Apelido Dhlakama não é um "bilhete infalível" rumo ao sucesso e "herança genética deixada pelo seu falecido pai não é garantia de sucesso quando não é associada a outras valências", dizem analistas.
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Em Moçambique, o filho mais velho do antigo líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, anunciou no dia 11 deste mês a sua intenção de se candidatar à Presidência da República nas eleições gerais de 2024, dizendo que pretende evitar que o país caia "num precipício".
O jurista e jornalista Ericino de Salema considera que o facto de ser filho mais velho de Afonso Dhlakama só por si não atribui a Henriques maiores possibilidades de vitória numa corrida interna pela candidatura da do maior partido da oposição às presidenciais, nem na disputa pela chefia do Estado.
"Pertencer à família Dhlakama não é garantia de supremacia dentro da RENAMO, como se viu na derrota de Elias Dhlakama nas eleições do presidente do partido", afirmou Ericino de Salema.
Para o analista o candidato vai ter de demonstrar ser a pessoa indicada para melhor defender e gerir as aspirações dos militantes da RENAMO e da base social do partido.
Elias Dhlakama, irmão de Afonso Dhlakama, foi derrotado pelo atual líder da RENAMO, Ossufo Momade, nas eleições pela presidência do partido, em janeiro de 2019.
"Se os membros da RENAMO acharem que aquele que é irmão, filho, sobrinho ou tio de Dhlakama tem caraterísticas que garantem a defesa da linha política da RENAMO e elegerem essa pessoa, não será isso que levará as pessoas a pensar que o principal partido da oposição se tornou num clã", afirmou.
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Apelido não é um "bilhete infalível"
Por seu turno, o jornalista Fernando Lima também considerou que o apelido que Henriques Dhlakama tem não é um "bilhete infalível" rumo ao sucesso político na RENAMO e na vida política nacional, porque será necessário demonstrar que tem uma visão séria do que deve ser o partido e o país.
"Já se viu no caso de Elias Dhlakama que apenas o apelido não opera um golpe de magia. Pode ser um ativo ou um equívoco", afirmou.
Juma Aiuba, analista político, assinalou que o anúncio da candidatura de Henriques Afonso Dhlakama, faltando quatro anos para a realização das eleições gerais, é o reconhecimento de que precisa de construir um projeto político credível, porque a "herança genética é insuficiente na política, quando não é associada a outras valências".
"Henriques Dhlakama ou a sua equipa sabem que a herança genética que o pai lhe deixou não basta, é preciso ir ao terreno, porque nunca exerceu nenhuma atividade política", afirmou.
Um sinal da grave crise na RENAMO
Juma Aiuba referiu que o anúncio da candidatura do filho mais velho de Afonso Dhlakama às presidenciais de 2024 é mais um sinal da "grave crise dentro da RENAMO e da existência de fações, porque a pretensão foi divulgada fora dos órgãos do partido e com críticas à atual liderança".
No anúncio da sua candidatura, Henriques Dhlakama considerou que Moçambique está mais de 50 anos atrasado em relação a outros países e funciona com instituições corruptas.
"Os moçambicanos devem rejeitar a estagnação, o imobilismo e o conformismo e provarem que são capazes de superar as dificuldades", disse.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.