Homicídios de mulheres no nordeste de Angola continuam por desvendar
14 de novembro de 2013 A juntar aos crimes contra garimpeiros, nos últimos quatro anos, as populações do Cafunfo e Cuango, na província angolana da Lunda Norte, têm enfrentado casos de violência extrema contra mulheres.
A falta de respostas é o denominador comum aos casos de assassinatos de mulheres seguidos da extração de órgãos genitais.
Segundo o Partido de Renovação Social (PRS), desde 2002 até 15 de junho deste ano, foram assassinadas 21 mulheres. Em alguns casos foram-lhes retirados os órgãos genitais.
O Movimento do Protetorado da Lunda Tchokwe fala em mais de 20 mulheres mortas desde o início do ano. O Grupo de Mulheres Parlamentares refere três homicídios que incluíram a extração dos genitais em 2013.
A Igreja Católica diz ter registo de dois homicídios com mutilação dos órgãos genitais desde janeiro, mas que envolveram vítimas do sexo masculino.
PRS culpa empresas de segurança
Feitiçaria, tráfico de órgãos ou motivos passionais têm sido aventados como eventuais motivos para a prática dos crimes. Os alvos são, na maioria, camponesas que percorrem vários quilómetros a pé para irem trabalhar nas lavras do Cafunfo e Cuango.
Mas o secretário para a informação do PRS, Joaquim Nafoia, aponta o dedo a outros responsáveis: “as senhoras têm sido assassinadas pelas empresas de segurança. Temos essa certeza porque as senhoras são assassinadas nas zonas de concessão mineira da Sociedade Mineira do Cuango, nas zonas de exploração. São as empresas de exploração mineira que vão expropriando as lavras. E não aceitam que as pessoas cultivem próximo das áreas de concessão. Outrora era a empresa de segurança privada Teleservice, agora é a Bicuar”.
Joaquim Nafoia garante ter provas que sustentam a responsabilidade das empresas de segurança: “temos a certeza e temos imagens, videos, dessa segurança a maltratar os garimpeiros. E temos exemplos de videos onde as pessoas foram assassinadas brutalmente por empresas de segurança privada”.
Clima de medo e ganância nas Lundas
O jornalista e ativista angolano Rafael Marques, autor do livro “Diamantes de Sangue”, refuta a teoria de feitiçaria e diz que os crimes nas Lundas decorrem da imposição do medo.
Na sua opinião, não há interesse por parte das autoridades em desvendar os crimes porque “são os principais decisores no país, a partir da Presidência da República até aos outros órgãos mais abaixo, que beneficiam desses esquemas”.
O padre Colm Reidy, administrador apostólico da diocese do Dundo, não exclui a possibilidade de alguns crimes serem cometidos por pessoas que acreditam na prática do feitiço para conseguir mais sorte na vida e encontrar mais diamantes no garimpo.
Mas também refere os altos interesses no Cafunfo e Cuango: “as pessoas foram encontradas queimadas com ácido que se usa para lavar os diamantes. Entao esse ácido vem de onde?”, questiona.
Para o padre Colm Reidy, a resposta é simples: “vem dos ‘bosses’ que compram diamantes na zona de Cafunfo/Cuango, aqui também autorizados oficialmente pelo governo, contratados pelos ‘bosses’, e que têm acesso a este ácido”.
Deputada do MPLA garante que violência diminui
No passado dia 15 de junho, uma manifestação organizada pelo braço feminino do PRS, a União das Mulheres da Renovação Social (UMRS), chamou novamente a atenção para a violência contra as mulheres. A marcha levou organizações ligadas ao poder, como o Grupo das Mulheres Parlamentares, a repudiarem o fenómeno.
A deputada do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), o partido no poder, Cândida Celeste da Silva fez nova visita à região, em outubro.
A deputada garante que a Procuradoria-Geral da República continua a trabalhar no Cuango e que a justiça na Lunda Norte continua a investigar.
“O governo fez um trabalho para detetar, embora não tenha detetado. Fez-se um trabalho de sensibilização às próprias mulheres e às autoridades locais para podermos apanhar pessoas que tinham esta missão. Dizia-se que estes casos estavam ligados a feiticismos. Fomos mesmo até ao Cuango, só para ouvir dos sobas alguma coisa”, sustenta Cândida Celeste da Silva.
Na opinião da deputada do MPLA, “nunca mais se verificou nenhum caso desses e as mulheres estão mais tranquilas”. Cândida Celeste da Silva acrescenta que “não se sabe se as mulheres querem fazer esquecer para recomeçar, mas há um trabalho profundo de sensibilização e, ao mesmo tempo, as autoridades tradicionais também vão vigiando”.
Mais polícia não traz mais segurança
Ao mesmo tempo que a deputada do partido no poder, em Angola, assegura que o policiamento foi reforçado para uma maior segurança das comunidades, José Mateus Zecamutchima, do Protetorado da Lunda Tchokwe tem outra visão: “além das forças massivas de delinquentes, a região também está cheia de forças da ordem”.
No entanto, o policionamento nem sempre é sinónimo de segurança, como descreve José Mateus Zecamutchima: “existe muita polícia na região, existem muitas empresas de segurança privada que protegem os projetos mineiros e muitos dos elementos que cometem assassinatos estão ligados ao exército, à polícia e às empresas de segurança privada das empresas mineiras”.
Na opinião do padre Colm Reidy, não há uma reação apropriada aos crimes por parte da polícia e das autoridades. O páraco menciona ainda os elevados níveis de ignorância da população e a corrupção.
“Em cinco anos tivemos cinco administradores na zona do Cafunfo. Passado pouco tempo começam só a pensar em si próprios, em ‘como é que eu vou encher os bolsos de dinheiro?’. São pessoas que não estão preparadas para enfrentar os problemas profundos da zona do Cafunfo e Cuango”, argumenta Colm Reidy.
O Movimento do Protetorado da Lunda Tchokwe está a produzir panfletos sobre a segurança pessoal das mulheres nas deslocação às matas. Um relatório junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos deve ser apresentado até dezembro.
De referir que a DW África não conseguiu contactar o governo da Lunda Norte nem a Procuradoria-Geral da República em Angola. Além disso, foi impossível estabelecer contacto com a empresa visada, Teleservice, atualmente designada Bicuar.