Há sete anos, vítimas de desalojamentos forçados vivem ao relento em Angola
5 de junho de 2012 A organização não governamental angolana SOS Habitat – Ação solidária, convocou na tarde desta terça feira (05.06), em Luanda, uma conferência de imprensa para informar e denunciar a situação das comunidades vítimas das violações dos direitos humanos em Angola e criticar a impunidade dos autores e mandantes dessas violações
No centro das preocupações esteve a continuação dos desalojamentos forçados dos habitantes de muitos bairros, especialmente na capital, Luanda, mas também em Benguela (oeste) e Huíla (sul). Para a SOS Habitat, há comunidades inteiras que foram desalojadas há cerca de sete anos e que ainda hoje se encontram ao relento e numa situação desumana e degradante.
Rafael Morais, da ONG angolana, diz que a SOS Habitat aproveita o período que antecede as próximas eleições gerais, marcadas para agosto, para denunciar o problema. A organização quer que "os políticos tenham a consciência sobre as suas promessas não cumpridas".
Por outro lado, "pensamos que, depois das eleições, quando os políticos conseguirem os votos, é claro que as demolições e a retirada compulsiva das pessoas dos locais vão recomeçar, aliás como aconteceu em 2008 [data das últimas eleições gerais angolanas]", disse Morais, em entrevista à DW África.
Para o ativista, o governo angolano e o partido governista MPLA poderão decidir entregar algumas casas vagas para pessoas que foram desalojadas, "para anunciar que estão a fazer alguma coisa. O político precisa de votos, mas estaremos atentos", alertou.
380 mil desalojados em todo o país
No que concerne apenas as comunidades com quem trabalha, a SOS Habitat calcula em 380 mil o número de pessoas que se encontram desalojadas em todo o país – porém, poderiam ser mais, de acordo com a ONG.
Segundo Rafael Morais, a tendência é de piora: "Foi realmente surpreendente quando ouvimos falar das casas na nova cidade de Kimbala que iam ser comercializadas uma vez que as vítimas não foram contempladas com alojamentos", relatou.
Morais acrescentou que o governo deveria olhar "com mais atenção para essas vítimas das demolições que, insisto, continuam a viver em condições desumanas. Infelizmente estamos a ver construções de condomínios que até agora não serviram para essas vítimas terem uma habitação condigna", lamenta o ativista da SOS Habitat.
Burocracia estimula ocupações e construções ilegais
A ONG ainda acredita que, atualmente, o governo angolano constrói casas para uma sociedade média, com um relativo poder de compra, onde se enquadra ainda uma minoria de angolanos.
Por outro lado, a ONG angolana afirma que o governo provincial de Luanda tem sido um dos principais incentivadores de ocupações ilegais de terrenos e de construções ilegais. "Os requerimentos entregues nas administrações solicitando lotes para construção de habitações, a burocracia ou a falta de zelo faz com que os cidadãos comecem a construir as casas ou ocupem os terrenos sem respeitar as normas legais", explicou Rafael Morais.
Segundo ele, um requerimento dirigido à administração do Estado fica sete a oito anos à espera de uma resposta e o cidadão não pode construir durante esse período. "Por exemplo, em 2009, o governo provincial ordenou a demolição do antigo bairro Bagdad, onde hoje se encontra em construção um condomínio de luxo. Os antigos moradores foram obrigados a ocuparem ilegalmente outros espaços", disse Morais.
União Europeia de olhos fechados
Várias organizações, nomeadamente a Amnistia International e a Human Rights Watch, têm criticado as ações ordenadas pelas autoridades de Luanda. Essas organizações de defesa dos direitos humanos lamentam que "ninguém tenha sido responsabilizado por essas violações".
Mas é a União Europeia o alvo das críticas da SOS Habitat. "Já estivemos até no Parlamento Europeu para denunciar essas violações em Angola mas até agora pouco ou nada foi feito. Também convidamos, durante uma das demolições, pessoas que fazem parte da diplomacia europeia e que assistiram como o governo estava a demolir e a escorraçar as pessoas dos seus locais de residencia. Isto prova que a UE fecha os olhos a esta situação que se vive em Angola", denunciou Rafael Morais.
Mas, se a situação continuar a piorar, a SOS Habitat – que diz não contar muito com a justiça em Angola, "por [esta] ser débil" – pensa dirigir-se a outras instâncias internacionais, nomeadamente a Comissão Africana.
Por enquanto, porém, a ONG deverá esperar o esgotamento de todas as possibilidades. "Se todas as alternativas a nível interno e internacional esgotarem, então cabe ao povo angolano decidir o que vai fazer porque as vítimas já fizeram tudo que estivesse ao alcance. Mas infelizmente a situação continua inalterada, e isso há já alguns anos", disse Morais.
Autor: António Rocha
Edição: Renate Krieger