Violência policial faz vários feridos na Guiné-Bissau
14 de julho de 2021A União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG), a principal central sindical, convocou para esta quarta-feira (14.07) uma manifestação que visava contestar a "grave" situação social do país, assim como o aumento de impostos e subsídios aos titulares dos órgãos de soberania.
Momentos antes do início da marcha, que deveria terminar em frente da sede da Assembleia Nacional Popular (ANP), a polícia usou gás lacrimogéneopara dispersar os manifestantes que ainda se encontravam na sede da UNTG, no centro da capital guineense.
O secretário-geral da central sindical, Júlio Mendonça, deu conta do número de feridos devido à intervenção policial.
"Nós responsabilizamos por esta violação os principais responsáveis do país: o Presidente da República, o primeiro-ministro e o ministro do Interior. Sabem perfeitamente que o que os agentes (da polícia) estão a fazer não se coaduna com o que vem plasmado na Constituição da República", disse Mendonça em declarações aos jornalistas na sede da central sindical.
O sindicalista qualificou a violência policial exercida sobre os manifestantes de "grave e gravíssima". Anunciou ainda uma nova manifestação para o dia 28 de julho. "Esperamos que os (atuais) governantes percebam que hoje estão no poder, mas amanhã não estarão, e cada um deverá assumir as suas responsabilidades", disse Mendonça.
"Não era para espancar"
O secretário de Estado da Ordem Pública, Alfredo Malú, disse que não tinha havido manifestação, por esta não estar devidamente autorizada pelas instâncias competentes. "Nós não autorizamos a marcha. Nós garantimos segurança para o itinerário dos manifestantes. É esse o nosso trabalho. O documento levado (ao Ministério do Interior) não tem a autorização da Câmara". O governante explicou assim o que aconteceu: "Quando a Polícia chegou, alguns (manifestantes) já estavam no interior da sede da UNTG e não podiam sair. Aqueles que estavam fora também não podiam ter acesso ao interior da sede. Os manifestantes tentaram bloquear a estrada e foi aí que a Polícia usou gás lacrimogéneo. Não era para espancar".
Trata-se da sefunda atuação policial de cariz violenta, menos de dez dias depois de agentes terem obrigados dois cidadãos manifestantes, em Bafatá, no leste do país, a nadar numa poça de água suja. O caso deu origem à expulsão de três elementos da Guarda Nacional (GN) pelo ministro do Interior.
A manifestação desta quarta-feira (14.07) foi convocada pela União Nacional dos Trabalhadores da Guiné em todo o país. Mas nem nas regiões as autoridades policiais admitiram a realização da marcha.
Ouvido pela DW África, o jurista Cabi Sanhá diz que há uma violação da lei da manifestação pelas autoridades.
"A lei (da manifestação) não dá ao Estado o direito de autorizar ou não a marcha. Antes pelo contrário, impõe sobre o Estado uma obrigação de assegurar toda e qualquer manifestação. E, sobretudo, é uma manifestação que não tem cariz político, é uma manifestação de todo o povo guineense".
O analista político considera os protestos justificados: "Quem não sabe que o preço dos produtos da primeira necessidade está a subir cada dia? Quem não sabe que os funcionários estão a ser roubados com impostos e taxas incompreensíveis?".
Tensão social pode explodir
Para o analista político Jamel Handem, a atuação da polícia "é um sinal de que o atual Governo está sem solução nem norte, e não vê melhor forma de resolver os problemas senão o uso da violência".
Handem diz que este é um sinal "muito perigoso" num país em situação de grande volatilidade.
"Toda essa situação, a atuação musculada das forças da ordem, terá efeito de bomba-relógio com o efeito retardado. E mais tarde ou cedo ,ela há-de explodir, e aí ninguém terá o controlo e ninguém saberá o que acontecerá neste país."
Na semana passada, um grupo de organizações da sociedade civil pediu a demissão do ministro do Interior, Botche Candé, cuja instituição tem chamado a si as atenções, na sequência da proibição de manifestações e casos de espancamento de cidadãos.
A Guiné-Bissau vive, há sete meses, uma crise social originada pela greve geral da UNTG, com impactos nos setores da saúde e educação, numa altura em que os funcionários públicos e cidadãos se queixam das consequências negativas do aumento de impostos e taxas.