Na Alemanha, emigrantes guineenses estão frustrados com a crónica crise política na Guiné-Bissau. E dizem sustentar famílias e até funcionários públicos com o dinheiro que ganham no estrangeiro.
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A crónica instabilidade política na Guiné-Bissau pesa e muito nos bolsos dos emigrantes guineenses que são obrigados a trabalhar mais horas extras para que suas famílias não passem fome num país paralisado devido à luta pelo poder entre os principais partidos e atores políticos. Mesmo depois das eleições legislativas de 10 de março os guineenses não vislumbram soluções para a crise que teve início em 2015.
Muitas instituições públicas do país têm vários meses de salários em atraso, outras até com mais de 88 meses, como é o caso dos Correios de Bissau. A questão é: quem paga as contas das famílias guineenses no país?
Solange Barbosa, que vive há 16 anos em Hamburgo, na Alemanha, diz que emigrantes são obrigados a ir às agências de transferência de dinheiro para pôr de pé famílias guineenses, perante um Estado incapaz de garantir os serviços básicos.
Guineenses na Alemanha: "Economia da Guiné-Bissau também depende de nós"
"Temos informações que há três meses que a função pública na Guiné-Bissau está sem salários, o que nos faz redobrar esforços para poder ajudar. Alguns funcionários públicos pedem-nos dinheiro para pagar as suas contas. Alguns deles, só pela forma de falar, sentimos que precisam de alguma coisa. Muitas famílias não pedem, mas sabemos que somos obrigados a enviar dinheiro tendo em conta a realidade", disse à DW África a presidente da Associação Guineense e Amigos da Guiné-Bissau em Hamburgo.
Guiné-Bissau paralisada há 4 anos
A maior central sindical guineense, a União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG), tem feito protestos de rua para pressionar o Estado a cumprir com as suas responsabilidades, pagando salários aos seus servidores. De escolas públicas a hospitais, observam-se sucessivas greves. E o motivo é sempre o mesmo: a falta de pagamento de salários e melhoria das condições de trabalho.
Com a realização das eleições gerais em 2014 renascia a esperança para muitos emigrantes que queriam voltar à Guiné-Bissau para ajudar na (re) construção do país. Só que, segundo Solange Barbosa, com a prolongada instabilidade, muitos estão com um pé atrás.
"Famílias guineenses sobrevivem graças aos emigrantes"
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"Agora é difícil voltar à Guiné. Muitos tentaram fazer investimentos; enviaram dinheiro, carros, mas não funcionou por causa da crise e da falta de salários. Daí que agora estão reticentes, com um pé atrás e na dúvida se voltam ou não. Dúvidas que não existiam depois das eleições gerais de 2014, mas ao que parece, as coisas estão a ficar cada vez pior".
Solange Barbosa, que preside a associação de guineenses em Hamburgo, uma organização que serve para ajudar na integração e arranjar emprego, relata que a dificuldade linguística é o maior entrave para os guineenses na Alemanha: "Há pessoas que já pagaram multas porque não leram/responderam cartas que receberam em alemão, e encontrar emprego também é difícil".
Dificuldades em mobilizar investimento
Ibraima Turé, que mudou-se para a Alemanha há 29 anos, disse à DW que com a confusão que se vive na Guiné-Bissau não dá sequer para mobilizar investimento estrangeiro. "Temos amigos que veem coisas esquisitas que acontecem lá e dizem logo: temos a intenção de ir, mas não podemos. Por exemplo, uma missão católica queria visitar o hospital de Cumura para depois pedir à Cáritas alemã para financiar o hospital, mas acabaram por não ir devido ao que leram sobre a Guiné-Bissau na internet. Uma vergonha", conta em tom de revolta.
O sonho de Ibraima Turé era de imitar o que os emigrantes ganeses fazem. "As pessoas oriundas do Gana tudo que fazem aqui é para a terra deles. Nós também queremos imitar o que fazem. Por exemplo, vês um ganês com um sapato aparentando muito uso, deformado etc., mas na sua terra essa mesma pessoa tem um prédio. Essa ambição não é possível na Guiné-Bissau com essa instabilidade política e confusão".
Além disso, de acordo com Turé, a Alemanha de hoje, para os emigrantes, não é a mesma comparativamente com a dos anos 90. "Estou aqui há 29 anos. É claro que quero voltar à Guiné. Nos anos 90 isto aqui era mesmo a Alemanha que atraía a emigração! Não é como agora, onde uma pessoa trabalha apenas para comer, não sobra nada para a poupança. E, um emigrante quando não pode tirar o proveito da emigração fica aqui para fazer o quê?".
Estima-se que mais de três mil guineenses estejam a viver em Hamburgo. A grande parte trabalha na hotelaria.
Sumos, bolachas e até "bifes" para diversificar rendimento do caju
O caju é a principal fonte de rendimento dos produtores guineenses. A fim de estimular a economia, os produtores de Ingoré uniram-se na cooperativa Buwondena, onde produzem sumo, bolachas e até "bife" de caju.
Foto: Gilberto Fontes
O fruto da economia
Sendo um dos símbolos da Guiné-Bissau, o caju é a principal fonte de receita dos camponeses. A castanha de caju representa cerca de 90% das exportações do país. Este ano, foram exportadas 200 toneladas de castanha de caju, um encaixe de mais de 250 mil euros. A Índia é o principal comprador. O caju poderá trazer ainda mais riqueza ao país, se houver maior aposta no processamento local do produto.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no processamento
Em Ingoré, no norte da Guiné-Bissau, produtores de caju uniram-se na cooperativa Buwondena - juntamos, em dialeto local balanta - para apostar no processamento do caju. Antes, aproveitava-se apenas a castanha, desperdiçando o chamado pedúnculo, que representa cerca de 80% do fruto. Na cooperativa produzem-se agora vários produtos derivados do caju.
Foto: Gilberto Fontes
“Bife” de caju
Depois de devidamente preparado, o pedúnculo, que é a parte mais fibrosa do caju, pode ser cozinhado com cebola, alho e vários temperos. O resultado final é o chamado “bife” de caju.
A partir das fibras, produz-se também chá, mel, geleia, bolacha, entre outros. Ao desenvolverem novos produtos, os produtores diversificam a dieta e aumentam os seus rendimentos.
Foto: Gilberto Fontes
Néctar de caju
Depois de prensadas as fibras do caju, obtém-se um suco que é filtrado várias vezes, a fim de se produzir néctar e sumo. Com 50% desse suco e 50% de água com açúcar diluído, obtem-se o néctar de caju. Este ano, a cooperativa Buwondena produziu quase 400 litros desta bebida.
Foto: Gilberto Fontes
Sumo de caju
O sumo resulta da pasteurização do suco que foi filtrado do fruto, sem qualquer adicionante. Cada garrafa destas de 33cl de sumo de caju custa quase 0.40€. Ou seja, um litro de sumo pode render até 1.20€. O que é bem mais rentável que vinho de caju, produzido vulgarmente na Guiné-Bissau, que custa apenas 0.15€ o litro. Em 2016, foram produzidos na cooperativa quase 600 litros de sumo de caju.
Foto: Gilberto Fontes
Mel de caju
Clode N'dafa é um dos principais especialistas de transformação de fruta da cooperativa. Sabe de cor todas as receitas da cooperativa e só ele faz alguns produtos, como o mel. Mas devido à falta de recipientes, este produziu-se pouco mel de caju. Desde que se começou a dedicar ao processamento de fruta, Clode N'dafa conseguiu aumentar os seus rendimentos e melhorar a vida da sua família.
Foto: Gilberto Fontes
Castanha de caju
Este continua a ser o produto mais vendido pela cooperativa. O processamento passa por várias etapas: seleção das melhores castanhas, que depois vão a cozer, passam à secagem, ao corte e vão à estufa. As castanhas partidas são aproveitadas para a produção de bolacha de caju. Este ano, a cooperativa conseguiu fixar preço da castanha de caju em 1€ o quilo, protegendo os rendimentos dos produtores.
Foto: Gilberto Fontes
Potencial para aumentar produção
A maior parte dos produtos são vendidos localmente, mas alguns são comercializados também em Bissau e exportados para o Senegal. A produção decorre sobretudo entre os meses de março e junho, período da campanha do caju. No pico de produção, chegam a trabalhar cerca de 60 pessoas. Se a cooperativa conseguisse uma arca frigorífica para armazenar o caju, continuaria a produção depois da campanha.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no empreendedorismo
A cooperativa Buwondena aposta na formação a nível de empreendedorismo, para que os produtores possam aumentar o potencial do seu negócio. A cooperativa pretende criar uma caixa de poupança e crédito. O objetivo é que, através de juros, os produtores possam rentabilizar as suas poupanças e apostar noutros negócios.
Foto: Gilberto Fontes
É urgente reordenar as plantações
A plantação de cajueiros é outra das preocupações da cooperativa: uma plantação organizada, com ventilação é fundamental para aumentar a rentabilidade.
Devido ao peso do sector do caju na economia da Guiné-Bissau, todos os anos são destruídos entre 30 e 80 mil hectares de floresta para a plantação de cajueiros. Especialistas defendem uma reordenação urgente das plantações.