Paul Rusesabagina, ruandês que inspirou o filme "Hotel Ruanda", foi libertado da prisão. Kigali diz que a decisão de comutar a pena de 25 anos de cadeia do opositor visa "restabelecer" os laços com os EUA.
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Paul Rusesabagina, o homem que inspirou o filme "Hotel Ruanda", foi libertado da prisão na noite desta sexta-feira (24.03). A informação foi avançada por fontes do Governo norte-americano.
Anteriormente, o Governo do Ruanda havia anunciado a redução da pena de 25 anos de prisão do opositor.
Após a sua libertação, o homem de 68 anos foi entregue ao embaixador do Qatar em Kigali.
"Estamos satisfeitos por ouvir as notícias sobre a libertação de Paul. A família tem esperança de se reunir com ele em breve", disse a família Rusesabagina numa declaração.
Quem é Paul Rusesabagina?
Durante o genocídio de 1994, no Ruanda, cerca de 800.000 pessoas, na sua maioria da minoria Tutsi, foram mortas pela maioria étnica Hutu.
Rusesabagina era o gerente de um hotel na capital, Kigali, na altura em que a violência eclodiu. É-lhe creditada a ajuda para salvar as vidas de pelo menos 1.200 pessoas, abrigando-as no hotel.
O filme "Hotel Ruanda", nomeado com um Óscar em 2004, que protagoniza o ator americano Don Cheadle, foi inspirado na história de Rusesabagina.
Paul Rusesabagina deixou o Ruanda em 1996, mudando-se primeiro para a Bélgica e depois para os Estados Unidos.
Após a chegada ao poder do Presidente ruandês Paul Kagame, em 2000, Rusesabagina tornou-se um crítico veemente do Governo, apontando particularmente para alegadas violações dos direitos humanos. O Governo, no entanto, nega qualquer ato ilícito.
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Porque é que Rusesabagina foi condenado?
Rusesabagina prometeu o seu apoio à Frente Nacional de Libertação num vídeo divulgado em 2018. O grupo armado é considerado uma organização terrorista pelo Governo do Ruanda.
"Chegou o momento de utilizarmos todos os meios possíveis para provocar uma mudança no Ruanda, uma vez que todos os meios políticos foram julgados e falharam", declarou no vídeo.
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Rusesabagina, cidadão belga e detentor de um green card norte-americano, foi detido em 2020 depois de ter desaparecido durante uma visita ao Dubai, nos Emiratos Árabes Unidos. Disse que tinha planeado voar para o Burundi, mas o voo foi desviado para o Ruanda.
O Governo ruandês levou-o a julgamento por ser inimigo do Estado, um movimento criticado pelos Estados Unidos e pelas Nações Unidas. Rusesabagina negou todas as acusações e recusou-se a participar no julgamento, mas foi condenado a 25 anos de prisão em setembro de 2021 por acusações incluindo homicídio, rapto, e terrorismo.
O secretário de Estado norte-americano Anthony Blinken manteve conversações com Kagame no Ruanda no ano passado e discutiu o caso. "Ainda temos a convicção de que o julgamento não foi justo", disse Blinken à imprensa na altura.
Intenções de Kigali
O Ruanda justificou na sexta-feira a decisão de comutar a sentença de 25 anos de cadeia de Paul Rusesabagina como visando "restabelecer" os laços com os Estados Unidos.
O anúncio da comutação da sentença acontece quase duas semanas depois de o Presidente Kagame ter anunciado, durante uma visita ao Qatar, que estavam em curso "discussões" sobre a prisão de Rusesabagina.
Após a libertação de Rusesabagina, o Governo do Qatar anunciou que ele voaria para Doha e depois para os Estados Unidos.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.