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"Há eletricidade mas não há água" - pescadores de São Tomé

Jorge Bravo16 de fevereiro de 2015

A pesca é a fonte de rendimento para boa parte da população de São Tomé e Príncipe. Mas muitos pescadores têm uma vida difícil e há quem abandone a atividade piscatória.

Praia Gamboa na Ilha de São ToméFoto: Jorge Jorge

Valdemiro Moniz vive na Gamboa, a mais importante comunidade piscatória do país, não muito distante do aeroporto de São Tomé. O caminho até sua casa está cheio de lama. A sua casa é simples, foi construída em madeira. Ao lado jazem tábuas que poderão vir a ser usadas. A construção foi feita com a ajuda de amigos e conhecidos, paga com almoços e jantares. Aqui têm de ser uns para os outros.

Apesar de não ser um palácio, a sua casa é mais confortável e segura do que as dos "antigos", como chamam aqui aos mais velhos. Antigamente as casas eram de palha e folhas de coqueiro, chamavam-se cabanas. No presente, constroem-se casas em madeira. Apesar de contribuir para a destruição da floresta tropical, tem vantagens inequívocas face à palha que, com o tempo, apodrecia com a humidade. As placas de zinco do telhado são mais resistentes que as folhas de coqueiro e sempre se poupa o trabalho sazonal de as trocar.

"Há eletricidade mas não há água"

A maioria dos pescadores da ilha usa barcos pequenosFoto: Jorge Jorge

Valdemiro prepara-se para o futuro. No interior de sua casa está tudo pronto para quando tiver água canalizada. Só falta o Estado ligar as suas fundações à rede pública de saneamento. "Há eletricidade mas não há água." Valdemiro lamenta, tal como mais de metade da população de São Tomé e Príncipe, não ter acesso nem a água nem a esgotos. O chafariz mais próximo da casa de Valdemiro é aberto, em média, três dias por semana. Tomam banho em casa, com a água de uma bacia, mas "só as crianças tomam banho de água quente, com aquecimento a lenha". Num país tropical é um problema secundário, afirma o pescador. Acrescenta que por necessidade acaba por usar o rio.

Entre os pescadores, o acesso a água potável em casa resume-se a três por cento, segundo um estudo da ONG ambientalista Marapa, que trabalha de perto com pescadores. Em contraste com o acesso a água, quase metade dos pescadores tem eletricidade em casa, 45 por cento através do Estado e quatro por cento através de geradores próprios, segundo dados da Marapa. Valdemiro mostra orgulhosamente a sua televisão a funcionar, tem colunas e leitor de DVD. A modernidade dos equipamentos destoa do aspeto rústico das tábuas que são as paredes de sua casa.

Falta de instalações para conservar o pescado

Quase todo o peixe é consumido fresco, pois falta equipamento de conservaçãoFoto: Jorge Jorge

As canoas não têm refrigeração a bordo. Quando há muito peixe e não há forma de o conservar têm de se desfazer dele: "às vezes deitamos fora", confidencia. Para o pescador, é um problema de investimento governamental em infraestruturas de conservação e refrigeração. O processamento de peixe e apoios à pesca artesanal deveriam ser de interesse nacional e não só da população piscatória, diz.

A pesca é responsável pelo sustento direto e indireto de 30 por cento da população. O peixe corresponde a 70 por cento das proteínas animais consumidas e é determinante para a segurança alimentar do país insular.

Emprego, instabilidade e biscates

Valdemiro é pescador, mas só nos dias em que o dono do barco precisa dele. Lamenta não ter emprego fixo. Os seus rendimentos oscilam como as ondas do mar. A sua sorte é fazer uns biscates por fora, "às vezes sou motorista de táxi", sempre permite ter um rendimento extra. A sua horta complementa as suas necessidades de sobrevivência, garante que "sustento nunca falta".

Para saírem para o mar, o barco precisa de levar uma boa quantidade de combustível. Saem sem garantias que conseguirão apanhar alguma coisa. O balde é a medida pela qual chegados a terra firme venderão a pescaria, o que não for vendido, matará a fome à família. Valdemiro esclarece que "por vezes ganhamos muito mais do que um milhão de dobras numa semana, outras vezes quase nada". Um milhão de dobras equivale a 40 euros, um salário mínimo, em São Tomé e Príncipe.

Abandono da pesca

Hotel em São Tomé: turismo é alternativa à pescaFoto: DW

Yazalde Fonseca é de uma família de pescadores, mas preferiu um trabalho como segurança numa pensão turística, com um rendimento fixo, ao invés de ir ao mar. Garante Yazalde que "quando se ganha mais, gasta-se mais, quando se ganha menos gasta-se menos". Ele prefere a certeza de um pequeno salário ao risco: "vive-se um dia de cada vez, não se economiza para quando há menos. Há momentos em que um pescador pode ganhar para dois ou três dias, outras vezes vem sem nada".

"A pesca podia ser uma grande fonte de rendimento para São Tomé, seria um dos caminhos para o desenvolvimento do país", diz Yazalde. Esclarece que as canoas de madeira não têm como conservar o peixe em alto-mar e lamenta que a falta de infraestruturas para a conservação do peixe dificulte a sua exportação.

A ameaça dos navios estrangeiros

Valdemiro já ouviu falar dos acordos de pesca com a União Europeia e as respetivas compensações financeiras pela autorização dos barcos pesqueiros comunitários navegarem nas águas territoriais de São Tomé, mas afirma que "esse dinheiro, o povo não vê". O que Valdemiro vê é a ameaça dos arrastões estrangeiros. Duvida da capacidade do Governo de fiscalizar os navios estrangeiros.

Passar a pesca para gerações futuras

Os filhos de Acácio de vinte e dezassete anos, pescam com ele. O pescador tem a esperança que possam vir a pescar num barco maior, mais seguro, e que possam ter um maior rendimento.

Yazalde diz que "quando um filho tem 13, 14 anos, o pai leva-o à pesca e vai aprendendo". As filhas, por norma, não vão à pesca, ser pescador é um trabalho de homens. Ressalva que "os pescadores apostam na educação dos filhos" e explica que "se, para aqueles que sabem ler, a vida é difícil, para aqueles que não sabem, é pior".

Pescadores no Atlântico, perto da Praia GamboaFoto: Jorge Jorge

Esta produção só foi possível realizar graças ao programa de formação jornalística Beyond Your World, que é financiado pela Comissão Europeia e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros holandês.

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