É "vergonhoso" o que está a acontecer na Guiné-Bissau, dizem os guineenses radicados em Portugal. Aguardam por uma solução da crise que, para o investigador Paulo Gorjão poderá passar por eleições antecipadas.
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É notório o descontentamento dos cidadãos guineenses na diáspora quando abordados sobre a situação política no seu país de origem. O prolongamento da crise política e o impasse que impera na busca de uma solução deixa os guineenses envergonhados. Foi este sentimento que a DW registou no Rossio, na baixa de Lisboa, onde regularmente se concentram grupos de africanos.
Lamine Seidi está "muito descontente". "A Guiné-Bissau está abaixo de todos [os outros países de] África", o que causa "muitas tristezas", diz o guineense.
Lamine Seidi considera que o "Governo trabalha muito mal e os guineenses têm vergonha, muita vergonha". "Nós somos inimigos de nós próprios. E isso é muito triste", desabafa o guineense que está há quatro anos em Portugal, para onde quer trazer a família.
Lamine Seidi veio para Lisboa porque o clima de instabilidade em Bissau não lhe oferece oportunidades de emprego: "lá não tem trabalho, não tem nada agora. É muito difícil viver."
O amigo, que não quis identificar-se, suspira de cansaço quando questionado sobre o que se passa na Guiné-Bissau. Evita falar de política. "O que me está a preocupar é a minha família e a minha vida", sublinha o guineense.
Filipe Mendes vive e trabalha há dez anos em Portugal e sente-se frustrado com atual situação no seu país, "mas ninguém pode fazer nada", lamenta. "Em África, outros países estão a avançar e a Guiné-Bissau também tem que avançar. A situação do país não nos permite regressar", observa Filipe Mendes.
Todos querem que o país avance. Muitos guineenses que deixaram o país por causa da crise política-militar seguem atentos os acontecimentos na Guiné-Bissau. Anseiam pela estabilidade para poderem regressar. Desejam, por isso, uma solução duradoura.
Jomav: o epicentro da crise
Há vários anos que o país convive em clima de instabilidade e falta de consenso entre os atores políticos. A crise ganhou outros contornos depois do Presidente da República, José Mário Vaz, ter demitido o Governo de Domingos Simões Pereira em agosto de 2015.
Face ao ponto a que o país chegou, o investigador do Instituto Português das Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) Paulo Gorjão aponta o dedo ao chefe de Estado. "O Presidente assumiu-se como um foco de instabilidade política, na minha leitura, forçando os poderes que lhe estão garantidos pela Constituição e forçando um papel político que à partida no sistema semi-presidencial não teria. E, portanto, José Mário Vaz tem sido o epicentro desta crise que se arrasta há já longos meses", afirma Gorjão.
A Guiné-Bissau aguarda a nomeação de um novo primeiro-ministro, depois do Presidente ter demitido Baciro Djá, na terça-feira (15.11). No entanto, "mesmo que se consiga chegar – como é natural que se chegue – a uma solução para nomear um novo primeiro-ministro, eu não vejo aqui um solução duradoura ou alguma estabilidade antes de novas eleições, sejam elas as que estão marcadas para 2018 ou aquilo que eu entenderia que seria melhor que seriam eleições antecipadas", diz o analista português.
CEDEAO benevolente com Jomav
Para o investigador IPRIS, a Comunidade Económica e de Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) não tem assumido uma posição isenta e neutral neste último ciclo de instabilidade política.
Segundo Paulo Gorjão, a CEDEAO tem procurado "minimizar a conflitualidade e encontrar uma solução, mas é também uma parte responsável pela situação, na medida em que a Comunidade dá algum respaldo político ao Presidente da República. Em circunstância alguma, do ponto de vista formal e público, até hoje tiraram, de algum modo, o tapete ao Presidente da República."
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O analista considera que foi um erro a demissão do Governo de Baciro Djá. "Nada mudou, apenas se consumiu mais tempo", explica. "Esta solução não tinha qualquer tipo de viabilidade", acrescenta.
"A solução só será encontrada quando se alterarem os equilíbros do poder interno na Guiné-Bissau e isso faz-se de uma maniera única, que é através de um novo ato eleitoral, que ou dará razão às posições do Presidente ou dará maior razão e legitimará as posições de Domingos Simões Pereira e do PAIGC - o que eu acho que é mais provável . É só assim que esta crise se resolverá", sustenta Paulo Gorjão. Contudo, "o argumento de que não existe dinheiro [para realizar eleições] é favorável às posições do Presidente da República", acrescenta.
"A necessidade de encontrar alguém de consenso é terrivelmente difícil no contexto da Guiné-Bissau", reforça o investigador. Paulo Gorjão está pessimista. Acredita que, independentemente de quem vier a ser escolhido para novo primeiro-ministro, o cenário de crise vai continuar, adiando-se apenas a solução que, a seu ver, passa por novas eleições.
Eleições gerais na Guiné-Bissau, um marco de esperança
As eleições gerais (presidenciais e legislativas) de domingo, dia 13 de abril de 2014, na Guiné-Bissau decorreram sem incidentes até ao encerramento das urnas às 17 horas.
Foto: DW/João Carlos
Primeira votação desde o golpe de Estado de 12 de abril de 2012
As eleições gerais (presidenciais e legislativas) deste domingo (13.04.) na Guiné-Bissau decorreram sem incidentes até ao encerramento das urnas às 17 horas. Segundo a Comissão Nacional de Eleições, CNE, a taxa de participação no escrutínio foi de 79,4%, a mais alta da história do país.
Foto: SEYLLOU/AFP/Getty Images
Guineenses elegem um presidente e 102 deputados
Mais de 770.000 cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais escolheram entre 13 candidatos presidenciais e 15 partidos a concorrerem à Assembleia Nacional Popular. De acordo com as diferentes missões de observação eleitoral, tanto na capital como no interior foram detetados apenas pequenos problemas que não afetam a votação. A CNE deverá apresentar os resultados definitivos dentro de uma semana.
Foto: SEYLLOU/AFP/Getty Images
Quem for eleito "deve ser abraçado por todo o povo", diz Chissano
O ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano (à esq.) pediu aos guineenses que estejam prontos para aceitar com "calma" os resultados das eleições gerais. De acordo com o chefe da missão de observadores eleitorais da União Africana, estavam reunidas todas as condições para a realização das eleições na Guiné-Bissau. A UA tem uma equipa de cerca de 60 pessoas a acompanhar as eleições gerais no país.
Foto: DW/Braima Darame
"Paz, paz" foram as palavras do chefe das forças armadas guineenses
O general António Indjai, que liderou o golpe de Estado que em 2012 interrompeu as eleições presidenciais na Guiné-Bissau, lançou pombas brancas depois de votar este domingo em Bissau. Para as eleições, Indjai trocou o uniforme por uma túnica branca. A impunidade do exército é considerado um dos grandes problemas do país e uma reforma é considerada tarefa urgente do novo Presidente.
Foto: DW/Braima Darame
Bissau parou no último dia de campanha eleitoral
Na sexta-feira (11.04.), comércio e instituições da capital guineense fecharam as portas durante a tarde e milhares de cidadãos saíram às ruas para celebrar a democracia. De forma a evitar confrontos entre apoiantes dos diferentes candidatos e partidos, mais de 2.000 homens das forças de defesa e segurança garantiram a segurança através de barreiras entre os espaços ocupados pelos candidatos.
Foto: DW/Braima Darame
Campanha marcada por "desobediência à disciplina dos partidos"
As clivagens no seio dos partidos guineenses foram notórias durante a campanha eleitoral: tanto dirigentes, como militantes dos diferentes partidos apoiaram candidatos de outros quadrantes. Nos comícios viram-se também apoiantes com adereços do partido que apoiam nas legislativas e com material de um candidato presidencial de outra força. A dissidência foi mais vincada entre os jovens.
Foto: DW/Braima Darame
Ramos-Horta pediu ao partido vencedor que inclua as outras forças políticas
Para José Ramos-Horta, desde o golpe de Estado de abril de 2012 na Guiné-Bissau passaram dois anos difíceis em que se abriram muitas feridas. Segundo o representante da ONU em Bissau, as sanções impostas ao país só poderão ser aliviadas através de “um ato eleitoral que não deixe dúvidas à comunidade internacional” quanto à sua transparência.
Foto: DW/Márcio Pessoa
Amos Sawyer quer integração e desenvolvimento sustentado na Guiné-Bissau
O chefe da missão de observadores eleitorais da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, CEDEAO, pediu aos líderes dos partidos guineenses que estejam “prontos para fazer sacrifícios em prol do país”. O ex-Presidente interino da Libéria lidera a missão de 220 observadores que a CEDEAO enviou para acompanhar as eleições gerais na Guiné-Bissau.
Foto: DW/Márcio Pessoa
Serifo Nhamadjo quer "o mundo a aplaudir as eleições" na Guiné-Bissau
Numa mensagem aos guineenses no último dia de campanha, o presidente de transição apelou à participação em massa no escrutínio: "o mundo está de olhos postos em nós”, disse Nhamadjo, referindo que a população deve votar “em liberdade e consciência”. As eleições são um dos últimos passos no período de transição política que o país vive desde o golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
Foto: SEYLLOU/AFP/Getty Images
Morte de Kumba Ialá gerou preocupação entre políticos e população
De acordo com fontes familiares, Kumba Ialá morreu devido a doença cardíaca a 4 de abril passado. Segundo o seu médico particular e sobrinho, Kumba "pediu para ser sepultado só depois da vitória de Nuno Gomes Nabiam", candidato presidencial que apoiava. Recentemente, o representante da ONU em Bissau, José Ramos-Horta, apelou para que “não haja aproveitamento político” da morte do ex-Presidente.
Foto: DW/B. Darame
Cidadãos guineenses na diáspora depositam confiança nos seus futuros governantes
Apesar de reclamações pela lentidão com que decorreu a votação por limitação de urnas, a comunidade guineense em Portugal participou com entusiasmo nas eleições. Os futuros dirigentes da Guiné-Bissau terão a responsabilidade de criar condições para o regresso dos que foram obrigados a deixar o país devido à instabilidade política.