O acordo de Conacri tentou fazer uma aproximação, que, no meu entender, acaba por romper definitivamente a Constituição da República da Guiné-Bissau, permitindo que seja o Presidente da República a decidir quem deve ser o primeiro-ministro. Mas não resolveu o problema de fundo, que é permitir aos guineenses expressarem o que acham desta crise e qual é o melhor caminho para que a estabilidade seja garantida.

DW África: Então a nomeação de Umaro Sissoco para o cargo de primeiro-ministro não solucionou o problema? Que solução deveria ser encontrada para que este impasse não se eternize?

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LV: Acho que acaba por aprofundar a crise, uma vez que o vencedor das eleições legislativas de 2014, que é o PAIGC, entende que a governação deveria ser entregue a ele ou a um nome indicado pelo partido. Temos que ser muito concretos. Na verdade  esta nomeação foi um ato anti-constitucional. Daí sublinhar que o acordo de Conacri  foi um mau acordo para a Guiné-Bissau, ainda por cima com o alto patrocínio da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), que deveria e deve sempre tentar criar consensos entre as partes, observando sempre os principios constitucionais dos países membros.
DW África: Acha que a realização de eleições antecipadas, como alguns admitem, ou entregar a administração do país à ONU, CEDEAO e UA, seria uma resposta para se acabar com a crise político-institucional na Guiné-Bissau?

LV: As eleições antecipadas são uma alternativa viável em termos políticos. Só que temos de admitir que não é uma solução economicamente favorável para um país como a Guiné-Bissau. No entanto, talvez a comunidade internacional e alguns parceiros tenham uma palavra de amizade nesta matéria, uma vez que têm sido eles a financiar esses pleitos eleitorais nos últimos vinte anos. Quanto a entregar transitóriamente  a administração à ONU, a ideia tem sido veiculada pelas várias bancadas parlamentares guineenses e defendida um pouco por todo o lado no mundo. Mas julgo que esta não é a melhor solução, uma vez que temos que perceber que tipo de administração se pretende, se toda a administração civil efetiva, incluindo a execução das autoridades legislativa, executiva e judicial. Julgo que é um assunto que deve ser colocado na mesa para discussão. Porém acredito que faz mais sentido as autoridades guineenses, a sociedade civil, os orgãos de soberania, os atores políticos, as entidades religiosas, etc. fazerem uma conferência nacional sob os auspícios da ONU e com os parceiros multilaterais da Guiné-Bissau e não apenas a CEDEAO, no sentido de refletirem sobre os problemas do país, e que assumam um compromisso geral para o bem do povo guineese.

DW África: Um país instável, como é o caso atualmente da Guiné-Bissau, está aberto a todo o tipo de outros problemas também graves: tráfico de todo o género, incluindo da droga, de madeiras preciosas, para além da permeabilidade das suas fronteiras numa altura em que o terrorismo radical procura instalar-se em vários países de África. Como vê o futuro imediato do país? 

LV: Enquanto não se erradicar o cancro que aflige a Guiné-Bissau, acredito que nunca haverá no país tranquilidade e estabilidade. A corrupção e os interesses particulares estão tão enraizados na cultura política da Guiné-Bissau que não sobra espaço para se pensar o país. E quanto mais o Estado se desmoronar, mais possibilidade haverá para os indivíduos pilharem o país. Na verdade, a Guiné-Bissau está numa encruzilhada  muito grande e só com a maturidade política dos atores é que as coisas poderão mudar. É importante assumirem que o país precisa de novas dinâmicas para os desafios que se avizinham. E porque não pensarem na própria refundação do Estado?

Mesa-redonda de Bruxelas sobre a Guiné-Bissau (25.03.2015)Foto: DW/Madalena Sampaio
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