HRW pede investigação a uso da força no protesto em Luanda
Marta Melo
1 de março de 2017
Human Rights Watch não encontra razões para a forma como a polícia atou na manifestação da semana passada. A organização quer investigação “urgente e imparcial”. Luaty Beirão descrente que Angola aceite pedido.
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A Human Watch Rights (HRW) diz ter "informação suficiente” para concluir que "a polícia usou força excessiva para controlar a manifestação” da passada sexta-feira (24.02) em Luanda. O protesto juntava cerca de dez pessoas que pediam a demissão do ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, por este liderar o processo de registo eleitoral e ser ao mesmo tempo candidato do MPLA ao cargo de vice-presidente às eleições de agosto.
"Não há evidência nenhuma de que este grupo possuía alguma forma violenta de atacar as autoridades ou que tenham resistido de forma violenta às orientações das autoridades”, nota Zenaida Machado, investigadora da organização de defesa de direitos humanos.
Por isso, acrescenta, "o uso de cães, ao ponto de morderem as pessoas e causarem ferimentos sérios, e o uso de bastões para ferir, ao ponto de um dos manifestantes levar pontos na cabeça, claramente, é um uso desproporcional de força”.
Preocupações em ano de eleições
Para Zenaida Machado este caso levanta dois problemas: por um lado, uma "clara violação ao direito que estas pessoas têm de se manifestar” e, por outro, "o uso excessivo de força”. Uma situação que, em ano de eleições, é preocupante.
"Este grupo apenas estava a manifestar-se contra a forma como o processo eleitoral está a ser gerido, mas à medida que as eleições se vão aproximando haverá outros grupos a manifestarem-se por outros motivos”, alerta a investigadora.
A democracia é, para Zenaida Machado, a possibilidade de "as pessoas terem o direito de irem para as ruas pacificamente lamentar, zangarem-se e dizer aquilo com que não estão satisfeitas”. Por isso o Executivo liderado por José Eduardo dos Santos tem fazer algo: "é preciso que as autoridades angolanas arranjem formas de gerir estes grupos sem que, para isso, seja preciso recorrer a bastões ou a cães para morder”.
Uma preocupação partilhada por Luaty Beirão, um dos ativistas que ficou ferido na manifestação da semana passada. Para o angolano, "em ano de eleições, normalmente as tensões sobem” e "a intolerância aumenta”.
"Eles reagiram como costumam reagir, portanto não há aqui uma novidade. Mas creio que as coisas têm tendência a agravar-se. Sobretudo se (…) isto não servir como lição e aviso e se as pessoas continuarem a teimar em fazer uso dos seus direitos constitucionais vai continuar a haver violência e pode agravar-se. Eu gostaria de estar errado”, confessa.
Mais proteção
Apesar das preocupações sobre o futuro, Luaty Beirão mostra-se satisfeito pelo pedido feito pela Human Rights Watch. "Dá-nos uma maior sensação de proteção”, afirma o ativista, que se mostra, no entanto, descrente quanto a uma possível investigação do Governo angolano.
Beirão nota que o Executivo "nunca respondeu” a outros apelos, nem mesmo das Nações Unidas, e por isso, acredita, "não vai ser agora à Human Rights Watch”.
"Aliás, o Governo angolano tem, reiteradas vezes, referido esse tipo de relatórios de forma depreciativa e desvalorizando, dando a entender que essas pessoas não entendem nada de Angola e só estão a dar ouvidos a uma parte das pessoas que são ressabiadas ou que têm algum tipo de intenções caluniosas. Não acredito que vá ter algum tipo de repercussões, pelo menos ao nível oficial. Depois o que se passa em bastidores é mais difícil de saber”, acrescenta.
Exemplo para o futuro
HRW pede investigação urgente a uso da força no protesto em Luanda
A HRW espera que o Governo de Angola possa avançar com a investigação aos acontecimentos da semana passada "o mais breve possível”, segundo Zenaida Machado, por forma a servir de exemplo.
"Que as pessoas que tomaram a decisão de reagir dessa forma violenta, na sexta-feira, sejam punidas por isso e que sirva de exemplo para que, na próxima manifestação que ocorrer, não haja aquele tipo de resposta”, explica.
Segundo a investigadora é preciso que "as pessoas de Angola se sintam à vontade para ir à rua dizer aquilo que querem sem terem medo de encontrar um batalhão policial com rottweilers e pastores alemães”.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.