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História

"Há novos colonos em São Tomé", diz Filinto Costa Alegre

Edlena Barros (São Tomé)24 de setembro de 2014

Filinto Costa Alegre, um dos fundadores da Associação Cívica Pró-MLSTP, define-se como "um combatente da liberdade". Foi este o espírito que o motivou a querer servir o país e a libertá-lo do jugo colonial português.

Foto: DW/E. Barros

Desde muito cedo, Filinto Costa Alegre ouviu e participou, como espectador atento, de pequenos grupos onde se discutia a independência de São Tomé e Príncipe. A sua consciência nacionalista foi-se moldando.

Motivado pelos acontecimentos registados um pouco por toda a África, abandona os estudos universitários em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974, para formar, juntamente com outros estudantes, a Associação Cívica Pró-MLSTP, a pedido do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP).

Com a Associação Cívica ajudou o movimento a afirmar-se como legítimo representante dos são-tomenses. Mas antes de 12 de julho de 1975, dia da independência de São Tomé e Príncipe, é expulso com outros colegas e acusado de ações que até hoje refuta. Filinto Costa Alegre consola-se presenciando a independência de Moçambique e de Angola, mas a mágoa continua.

DW África: O massacre de 1953 é visto como um marco do surgimento do nacionalismo são-tomense. Até que ponto este massacre foi decisivo para formar uma consciência de libertação em São Tomé e Príncipe?

Filinto Costa Alegre (FCA): No processo nacionalista pode-se distinguir vários momentos e entre eles está o pós-1953. Antes disso, na agenda dos nacionalistas o que prevalecia eram reivindicações sociais, mais ou menos igualitárias. Pensava-se que se podia ser português de segunda, ou algo do género, e que se podia reivindicar direitos sociais, melhor trabalho e melhores salários. O massacre de 1953 teve a virtude de deixar claro que havia que separar completamente as águas e lutar pela afirmação de uma identidade que fosse distinta do opressor. A partir daí é que podemos falar de um movimento nacionalista de cariz independentista.

DW África: Quando é que decide passar de uma fase mais passiva para uma mais ativa?

FCA: O movimento e as ideias nacionalistas eram mais partilhadas pelas pessoas. No terreno, não se passava da fase de mobilização das pessoas ou mobilizava-se apenas um grupo muito restritos. Era um movimento absolutamente fechado. O controlo era muito grande e a repressão bastante feroz.

"Há novos colonos em São Tomé", diz Filinto Costa Alegre

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Por isso, enquanto vivemos cá em São Tomé e Príncipe partilhávamos esse conhecimento, buscávamos informações nas rádios que se difundiam naquela altura, como “Angola Combatente”, por exemplo, mas não havia uma exteriorização evidente. Quando partimos para continuar os nossos estudos fora criam-se outras oportunidades de se partilhar essas ideias, de se conhecer outras realidades, conviver com gente que vinha das outras antigas colónias, como Moçambique e Angola. Quando começamos a estudar em Portugal criaram-se novas oportunidades. Foi uma evolução natural. A partir daí começamos a ver as coisas sob outros prismas, a discutir como é que seria possível implantarmos o verdadeiro movimento nacionalista em São Tomé e Príncipe.

DW África: E a Associação Cívica Pró-MLSTP surge, então, para fazer no terreno aquilo que o CLSTP (Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe) não conseguia fazer?

FCA: Sim. A Associação Cívica Pró-MLSTP é o primeiro movimento nacionalista implantado em São Tomé e Príncipe. Foi algo que criamos depois do 25 de Abril de 1974, em perfeita sintonia com a direção do movimento, que nessa altura se encontrava em Libreville (Gabão). Foi a melhor forma que encontramos, nós os que regressamos ao país, e implementamos estas ideias. Os que estavam fora é que constituíam então a direção do movimento. No fundo, o objetivo era criar um braço legal, uma vez que no começo da democracia portuguesa havia muita confusão em relação ao futuro das colónias e havia ainda uma situação dúbia. O aparelho repressivo estava ainda completamente montado em São Tomé e Príncipe.

Portanto, achou-se por bem que nós, como éramos mais jovens e assumíamos riscos muito mais facilmente, poderíamos regressar e dar corpo a essa ideia. E foi o que fizemos. Chegámos, criámos o movimento, fizemos a mobilização. E estou convencido que ninguém negará que terá contribuído quase que decisivamente para que o MLSTP fosse reconhecido pelas autoridades portuguesas como legítimo representante do povo são-tomense para que se negociasse a transição do poder com o MLSTP e se assinasse o Acordo de Argel, que foi a antecâmara da nossa independência. Abriu portas para o Governo de transição que se instalou a 21 de dezembro de 1974 e que previa como data de independência o dia 12 de julho de 1975.

Roça em São Tomé e Príncipe no tempo colonialFoto: casacomum.org/Ana, Luís e Pedro Nogueira de Lemos

DW África: Se existia essa máquina opressora com é que foi possível a Associação Cívica Pró-MLSTP fazer o seu trabalho de mobilização no terreno?

FCA: Havia o aparelho montado, mas já não tinha a retaguarda pois a situação já tinha mudado em Portugal e havia uma turbulência muito grande. Mesmo os autores da repressão não estavam tão fortes como seria em outras ocasiões. Nós sabíamos que iríamos enfrentar um poder sério. O que fizemos desde o início foi criar um contra-poder, criar condições para que pudéssemos falar e enfrentar aquilo que estava estabelecido enquanto sistema colonial operante. E atacamos o sistema nas suas bases fundamentais. Fomos inviabilizando o sistema que estava montado. Não deixar que as roças continuassem a produzir para sustentar toda máquina colonial foi uma das nossas preocupações. Outra foi multiplicar os problemas aos colonos a todos os níveis para que eles se dispersassem.

DW África: Foi essa não compreensão e voltar aos antigos clichés que causaram a rutura entre a Associação Cívica e o MLSTP?

FCA: Não. O que houve entre a Associação Cívica e o MLSTP foi uma luta pelo poder. Nós é que fizemos toda a divulgação. Ninguém conhecia, apenas meia dúzia de pessoas tinham ouvido falar de Manuel Pinto da Costa, Miguel Trovoada, esses rapazes que estavam lá fora e que eram os dirigentes do MLSTP.

Filinto Costa Alegre define-se como "um combatente da liberdade"Foto: DW/E. Barros

E fomos nós que viemos para aqui e tornámo-los pessoas “conhecidas” pois fizemos toda a propaganda para eles. E, no fundo, as pessoas só nos conheciam a nós e por interposição nossa é que conheciam os outros. Tinha chegado mais ou menos o momento deles entrarem no país e começaram a surgir algumas fricções sobre o que se devia fazer ou não.

Como nesse processo de independência tínhamos criado muitos inimigos, porque fizemos calar muitos grupos que tinham ideias de federalismo e associação com Portugal e fizemos com que todos só falassem da independência, essa gente estava à espera de uma revanche para se virar contra nós.

E a direção o MLSTP de então se tinha uma grande astúcia era precisamente na gestão desses problemas. Associaram-se ao poder colonial e a outros indivíduos descontentes para se verem livres de nós e não partilharem o poder que eles pensavam que nós queríamos. Foi uma luta pelo poder e nada mais do que isso.

DW África: Mas nunca houve, da vossa parte, vontade de subir ao poder?

FCA: Eu só posso falar por mim e por mais alguns e o que prevalecia para nós era a vontade de servir o nosso país, a nossa causa. Quando viemos e criámos a Associação Cívica ainda não tínhamos recursos. Éramos cerca de 20 jovens a estudar em universidades portuguesas. Como não havia dinheiro, dez foram dar aulas no liceu e outros dez ficaram totalmente virados para a mobilização política.

No final do mês, os dez que foram dar aulas traziam o seu salário e distribuíamos entre os 20 igualmente. Não estávamos preocupados com essas questões que nos imputavam. Nunca pensamos tirar vantagens da situação. Quando criamos a Associação Cívica nós é que comandávamos em São Tomé e Príncipe. Até mesmo o alto-comissário muitas vezes quando queria fazer algo tinha que chegar a um acordo com a Cívica.

DW África: Depois de todo o trabalho de mobilização que tiveram, qual foi o sentimento ao estarem longe do país no dia 12 de julho de 1975?

FCA: Foi muito doloroso. Todos nós vamos morrer com essa mágoa. Mas eu assisti à proclamação da independência de Angola e de Moçambique. Era uma espécie de compensação. Quando Samora Machel declarou a independência de Moçambique no Estádio da Machava estávamos presentes. Quando Agostinho Neto proclamou a independência de Angola, na Praça Primeiro de Maio, também estávamos lá. Foi uma espécie de compensação por não termos assistido à independência do nosso país. Foi triste, vivemos com essa mágoa, mas está ultrapassado.

Mário Soares encontrou-se com Samora Machel em Lusaca (1974) para negociar a independência de MoçambiqueFoto: casacomum.org/Arquivo Mário Soares

DW África: Essa saída foi um tanto ou quanto forçada...

FCA: Forçada, não. Fomos expulsos de São Tomé e Príncipe pelos dirigentes de então do MLSTP, pela polícia, pelos militares e por todo o aparato repressivo. Tínhamos que sair porque eles montaram um sistema em que passamos a ser identificados como inimigos disso e daquilo. Tão simples quanto isso. Nós, os que tínhamos vindo de fora, fomos todos expulsos. Mas alguns regressaram pouco tempo depois, pois decidiram alinhar-se no MLSTP. Vieram e prestaram vassalagem aos dirigentes se então, foram aceites e integrados e continuaram no MLSTP. Alguns de nós, que nunca aceitamos assumir culpas que não tínhamos, ficamos excluídos até encontramos o nosso próprio caminho.

DW África: Hoje voltaria a fazer tudo o que fez e do mesmo jeito que quando assumiu a Associação Cívica Pró-MLSTP?

FCA: Não há a mínima dúvida disso porque eu até agora considero-me um combatente da liberdade. Não sei se o país estará mais liberto do que estava em 1973/74 durante a ocupação colonial. Há novos colonos que estão a colonizar o nosso país, colonos nacionais. E é preciso que nos libertemos desta elite que é muito perniciosa para o país e que tem feito muito mal a este país.

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