Homens armados da RENAMO aterrorizam distrito de Mossurize
Bernardo Jequete (Manica)
17 de novembro de 2017
Apesar da trégua declarada desde maio entre o Governo da FRELIMO e o maior partido da oposição, a RENAMO, insegurança levou várias pessoas a abandonarem as suas residências.
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Manica foi um dos principais palcos do mais recente conflito armado em Moçambique. A normalidade parecia estar de regresso à província, depois da declaração de uma trégua "por tempo indeterminado”, em maio deste ano, logo após contactos entre o líder da oposição, Afonso Dhlakama, e o Presidente do país, Filipe Nyusi. No entanto, moradores da região de Mossurize acusam homens armados da RENAMO de perseguição e extorsão contínuas.
Sem sinais de pazO régulo da região de Nhabanga, Patson Sithole, afirmou que foi forçado a abandonar a sua área de jurisdição, temendo pela sua segurança. Sithole disse ainda que os homens de Afonso Dhlakama têm estado a exigir pagamentos em dinheiro e a roubar cabeças de gado da população. "Estamos a pedir que o Governo despache um contingente policial para acampar numa das escolas daqui, como também os de guarda-fronteira que estão em Macú. Juntos, eles podem vigiar a área. Fala-se de trégua, mas nós não vemos isso", declarou Sithole.Uma residente de Garagwa, Nowa Filimone, acusou os homens armados da RENAMO de criarem desordem na sua região. A mulher de 32 anos e a família deixaram tudo para trás e refugiaram-se na sede da localidade de Chiurairwe. "Aqui, na nossa zona, outros nossos irmãos não querem o bem-estar. No entanto, a questão de trégua veio para todos os moçambicanos; não apenas para uma determinada região, pois outros dizem que não existe trégua", disse. Nowa contou ainda que as 53 cabeças de gado bovino que tinha foram levadas por pessoas que não obedecem a trégua. "Eles chegam e arrancam os nossos bens a força, atormentando-nos com armas de fogo", relatou.
Homens armados da Renamo - MP3-Mono
Negociações continuam. E avançam
O governador da província de Manica, Alberto Ricardo Mondlane, afirmou que as autoridades estão ao corrente da situação. Em entrevista à DW África, ele garantiu que o Governo está a trabalhar com os responsáveis da RENAMO para acabar com o clima de insegurança naquele ponto do distrito. "São situações que já tínhamos conhecimento. Sempre que acontece alguma coisa, reporta-se. E nós tomamos conhecimento e temos vindo a trabalhar nomeadamente com os responsáveis da RENAMO, no sentido de que eles tomem uma atitude positiva para evitar que os seus homens tratem mal a população. Posso dizer que, comparando com o passado, hoje estamos a estabelecer uma relação muito melhor", declarou o governador.
Mondlane pediu aos homens da RENAMO em Manica que sigam o exemplo dos líderes do Governo e do maior partido da oposição. "Os dois presidentes, Afonso Dhlakama e Filipe Nyusi, estão a trabalhar arduamente para a paz em Moçambique. Agora, porquê é que nós aqui em Chiurairwe continuamos com confusões? Vamos seguir o exemplo dos nossos chefes!", reivindicou. "Estou a pedir que os membros da RENAMO deixem a população ir a machamba em paz, não prendam ninguém. Isso não está correto", apelou Mondlane.
A DW África tentou, sem sucesso, contactar o delegado da RENAMO, no distrito de Manica, para obter uma resposta às acusações dos populares e das autoridades provinciais.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.