Os confrontos entre o exército e os paramilitares no Sudão não dão trégua. Desde sábado, mais de 185 pessoas morreram e 1.800 ficaram feridas, segundo a ONU. Uma comitiva diplomática dos EUA foi atacada na segunda-feira.
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Uma comitiva diplomática dos Estados Unidos no Sudão foi atacada na segunda-feira (17.04), mas ninguém ficou ferido, disse o secretário de Estado Anthony Blinken. "Todo o nosso pessoal encontra-se são e salvo", mas este é um "ato irresponsável", acrescentou.
Na noite passada, o embaixador da União Europeia (UE) também foi atacado na sua residência. A informação foi avançada através da rede social Twitter pelo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, sem avaçcar detalhes.
Nos últimos três dias, as batalhas alastraram-se a várias regiões sudanesas há relatos de ataques aéreos na capital, Cartum. Segundo os mais recentes números da ONU, mais de 185 pessoas morreram e 1.800 estão feridas.
A crescente violência eclodiu após semanas de uma luta pelo poder entre o exército comandado pelo governante do Sudão, o general Abdel-Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF), lideradas pelo general Mohammed Hamdan Dagalo, também conhecido como "Hemeti".
Haverá indícios de que se está perante a eclosa uma guerra civil no país? "Isto não é, de forma alguma, uma guerra civil", responde Marina Peter, presidente do Fórum alemão do Sudão e do Sudão do Sul.
"A sociedade civil sempre tentou pressionar por reformas democráticas e tem continuado com os seus protestos. Disseram desde o início que enquanto os militares ou as Forças de Apoio Rápido estiverem no poder, nunca haveria paz ou democracia. Agora os movimentos civis estão no meio desta luta", explica.
"A chave da Rússia para África"
Após um golpe militar em 2021, o Sudão foi governado pelo chamado Conselho Soberano Transitório sob a liderança de Burhan, tendo Hemeti como presidente adjunto. Embora alguns analistas considerem que a aliança entre os dois homens nunca tenha sido estável, Burhan e Hemeti continuam ligados pelo medo de serem responsabilizados pelas suas ações, considera a analista.
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"Ambos têm antecedentes militares. Embora de formas diferentes, ambos são protegidos do [antigo governante] Omar al-Bashir, deposto [em 2019 após três décadas no poder]", recorda Marina Peter.
Além disso, é provável que os rivais estejam preocupados com o controlo dos ricos recursos naturais do país.
Em 2017, o então ditador al-Bashir, durante uma reunião com o Presidente russo, Vladimir Putin, prometeu que "o Sudão poderia se tornar a chave da Rússia para África”.
Naquela altura, a empresa russa M-Invest recebeu direitos mineiros para explorar minas sudanesas. Mas segundo o Departamento do Tesouro dos EUA, esta é uma empresa de fachada do Grupo Wagner. Agora, as minas estão a ser exploradas pelas forças paramilitares em conjunto com a russa M-Invest.
Egito não interfere no conflito
Outros países também têm interesses no Sudão. O governo egípcio, por exemplo, prefere um Governo autocrático sob a liderança de Burhan e por isso apoia-o, de acordo com a analista Marina Peter. Ao mesmo tempo, o Egito também fornece apoio humanitário ao Sudão, como aconteceu, por exemplo, durante as cheias devastadoras do verão passado.
Na segunda-feira (17.04), o Presidente Abdel Fattah el-Sissi disse que as tropas egípcias no Sudão estão lá apenas para conduzir exercícios com os seus homólogos sudaneses e não para apoiar qualquer uma das partes em conflito. O chefe de Estado disse também que o Egito estava em contacto regular com o exército sudanês e a RSF para os encorajar a chegar a um cessar-fogo.
O rival de Burhan, Hemeti, por outro lado, tem boas relações com a Eritreia e a Etiópia, além do Iémen, onde partes da sua milícia estão ativas. Devido à exploração conjunta das minas de ouro, também tem contactos estreitos com Moscovo.
"Tudo isto explica a ferocidade dos combates", diz Christine Roehrs, chefe da fundação alemã Friedrich-Ebert-Stiftung em Cartum. "Em última análise, ambos os adversários no Sudão estão preocupados com o poder e a influência", diz.
"Também não é claro quem disparou o primeiro tiro e quem provocou quem. O que é claro é que ambas as partes sabem que milhões de sudaneses votaram a favor da democracia e contra o domínio militar na revolução de 2018. Ambos agora ignoram isto, uma vez que se armaram até aos dentes e estão a atacar-se uns aos outros", conclui Roehrs.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.