HRW preocupada com ação contra jornalistas e mudança de tática nos ataques em Cabo Delgado, Moçambique. Quanto à Angola a preocupação é com o tratamento que as autoridades dão aos refugiados e ao ativismo em Cabinda
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A onda de violência na Província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, ganhou projeção mediática após o ataque de Mocímboa da Praia em outubro de 2017 e, desde então foram noticiadas dezenas de ataques que provocaram a morte de mais de 100 pessoas, de acordo com números oficiais.
Governo moçambicano, pesquisadores, jornalistas, bem como Organizações de Defesa dos Direitos Humanos são unânimes em reconhecer que os autores dos ataques na província nortenha de Cabo Delgado, em Moçambique, são desconhecidos. Os ataques iniciados há mais de um ano ainda não foram reivindicados, o que torna difícil apurar-se os autores e as motivações dos ataques.
HRW fala sobre situação em Cabo Delgado e Cabinda
Em Joanesburgo, Zeinada Machado, pesquisadora da "Human Rights Watch” para Moçambique e Angola fez o ponto de situação sobre dos acontecimentos em Cabo Delgado: "Do lado do grupo de insurgentes é o facto de estarem a destruir casas, matarem pessoas. É preocupante o facto de nos últimos meses terem mudado de tática, já não apenas vão a aldeias atacar e queimar casas, agora atacam também transportes públicos de passageiros. Do lado das Forças de Defesa e Segurança o grande desafio ainda continua a ser a forma como eles lidam com os suspeitos.”
Repressão contra jornalistas
A falta de informação do que está acontecer e as detenções e torturas de jornalistas, com destaque para Amade Abubacar, preso no dia 5 de janeiro por documentar ataques assassinos por grupos armados contra civis, mereceu críticas da organização de defesa dos direitos humanos.
"O Governo tem estado de forma informal a barrar a presença de jornalistas, que são uma peça importante neste processo na medida em que caberá aos jornalistas trazerem a versão independente do que se está realmente a passar em Cabo Delgado", diz a pesquisadora.
E fundamenta: "Nós temos vários relatos, alguns documentados e outros nem por isso, que jornalistas foram mantidos em cativeiro, detidos por muitas horas, alguns inclusive colocados em celas da polícia sem acusação formal.”
Angola: refugiados e ativismo em Cabinda
Angola, que também merece o acompanhamento da HRW, lançou em setembro de 2018 a "Operação Transparência”, que visa combater, entre outras coisas, o garimpo ilegal de diamantes e a imigração ilegal, criticada por ser xenófoba, principalmente contra refugiados da República Democrática do Congo.
"Aqueles que são considerados imigrantes sem documentos, ou sem documentação, ou irregulares, muitos deles descreveram à Human Rights Watch casos em que a polícia matou, torturou, atacou, roubou, queimou propriedades dessas pessoas durante o processo de repatriamento forçado para o Congo Democrático”, revela Zenaida Machado.
Ainda em Angola, a província de Cabinda, rica em recursos naturais, tem assistido a um intenso ativismo em nome da sua independência. Sobre isso a HRW, na voz de Machado, diz: "O que é preocupante é a forma, mais uma vez, como as Forças de Defesa e Segurança de Angola controlam essas atividades do movimento de libertação de Cabinda. Estamos satisfeitos pela forma como o tribunal tem gerido o assunto, na medida em que os casos quando chegam ao tribunal tem estado a ser descartados por insuficiência de provas.”
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.