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PolíticaEtiópia

Há hipótese de paz na Etiópia?

Martina Schwikowski
5 de novembro de 2021

Enquanto a guerra civil da Etiópia cresce em virulência, os opositores políticos do primeiro-ministro Abiy tentam forjar uma aliança para assegurar uma "transição segura". Mas o diálogo nacional permanece uma quimera.

Foto: Ben Curtis/AP Photo/picture alliance

"A situação na Etiópia é muito crítica. Este é provavelmente o momento mais perigoso que o país atravessa em décadas", disse à DW Murithi Mutiga, pesquisador do instituto International Crisis Group (ICG). Para o analista baseado em Nairobi, no Quénia "o problema principal é que todas as partes estão apostadas numa resolução militar do conflito". Mutiga considera que as forças tigré "estão determinadas a dar o passo decisivo que poderá levar ao fim do cerco da região Tigray ou ao colapso do Governo Abiy", nomeadamente conquistar a capital, Adis Abeba.

O Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed intensificou a retórica bélica. Face a um possível avanço das forças tigré sobre Adis Abeba, o governante apela ao armamento geral da população. Observadores constataram que inúmeros jovens estão a ser recrutados à força e que membros da etnia tigré que residem na capital são detidos na calada da noite sem culpa formada.

"Abiy bem que pode exilar-se"

Há exatamente um ano rebentou o conflito armado pela região norte do país entre o exército governamental e as forças tigré, o braço armado da Frente de Libertação Popular de Tigray (TPLF). Ambos os lados viram as suas fileiras aumentar com combatentes voluntários. O TPLF conta ainda com o apoio do Exército de Libertação Oromo (OLA) e vai dando conta de conquistas territoriais no seu avanço sobre a capital.

Analistas vislumbram o fim da carreira política do primeiro-ministro Abiy Ahmed (sem máscara) Foto: Ethiopian Prime Ministry Office/AA/picture alliance

Esta sexta-feira (05.11), a TPLF e o OLA anunciaram uma aliança com sete outros grupos da oposição com o objetivo de "inverter os efeitos nocivos" do Governo Abiy e assegurar uma "transição segura" no país. Esta semana, o primeiro-ministro Abiy Ahmed, galardoado com o Prémio Nobel da Paz em 2019 como reconciliador no Corno de África, declarou o estado de emergência e descreveu os líderes da TPLF como "terroristas", "cancro" e "ervas daninhas". Um apelo lançado na plataforma social online Facebook para "enterrar" os combatentes que avançam sobre a capital foi ontem apagado pela empresa.

Haverá alguma esperança de negociações entre os arqui-inimigos? Impossível, acredita o investigador de paz norueguês, Kjetil Tronvoll.

"Não vai haver uma transferência negociada de poder. O conflito pode eternizar-se", disse o pesquisador à DW. A TPLF não tem interesse em assumir o poder em Adis Abeba por meios políticos. O que lhe importa é derrubar Abiy e concluir um acordo de transição nas próximas semanas, disse Tronvoll, acrescentando que este é o fim da carreira política de Abiy: "É bem possível que venha a exilar-se".

A vontade de vencer

O académico não considera que o combate seja um desafio para as forças do governo regional do Tigray e acredita que elas poderão alcançar Adis Abeba dentro de uma semana. Segundo Tronvoll, o sucesso dos insurgentes resulta do erro cometido por Abiy na forma como lidou com o Exército nacional. Este era, há muito, dominado pela etnia tigré. "Quando chegou ao poder, Abiy mandou prender 17.000 soldados e oficiais da cadeia de comando do Exército governamental. Desarmou o seu próprio Exército, porque, como membro da etnia oromo, sentia que não podia confiar nos soldados". Hoje, as unidades de combate estão em permanente desacordo.

Uma guerra que não pode ser ganha pela força da armasFoto: Eduardo Soteras/AFP

As forças tigré têm um elevado nível de disciplina, são "pessoas formadas, não são camponeses como na guerra da resistência no passado. São médicos e académicos que acreditam na sua luta", realça Tronvoll. Além de que estão preocupados com a sobrevivência das suas famílias.

Perante esta situação, os esforços internacionais chegam muito tarde. Acresce que "a maioria dos diplomatas desconhece a complexidade da Etiópia, do seu povo, e os estados de espírito das partes", diz o pesquisador.

Diplomacia falhada

O pesquisador norueguês é secundado por Bayisa Wak-Woya, ex-oficial das Nações Unidas na Etiópia. Muitos diplomatas desconhecem as diferentes tradições e culturas da nação e por isso falham nos seus esforços de mediação, disse.

Admitindo ser muito difícil verificar independentemente o que se passa na frente de guerra por causa da falta de transparência, Wak-Woya diz que as guerras civis são diferentes das guerras de agressão. A soberania do Estado não serve de argumento: "O que para uns são violações dos direitos humanos, para outros são passos necessários para manter a lei e da ordem". O que torna muito difícil encontrar uma saída do conflito sem perda de cara para nenhum lado.

Wak-Woya aconselha que os poderes externos se abstenham de tomar partido e que exerçam pressão igual sobre todas as partes em conflito. "As conversações diplomáticas não deram frutos até agora, porque a comunidade internacional começou por condenar as partes. Não é um bom começo". Mas Wak-Woya ainda tem esperança de que a região possa ser pacificada.

O sofrimento da população civil parece não entrar na equação dos senhores da guerraFoto: AP Photo/picture alliance

Os peritos confirmam que estão a ser feitos esforços consideráveis pela comunidade internacional para preparar negociações. Mas é necessária discrição para não colocar em risco potenciais sucessos. Os políticos e burocratas estão a consultar cientistas para entender a situação bastante complexa.

Diálogo como única solução

Wolbert Smidt, etno-historiador e especialista da Etiópia, explica que o conflito teve origem no final do século X, quando a Etiópia em expansão procurou integrar territórios vizinhos de organização linguística, étnica e cultural muito diversa. Os territórios regionais atuais não estão em pé de igualdade política, existem fossos na educação, riqueza, acesso ao poder e conhecimento.

A guerra civil atual é um sintoma destas marginalizações de longa data. "Há que iniciar um diálogo para descobrir o que é que as populações ainda têm em comum", disse Smidt à DW. Mas primeiro tem de haver clareza sobre a situação militar, não se pode impor reformas à força.

Smidt vê um diálogo nacional com todos os grupos étnicos e político-regionais como a única solução para a paz. Para isso é necessário que se calem as armas.

"Nenhuma reforma, por mais idealista que seja, pode funcionar se os atores centrais não forem integrados". Este processo político desmoronou há anos. "O que significa que, a curto prazo, a nossa única opção é parar a guerra para estabelecer um Governo de transição. Só nesta base poderá ser criado um processo de paz duradoiro".

 

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