Huíla: falta de documentos dificulta acesso à educação
Anselmo Vieira (Lubango)
27 de março de 2017
Mais de 80 mil crianças e jovens estão fora do sistema de ensino na Huíla. A maioria deles não possui documentos de identificação pessoal, segundo o Governo da província do sul de Angola.
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Pelo menos 88 mil crianças e jovens em idade escolar não frequentam estabelecimentos de ensino na província da Huíla, no sul de Angola. A informação foi avançada pelo próprio governador provincial, João Marcelino Chipingui, que afirmou que a falta de documentos de identificação é o principal fator que dificulta o acesso à educação na Huíla.
"A província da Huíla regista cerca de oitenta e oito mil alunos fora do sistema normal de ensino. A situação é preocupante e teremos de fazer mais para mudar o quadro", declarou Chipingui.
Só na localidade do Toco, nos arredores da cidade do Lubango, capital da Huíla, 14 mil cidadãos não possuem documentos de identificação, de acordo com as autoridades administrativas e religiosas da área. Destes, acredita-se que pelo menos quatro mil sejam crianças em idade escolar.
Dificuldades devido à falta de registo
Naquela zona, uma escola com 77 salas de aulas divididas em ensinos primário e secundário atende a dois mil alunos, número muito aquém das crianças que estão fora por falta de documentos pessoais, como o Bilhete de Identidade.
27.03.17 Falta de Documentos - Alunos - Huíla - MP3-Mono
O pároco e superior da comunidade de Nossa Senhora da Muxima do Toco, e diretor geral da escola, padre Américo Costa, diz que a escola faz matrículas condicionadas para facilitar que os pais tratem dos documentos pessoais dos seus filhos. Mas nem sempre dá certo. Ele relata as dificuldades enfrentadas para garantir educação aos cidadãos da região.
"Muitos dos pais não estão registados, então, logo compromete o registo do filho. E ainda uma situação muito mais grave: alguns pais que felizmente registaram um filho, fazem todos os filhos estudarem com a cédula do filho que está registado quando termina a sexta classe para ir ao Primeiro Ciclo. São os grandes constrangimentos que vivemos na nossa circunscrição".
Cidadãos e pais de crianças em idade escolar também se dizem constrangidos com a falta de documentos pessoais. Miguel António, aos 20 anos de idade, não possui registo de nascimento: "são muitos nessa localidade sem Cédula Pessoal. Não tenho Cédula e nem Bilhete [de Identidade]".
Eurico Mweleweya nasceu em 1988 e não possui registo de nascimento, situação que se repete com os seus filhos: "tenho cinco filhos e eles não têm Cédula [Pessoal]";
Ao contrário da maioria dos outros habitantes da Huíla, José Fekayamale possui registo de nascimento e também os seus filhos, segundo conta: "aqui na comunidade muitos não tem cédula. Particularmente os meus filhos têm cédula, mas os dos meus vizinhos não têm".
Comunidade cobra a Justiça
As autoridades governamentais prometem mudar o atual quadro, segundo garantiu o governador provincial da Huíla, João Marcelino Chipingui. "O nosso povo possui uma larga situação de sacrifícios, lutas e vitórias. Com a mesma determinação venceremos mais este desafio".
De acordo com o padre Américo Costa, para que sejam ultrapassados esses problemas, contatos foram efetuados com o Ministério da Justiça e Direito Humanos em nível da província da Huíla. "Estamos à espera que tão logo as condições estejam criadas, a delegação provincial da Justiça faça de tudo para que esta situação seja ultrapassada".
A direção da delegação provincial da Justiça da Huíla, segundo uma fonte que preferiu falar sob anonimato, está a envidar esforços para colocar duas equipas no local. No momento, está apenas a agilizar os meios informáticos para minimizar o número de cidadãos que estão sem identificação pessoal.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.