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Guiné-Bissau: Eleições sem partidos é "estratégia do poder"

28 de outubro de 2025

Rui Jorge Semedo alerta para engenharia política que poderá dar maioria absoluta a Embaló e esvaziar pluralismo na Guiné-Bissau. Para o analista, Supremo terá agido "a mando do poder" na exclusão de partidos.

Guinea-Bissau eleições legislativas de 2023
Pleito será marcado pela "ausência de partidos fortes", Segundo Rui Jorge SemedoFoto: Darcicio Barbosa/AP/picture alliance

Um dos principais apoiantes da reeleição de Umaro Sissoco Embaló, Botche Candé, pediu a Domingos Simões Pereira que se entenda com o Presidente, defendendo unidade para "salvar o PAIGC". Candé, coordenador da Plataforma Republicana e ministro do Interior, reagiu assim à exclusão da coligação PAI-Terra Ranka das eleições de 23 de novembro pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O político sugeriu que o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde siga o exemplo do Senegal, indicando outro candidato, e alertou que o partido "poderá morrer" se Simões Pereira insistir em concorrer. Candé apelou à união sob a liderança de Embaló para "fazer história na Guiné-Bissau".

À DW, o analista Rui Jorge Semedo explica o que está por trás destas declarações e alerta para uma "democracia sem partidos" no país.

DW África: Como é que podemos interpretar estas declarações de Botche Candé a exortar Domingos Simões Pereira a entender-se com Umaro Sissoco Embaló, já em plena pré-campanha eleitoral?

Rui Jorge Semedo (RJS): Aparentemente, essa mensagem de Botche Candé aponta para uma situação de falta de autonomia do próprio Supremo Tribunal de Justiça (STJ), quando aconselha Domingos Simões Pereira a entender-se com o Presidente Sissoco Embaló. Ele quer, de forma direta, mostrar que o tribunal não agiu de forma independente. O tribunal agiu, supostamente, a mando do poder político.

Portanto, essa é a mensagem que Candé aparentemente quer transmitir, porque uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se o Presidente não tem nada a ver com isso e se o Supremo Tribunal de Justiça agiu de forma autónoma e justa, então é uma decisão do tribunal. Nem o Presidente, nem qualquer outra entidade pode interferir para corrigir ou inverter a decisão do tribunal.

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05:34

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DW África: Quer dizer que quem queira concorrer às eleições tem de estar do lado do Presidente?

RJS: E não só, tem de estar ao lado do Presidente, mas também precisa de uma espécie de "aceitação" por parte de Umaro Sissoco Embaló. Vejamos: praticamente todos os partidos que estiveram na 11.ª legislatura no Parlamento não estão a concorrer a estas eleições. Foram rejeitados pelo Supremo Tribunal de Justiça. É algo difícil de compreender.

Inscreve-se dentro de uma agenda para afastar qualquer grupo político com capacidade de mobilizar eleitores e garantir presença no Parlamento.

Não foi apenas o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado por Domingos Simões Pereira, que foi afastado, mas também partidos como o Partido da Renovação Social (PRS), a Convergência Nacional para a Liberdade e o Desenvolvimento da Guiné-Bissau (COLIDÉ-GB) e a própria coligação PAI-Terra Ranka, que também têm potencial para mobilizar votos.
E os partidos que estão a concorrer pela primeira vez na Guiné-Bissau são partidos sem qualquer expressão política.

Rui Jorge Semedo: "Parlamento será preenchido sem vontade popular"Foto: Iancuba Dansó/DW

DW África: Está a dizer que a coligação que suporta a candidatura de Umaro Sissoco Embaló poderá eleger a totalidade dos 102 deputados nas legislativas e dará margem para alterar a Constituição?

RJS: A meu ver, isso não faz sentido, porque quem lidera essa coligação não é Botche Candé. O cabeça de lista da Plataforma Republicana "Nô Kumpu Guiné" é o Presidente da República, Sissoco Embaló, que é também candidato a um segundo mandato presidencial.
Portanto, estamos a assistir a um pleito onde os partidos foram esvaziados e existe uma única figura: o Presidente da República. Coordena a plataforma e, na prática, é quem manda.

Os partidos que integram essa plataforma estão ali apenas para cumprir formalidades. Ou seja, sendo Sissoco cabeça de lista, se essa coligação vencer as eleições, quem vai indicar o futuro primeiro-ministro será o Presidente da República. Relativamente ao pronunciamento de Botche Candé, comparando a estratégia usada no Senegal com o caso da coligação PAI-Terra Ranka, particularmente Domingos Simões Pereira, acho que ele não foi feliz. Porque, por exemplo, questiona-se: porquê a eliminação do COLIDE-GB? Porquê a eliminação da PAI-Terra Ranka e da API Cabaz Garandi? Isso inscreve-se dentro de uma estratégia que o poder político na Guiné-Bissau já tinha definido, não permitindo planos alternativos.

O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, é candidato a um segundo mandato presidencialFoto: privat

Por isso, o Supremo Tribunal acabou por fazer um trabalho de seleção de candidatos a deputado. Agora resta apenas cumprir o ritual de tomar posse no Parlamento, porque não será certamente a expressão da vontade popular. Os deputados que vão formar a 12.ª legislatura não serão a expressão da vontade popular, mas sim resultado da seleção feita pelo Supremo Tribunal de Justiça.

DW África: E como interpretar as declarações de Botche Candé quando disse que o PAIGC poderá morrer e precisa de salvação, sugerindo a saída de Domingos Simões Pereira?

RJS: É uma mera contradição. Exige-se, por exemplo, que Domingos Simões Pereiraabandone o PAIGC sem apontar uma única violação cometida por ele no partido.

Nunca houve, pelo menos do ponto de vista prático, qualquer militante a apontar violações do estatuto ou do regimento do partido. Agora, olhando para o cenário nacional sob liderança deste regime e para a sua relação com a Constituição da República, passámos praticamente três anos sem realizar eleições legislativas após a dissolução do Parlamento, os órgãos de soberania perderam autonomia e competências previstas na Constituição, e Botche Candé não chama a atenção para isso.

Os críticos no seio do próprio PAIGC também não apontam essa violação sistemática da Constituição por parte do Presidente da República. Mas apontam para Domingos como quem está a cometer erros por não querer abandonar o partido. Isso percebe-se claramente porque não se conseguiu fazer com o PAIGC o que fizeram com o PRS e com o Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), dois partidos dominantes no cenário político. Talvez o abandono de Domingos Simões Pereira no atual contexto político facilitaria a estratégia de aniquilar os partidos, porque agora só falta o PAIGC se entregar para termos uma democracia sem partidos.

É exatamente isso que se vive atualmente na Guiné-Bissau. Vamos, pela primeira vez, às eleições sem partidos, porque foi feita uma engenharia para preencher as cadeiras no Parlamento com base numa orientação estratégica do poder político, e não pela vontade popular.

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