Em entrevista à DW África, o jurista Rui Verde afirma que a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos está a perder sua força política, o que poderá pôr em perigo o seu poder económico.
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Nos últimos meses, o Governo angolano anunciou uma série de medidas que prejudicam diretamente os negócios da filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, como a abertura do mercado das telecomunicações e a suspensão de licenças na área diamantífera, por exemplo. Na semana passada, a Procuradoria-Geral de Angola também anunciou investigações sobre a administração de Isabel dos Santos na petrolífera Sonangol.
Em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde afirma que "há um movimento claro em Angola contra Isabel dos Santos, sobretudo por parte do Governo".
DW África: Qual será o futuro de Isabel dos Santos em Angola? Rui Verde (RV): A fortuna de Isabel dos Santos sempre foi uma fortuna política. Por isso a partir do momento em que os ventos políticos mudam, o futuro dela como empresária é zero. Não tem qualquer dúvida sobre isso. Com a situação política que está a orientar neste momento, o centro da fortuna dela é a Galp portuguesa. Neste momento a Sonangol já contesta a posição dela na Galp e diz que ela lhes deve dinheiro. Portanto, muito facilmente lhe retirarão todas as fontes de fortuna. Portanto, não terá futuro económico e empresarial para Isabel dos Santos. O negócio dela foi montado em aspetos completamente turvos.
DW África: Esta nova postura do Governo, que rompe parcerias com a filha de José Eduardo dos Santos, vai, de alguma forma, criar atritos entre o Presidente João Lourenço e os altos círculos do MPLA? RV: Imagino que sim. Acho que na realidade esta guerra que há entre João Lourenço e Isabel dos Santos, porque é disso que se trata, é uma guerra, na verdade, entre o João Lourenço e o José Eduardo dos Santos para ver quem é que vai deter o poder no fim. É aquela velha história, na capoeira só há um galo, não pode haver dois galos. O João Lourenço está a firmar o poder dele. Na firmação do poder dele, o certo é acabar com a Isabel dos Santos. Isso é simples. E, é claro, há uma luta política em Angola neste momento. E Isabel dos Santos é uma parte dessa luta política. Como foi no passado uma beneficiária do poder político.
Haverá futuro para Isabel dos Santos em Angola?
DW África: Acha que os negócios de Isabel dos Santos na área diamantífera, por exemplo, também deveriam ser investigados em Angola?
RV: Eu sei que há uma investigação a correr a nível europeu, ligada aos vários negócios diamantíferos que terminavam em Antuérpia, começavam em Luanda, passavam por Dubai. Há aí muito para fazer. Mas em Angola ainda nada, mas pelo menos o Presidente na África do Sul já anunciou que retirou concessões diamantíferas da Isabel dos Santos e que estão abertas a licitação de parceiros. Há um movimento claro em Angola contra Isabel dos Santos. Sobretudo por parte do Governo. Por parte da população já existia há muitos anos. Quando ela foi nomeada Presidente da Sonangol, ainda no tempo do consulado do pai, a população revoltou-se. Pois percebe-se, houve um mal-estar generalizado. A diferença é que agora é o próprio Governo a confrontar Isabel dos Santos.
DW África: Sobre a investigação que a PRG angolana está a fazer sobre a administração de Isabel dos Santos na Sonangol, como acha que vai resultar? A empresária ainda tem "costas quentes" para se livrar destas acusações?
RV: A Procuradoria Geral angolana não é uma entidade independente. Mesmo por lei, recebe instruções diretas do Presidente da República. Portanto, não vejo que possa existir uma investigação independente como não tem havido até agora na Justiça angolana. É uma questão de força política. Se a força política for no sentido na vitória de João Lourenço, a investigação dará resultados. Se a força política não for nesse sentido, a investigação ficará mais ou menos parada.
Mesmo sem a Sonangol, Isabel dos Santos ainda tem um império empresarial
A mulher mais rica de África, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, foi exonerada da liderança da petrolífera estatal angolana. Mas continua a ter uma grande influência económica em Angola e Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Bilionária angolana diz adeus à Sonangol
A 15 de novembro, Isabel dos Santos teve de renunciar à presidência do conselho de administração da Sonangol. Em meados de 2016, o seu pai, o então Presidente José Eduardo dos Santos, nomeou-a para liderar a companhia petrolífera estatal. A nomeação era ilegal aos olhos da lei angolana. O novo Presidente angolano, João Lourenço, estava, por isso, sob pressão para demitir Isabel dos Santos.
Foto: picture-alliance/dpa
Carreira brilhante à sombra do pai
Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos e da sua primeira mulher, a jogadora de xadrez russa Tatiana Kunakova, nasceu em 1973, em Baku. Durante o regime do seu pai, no poder entre 1979 e 2017, Isabel dos Santos conseguiu construir um império empresarial. Em meados de 2016, a liderança da Sonangol, a maior empresa de Angola, entrou para o seu currículo.
Foto: picture-alliance/dpa
Conversão aos princípios "dos Santos"
Isabel dos Santos converteu o grupo Sonangol, sediado em Luanda (foto), às suas ideias. Nomeou cidadãos portugueses da sua confiança para importantes cargos de gestão e foi muito criticada pela ausência de angolanos em posições-chave na empresa.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Presença firme nas telecomunicações
Mesmo após o fim da sua carreira na Sonangol, Isabel dos Santos continua forte no meio empresarial: possui 25% da UNITEL desde o seu lançamento, em 2001, a empresa tornou-se a principal fornecedora de serviços móveis e de internet em Angola. Através da UNITEL, dos Santos conseguiu estabelecer vários contactos comerciais e parcerias com outras empresas internacionais, como a Portugal Telecom.
Foto: DW/P. Borralho
Redes móveis em Portugal e Cabo Verde
Isabel dos Santos detém a participação maioritária na ZON, a terceira maior empresa de telecomunicações de Portugal, através de uma sociedade com o grupo português Sonae. Também em Cabo Verde, dos Santos - com uma fortuna estimada em 3,1 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes - está presente nas telecomunicações com a subsidiária UNITEL T+.
Foto: DW/J. Carlos
Expansão com a televisão por satélite
Lançada em 2010 por Isabel dos Santos, a ZAP Angola apresenta-se como o maior fornecedor de televisão por satélite no país. Desde 2011, a ZAP está presente também em Moçambique, onde conquistou uma parcela importante do setor. Em Moçambique, a empresa compete com o antigo líder de mercado, a Multichoice (DSTV), da África do Sul.
Foto: DW/P. Borralho
Bancos: o segundo pilar do império
Atrás das telecomunicações, o setor financeiro é o segundo pilar do império empresarial de Isabel dos Santos. A empresária detém o banco BIC juntamente com o grupo português Américo Amorim - o empresário português conhecido como "o rei da cortiça" que morreu em julho de 2017. É um dos maiores bancos de Angola, com cerca de 200 agências. É também o único banco angolano com agências em Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Com a GALP no negócio do petróleo
Também no petróleo, dos Santos fez parceria com Américo Amorim. Através da empresa Esperanza Holding B.V., sedeada em Amesterdão, a empresária angolana está envolvida na Amorim Energia que, por sua vez, é a maior acionista da petrolífera portuguesa GALP. A GALP também administra os postos de gasolina em Moçambique (na foto) e em Angola onde, curiosamente, compete com a Sonangol.
Foto: DW/B.Jequete
Supermercado em Luanda
Em 2016, abriu em Luanda o Avennida Shopping, um dos maiores centros comerciais da capital angolana. Várias empresas do império dos Santos operam neste centro comercial, como o Banco BIC, a ZAP e a UNITEL. Assim, a empresária beneficia em várias frentes do crescente mercado de bens de consumo em Luanda.
Foto: DW/P. Borralho
350 milhões de dólares em supermercados
Uma das maiores lojas do Avennida Shopping é o hipermercado Candando. É operado pelo grupo Contidis, controlado por Isabel dos Santos. Nos próximos anos, deverão ser construídos em Angola vários Candando. No total, a Contidis quer investir mais de 350 milhões de dólares nas filiais.