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HistóriaÁfrica do Sul

Hamilton Naki: Um inovador na sombra do apartheid

Thuso Khumalo
1 de setembro de 2020

Sem grandes estudos formais e a viver sob o regime do apartheid na África do Sul, Hamilton Naki passou de jardineiro a técnico de laboratório respeitado e conhecido mundialmente. O seu legado sobrevive até hoje.

Projekt African Roots | Hamilton Naki - Porträt

Nascimento: terá acontecido em 1926 na aldeia sul-africana de Centane (situada na atual região do Cabo Oriental). Nascido no seio de uma família pobre, foi obrigado a tomar conta de si próprio muito cedo. Do seu casamento nasceram cinco filhos - quatro rapazes e uma rapariga. Naki morreu de ataque cardíaco no dia 29 de maio de 2005.

Hamilton Naki efetuou transplantes em humanos?

Não. A carreira de Naki desenrolou-se em pleno regime do apartheid. Por isso, como era negro, não foi autorizado a trabalhar nas salas de cirurgia, onde só podiam estar brancos. Na altura, os profissionais de saúde negros eram proibidos por lei a entrar em contacto com pacientes brancos. A contribuição de Naki para a realização de um transplante de coração em humanos foi na preparação e investigação dos novos procedimentos cirúrgicos.

Como é que Hamilton Naki contribuiu para o primeiro transplante de coração?

Hamilton Naki não estava presente quando, a 3 de dezembro de 1967, uma equipa cirúrgica liderada por Christiaan Barnard retirou o coração da dadora falecida Denise Darvall e o transplantou para o recetor Louis Washkansky. Segundo o Museu do Coração da Cidade do Cabo (Heart of Cape Town Museum), criado em homenagem àqueles que tiveram um papel importante no transplante, a carreira de Naki com Chris Barnard começou com a realização de anestesias em animais. A sua performance excecional acabou por levar à sua promoção a assistente cirúrgico principal do laboratório.

Várias fontes afirmam que Hamilton Naki participou no primeiro transplante de coração em humanos. Como se espalharam estes rumores?

Enquanto o apartheid encobria sistematicamente as conquistas da maioria negra do país, a nova África do Sul trouxe consigo o desejo de desvendar estas injustiças. Após a morte de Hamilton, a 29 de maio de 2005, várias publicações de renome publicaram o seu obituário, afirmando que ele participou no primeiro transplante de coração humano da história. No entanto, tiveram de o retificar mais tarde. Em 2009, um documentário intitulado "Hidden Heart" ("Coração Escondido") também insinuou que o papel de Naki poderia ter sido subestimado. Nos últimos anos, os membros da família expressaram a sua indignação alegando que foi Naki quem fez a cirurgia. 

O que diz Christiaan Barnard sobre a contribuição de Hamilton Naki?

Nos seus últimos anos, Christiaan Barnard falou abertamente sobre a grande estima que tinha por Hamilton Naki. Numa entrevista à Associated Press, em 1993, disse: "Se Hamilton tivesse tido oportunidade, provavelmente ter-se-ia tornado um cirurgião brilhante". Em 2001, pouco antes da sua morte, voltou a afirmar ao jornal Daily Telegraph, do Reino Unido, que Naki se tornou "um dos maiores investigadores da época na área dos transplantes cardíacos. Ele tinha melhores competências técnicas do que eu, especialmente quando se tratava de coser. Ele tinha mãos muito boas".

Legado: Em 2002, o ex-Presidente sul-africano Thabo Mbeki concedeu a Naki a Ordem Nacional de Mapungubwe, um prémio atribuído a sul-africanos pelo seu excelente trabalho. Em 2003, recebeu um diploma honorário em Medicina da Universidade da Cidade do Cabo.

Em 2007 foi lançada a prestigiada Bolsa de Estudos Clínicos Hamilton Naki. Inspirada na carreira de Naki, a bolsa foi criada pelo "Netcare Physician Partnerships Trust", para apoiar os sul-africanos desfavorecidos a realizar investigação de alto nível. Na mesma linha, a "National Research Foundation" lançou o Prémio Hamilton Naki, que homenageia pessoas que desenvolvam investigação de classe mundial, apesar dos consideráveis desafios. Em 2017, Salazar Plain, um espaço público situado em frente ao Hospital Christiaan Barnard, na Cidade do Cabo,  foi renomeado em homenagem a Hamilton Naki.

Em 2002, o ex-Presidente sul-africano Thabo Mbeki concedeu a Naki a Ordem Nacional de Mapungubwe

Em entrevista à DW, Anwar Mall, médico investigador da Universidade da Cidade do Cabo, frisa que "Hamilton Naki evoluiu por si próprio, acabando por atingir um nível que lhe permitia preparar um animal para uma cirurgia e até mesmo realizar a operação. Hamilton Naki ensinava técnicas a cirurgiões da Cidade do Cabo e de outras partes do mundo. Por isso, era um homem surpreendente", notou.

Anwar Mall elogia ainda a capacidade de partilha que Hamilton Naki mostrou ter. "Hamilton viveu num centro de acolhimento numa das townships e aprendeu técnicas. Quando lhe perguntaram uma vez como é que aprendeu todas aquelas técnicas, ele disse: "Roubei com os meus olhos". Assim, mesmo sem uma educação formal, conseguiu realizar certas técnicas cirúrgicas em animais e partilhou esse conhecimento com outros. É isto que este homem tem de notável".

Desinformação

No entanto, e como explica o mesmo investigador, Hamilton Naki não poderia ter participado no transplante de coração porque "ele não havia realizado qualquer procedimento em pacientes humanos. Isso seria ilegal, uma vez que não era um médico qualificado", diz Anwar Maal, que acrescenta que, após morte de Hamilton Naki, tem havido alguma desinformação sobre este tema.

O mesmo diz James-Brent Styan, autor do livro "Christiaan Barnard e o primeiro transplante de coração". "As pessoas dizem que, na altura, o seu papel foi ocultado e que, na realidade, ele esteve ativamente envolvido no transplante de coração, nos dias 2 e 3 de dezembro de 1967, mas porque era negro o governo do apartheid escondeu isso. Mas a verdade é que ele não era cirurgião. Ele não tinha habilitações médicas e não havia maneira de poder estar numa sala de operações. É um facto".


Mas a família discorda. Para os entes mais próximos, a versão é a de que Hamilton Naki participou no transplante. Discursando na sessão de abertura da inauguração de um complexo residencial na Cidade do Cabo, a que foi dado o nome de Hamilton Naki, um dos seus filhos insistiu que o pai esteve presente nesta cirurgia, mas que nunca foi reconhecido por ser negro.

"Isso magoou-o muito. Chris Barnard recebeu todos os prémios, mas o meu pai não recebeu nada", contou o seu filho, Thembinkosi Naki.

O parecer científico sobre este artigo foi dado pelos historiadores Lily Mafela, Ph.D., professor Doulaye Konaté e professor Christopher Ogbogbo. O projeto "Raízes Africanas" é financiado pela Fundação Gerda Henkel.

Hamilton Naki: Um inovador na sombra do apartheid

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