O secretário-geral da ONU chama a atenção para as sucessivas “discriminações e abusos contra minorias” que acontecem em todo o mundo. Para António Guterres, a prevenção é a prioridade.
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O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou esta segunda-feira (27.02), na abertura da 34.ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos (CDH), em Genebra, na Suíça, que o "desrespeito pelos direitos humanos é uma doença" que se está a espalhar pelo mundo e que o CDH "deve ser parte da cura".
Naquela que foi a sua primeira intervenção no CDH da ONU, António Guterres chamou a atenção para os sucessivos casos de violação de direitos humanos a acontecer um pouco por todo o globo.
Dando conta que o "mundo está a tornar-se mais perigoso, menos previsível e mais caótico", o português asseverou que "cada vez mais, vemos violações de direitos humanos como sinais de crises e abusos cometidos por extremistas".
Para António Guterres, "se queremos mesmo responder a estes desafios, temos de fazer da prevenção a nossa prioridade, atacar as causas dos conflitos e reagir mais atempada e eficazmente na resposta às preocupações com os direitos humanos".
Combate à tortura e à pena de morte
Na sua declaração, António Guterres apelou também ao combate à tortura e à pena de morte. Segundo o secretário-geral da ONU, "devemos resistir a apelos para restaurar a tortura. A tortura é cobarde, não produz qualquer informação útil e envergonha qualquer país que a inflige. De forma semelhante, vamos trabalhar juntos para fazer retroceder esforços para restaurar a pena de morte”.
Na mesma ocasião, Guterres alertou ainda para o "fenómeno perverso do populismo, do extremismo, a alimentarem-se mutuamente, num frenesim de crescente racismo, xenofobia, antissemitismo, ódio anti-muçulmano e outras formas de intolerância".
Há discriminações e abusos contra minorias, comunidades indígenas e membros da comunidade LGBT em todo o mundo, avisou, enquanto "os direitos de refugiados e migrantes estão sob ataque".
Face a esta realidade, entende António Guterres, é dever da comunidade internacional ter um papel mais ativo. "Com tantas pessoas a fugir da guerra, a comunidade internacional não se pode eximir às suas responsabilidades. O nosso desafio não é o de partilhar o fardo, mas de partilhar a responsabilidade", defendeu.
Novas propostas
Guterres voltou a acentuar a necessidade de "total participação de mulheres e raparigas", reiterando o compromisso de definir um "roteiro claro para alcançar paridade de género no sistema" das Nações Unidas.
"Vou propor à Assembleia Geral novos passos ambiciosos para ajudar a acabar com a exploração sexual e abuso cometidos sob a bandeira das Nações Unidas", acrescentou.
Guterres, que durante dez anos foi alto comissário das Nações Unidas para os refugiados, lançou ainda um "apelo especial à proteção dos direitos das crianças", recordando que mais de metade dos refugiados no mundo são crianças, "as mais indefesas no mundo".
Aos defensores dos direitos humanos, António Guterres deixou uma mensagem: "As Nações Unidas e eu estamos do vosso lado".
Recordou também os estados-membros da sua responsabilidade em garantir que os defensores dos direitos humanos "podem atuar sem receio de intimidações".
Líbia pede fim da proliferação do uso de armas
Na mesma ocasião, Fayez al Serraj, presidente do Governo líbio apoiado pela ONU, relembrou a comunidade internacional que os avanços que dizem respeito aos direitos humanos no seu país estão condicionados. "Qualquer progresso em matéria de direitos humanos ou do Estado de direito está sujeito à estabilidade e ao progresso nas frentes políticas e de segurança", afirmou Al Serraj, acrescentando que a estabilidade neste território requer que se ponha fim à "proliferação descontrolada e ao uso de armas, bem como às atividades de grupos armados e ao crime organizado".
Admitindo que continuam a ocorrer na Líbia "muitas violações dos direitos humanos, incluindo desaparecimentos forçados e tortura”, Fayez al Serraj afirmou que se está a fazer o "possível para chegar a uma solução política global".
Portugal chama a atenção para realidade no Sudão do Sul
Também o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, apelou à "total abolição" da pena de morte. "Portugal rejeita todas as motivações e argumentos que tentam justificar a aplicação da pena de morte. Apelamos aos países 'retencionistas' para que estabeleçam uma moratória 'de facto' como um primeiro passo para a total abolição da pena de morte", afirmou.
Santos Silva lembrou aguns casos de "violações e abusos dos direitos humanos e da lei humanitária internacional", entre eles, a "deterioração da situação dos direitos humanos no Sudão do Sul, onde se regista violência sexual e assassinatos por motivos étnicos, e que exige um escrutínio próximo da comunidade internacional".
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.