HRW pede investigação à morte de Hanekom em Cabo Delgado
Lusa
31 de janeiro de 2019
A Human Rights Watch diz que as autoridades moçambicanas devem assegurar uma "investigação transparente" à "morte suspeita" do empresário sul-africano Andre Hanekom, detido em Cabo Delgado, no norte do país.
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A organização não-governamental (ONG) HRW pediu esta quinta-feira às autoridades moçambicanas que investiguem a morte do empresário sul-africano. "As autoridades moçambicanas devem assegurar uma investigação imparcial e transparente à morte suspeita de Andre Hanekom", no dia 23 de janeiro, no Hospital de Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, referiu a HRW em comunicado.
A morte do empresário deu-se cinco dias depois de ter sido transferido da prisão da mesma cidade com fortes convulsões. Já depois da morte, há informações contraditórias sobre a realização de uma alegada autópsia, informação que nem o hospital, nem os órgãos de justiça esclareceram até hoje.
"A morte de Hanekom, enquanto detido, levanta questões que precisam de uma investigação rápida e completa por parte das autoridades", sublinhou o diretor da HRW na África Austral, Dewa Mavhinga. As autoridades "devem estabelecer a causa da morte de Hanekom e fornecer os detalhes e o relatório da autópsia à sua família", acrescentou.
Andre Hanekom, 62 anos, era dono de uma empresa de logística marítima na região norte de Cabo Delgado, em Moçambique, perseguido pelas forças de segurança desde agosto de 2018 por alegadas ligações a ataques armados na região.
Atropelos à lei
Familiares e amigos classificam até hoje as acusações como absurdas e têm denunciado diversos atropelos à lei nas detenções e transferências de que Hanekom foi alvo, entre instalações das forças de defesa e segurança. O empresário foi mantido em detenção sem acusações ou acesso a um advogado desde 1 de agosto, apesar de uma ordem judicial de 10 de outubro, do Tribunal do Distrito de Palma, ter ordenado a sua libertação sob fiança.
A 31 de dezembro, Hanekom entra num rol de indivíduos acusados pela justiça moçambicana de orquestrar ataques no norte do país, mas a família refere que está a ser vítima de pessoas com poder, interessadas em propriedades que possuem junto à costa, na região onde estão a ser construídos empreendimentos de extração de gás natural.
Desde dezembro que a HRW denuncia suspeitas de execuções sumárias e abusos das autoridades de Moçambique contra alegados autores de ataques a povoações remotas no norte do país.
A onda de violência naquela zona começou após um ataque armado a postos de polícia de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017. Posteriormente, ocorreram dezenas de ataques que se suspeita estarem relacionados com o mesmo tipo de grupo, sempre longe do asfalto.
Apesar de a violência acontecer fora da zona de implantação da fábrica e outras infraestruturas das empresas petrolíferas que vão explorar gás natural, na península de Afungi, a proximidade faz com que as obras decorram sob "segurança reforçada", disse a petrolífera Anadarko à Lusa. De acordo com números oficiais, cerca de 100 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança, morreram desde que a onda de violência começou naquela zona.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.