Iémen recebeu mais migrantes do que Europa pelo mar em 2018
Lusa | EFE | kg
5 de outubro de 2019
A subsecretária-geral da ONU para os Assuntos Humanitários, Ursula Mueller, disse que país em guerra civil faz parte de trajeto de migrantes, sobretudo da Etiópia, que querem chegar à Arábia Saudita.
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A subsecretária-geral da ONU para os Assuntos Humanitários, Ursula Mueller, afirmou este sábado (05.10) que mais migrantes chegaram ao Iémen em 2018 do que por mar à Europa.
"Estão 40 graus e o sol queima, e não têm água e estão a caminhar pelo deserto. É muito duro e muitos não conseguem" chegar, disse Ursula Mueller em entrevista à agência de notícias espanhola EFE. Esta semana, a representante das Nações Unidas visitou Djibuti, país que está numa rota menos conhecida de migração.
Entre 300 a 600 migrantes, sobretudo etíopes, chegam diariamente ao Djibuti, situado estrategicamente no acesso ao Mar Vermelho, para tentar depois alcançar a Arábia Saudita numa "viagem perigosa" que os obriga a sobreviver a uma viagem de barco para depois atravessar o Iémen.
"Há mais migrantes a ir para a Península Arábica do que para a Europa", disse a subsecretária. A responsável explicou que o tema migratório é complexo e está cheio de diversas motivações, existindo razões políticas para que esta rota não seja tão conhecida como a do Mediterrâneo. "Há pressão para que este tema não seja público", afirmou.
"Eles não encontram oportunidades na Etiópia e existem redes que lhes dizem que existem oportunidades [na Arábia Saudita], mas não lhes dizem que é uma viagem perigosa e que muitas pessoas morrem no caminho", acrescentou, salientando que "o Iémen não é, desde logo, o destino desejado".
Destino perigoso
Em 2018, um total de 150.000 migrantes chegaram ao Iémen, sobretudo com origem na Etiópia, segundo os dados divulgados por Mueller. Em comparação, somadas as chegadas por mar a Itália, Malta, Chipre, Espanha e Grécia e as chegadas por terra a estes dois últimos países em 2018, o total é inferior – 141.472, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Em 2019, foram registados 84.000 movimentos migratórios para o Iémen nos seis primeiros meses do ano, enquanto as chegadas à Europa, entre janeiro e setembro, foram de 78.826.
No Iémen, num pico de chegada de imigrantes antes da celebração do Ramadão, entre 27 de abril e 3 de maio deste ano, mais de 5.000 pessoas foram detidas e concentradas em dois estádios de futebol e num campo militar, o que foi considerado um primeiro passo para os tão temidos campos de detenção de países como a Líbia.
Os que conseguem chegar à Arábia Saudita enfrentam deportações em massa. Apenas este ano, as autoridades sauditas devolveram pelo menos 57.843 etíopes ao país de origem.
Etíopes no Djibuti
A Etiópia e o Djibuti sempre tiveram um bom relacionamento, principalmente no que se refere à diáspora. Muitos etíopes moram e trabalham no Djibuti.
Foto: DW/J. Jeffrey
Djibuti: Vital para a Etiópia
Há muito que o Djibuti tem uma importância estratégica e comercial para a vizinha Etiópia, especialmente depois de este último ter perdido a Eritreia, na década de 1990, e com isso, o acesso ao mar. Sem litoral, a Etiópia importa quase tudo através do porto de Djibuti, na capital com o mesmo nome. Navios etíopes chegam regularmente ao Golfo de Tadjura. A carga segue para a Etiópia em camiões.
Foto: DW/J. Jeffrey
Dependentes de caminhões
Uma linha ferroviária que ligava Adis Abeba à cidade de Djibuti, construída no início do século 20, era responsável pelo transporte de mercadorias da costa à capital etíope. Mas desde o início do século 21, a Etiópia tem sido dependende das rodovias. Agora, a linha férrea deverá ser reabilitada em breve, graças a um empreendimento chinês.
Foto: DW/J. Jeffrey
"Pequena Etiópia" no Djibuti
A proximidade do Djibuti gerou muita migração de etíopes para o país vizinho. Estima-se que atualmente vivam 50 mil etíopes no Djibuti. “Muitas pessoas vieram depois de a junta militar marxista-lenista (Derg) ter assumido o poder”, conta Ashenaf Harege, do centro comunitário etíope. É aqui que muitos celebram datas festivas e se encontram para se informar sobre o que está a acontecer na Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffrey
Sabores caseiros
O centro serve comidas e bebidas típicas da terra natal. O Governo do Djibuti isenta o restaurante local de pagar impostos. "Eu vim para o Djibuti porque os salários são melhores", conta Haile Gebremedhin (à direita) que trabalha numa empresa de transportes. "É bom morar aqui, principalmente se compararmos com outras cidades da região. Claro que há problemas, mas as pessoas são boas", completa.
Foto: DW/J. Jeffrey
Identidade religiosa
O Djibuti é predominantemente muçulmano. Diariamente, os fiéis são chamados para orar. Aos domingos, a Igreja de São Gabriel, perto do centro comunitário, celebra uma missa ortodoxa, onde os etíopes religiosos vão. Tanto o centro quanto a igreja foram construídos em terra doada pelo Governo do Djibuti. "Em outros países, as pessoas julgam-nos pela religião. Aqui ninguém se importa", diz Haile.
Foto: DW/J. Jeffrey
Devoção ortodoxa
Nas dependências da igreja, as mulheres cobrem-se com xailes brancos, feitos com tecidos delicados. Durante a missa, o sacerdote segura uma cruz de metal. No ar paira um cheiro de incenso. Os fiéis mais devotos podem curvar-se perante a imagem da Virgem Maria e mais tarde aproximar-se do sacerdote para tocar com os lábios e a testa numa cruz de madeira que o religioso segura nas mãos.
Foto: DW/J. Jeffrey
Ficar ou voltar?
Muitos etíopes que moram no Djibuti, principalmente os que têm filhos, ficam divididos entre ficar no país ou voltar à Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffrey
Luta diária
”Faço muitos trabalhos, como limpezas. É muito difícil encontrar emprego a tempo inteiro”, conta Samuel, de 24 anos. Chegou há 12 anos, quando o seu pai foi assassinado durante o regime marxista-lenista (Derg). Samuel e a mãe foram para perto da fronteira com o Djibuti. Ele atravessou a fronteira sem passaporte e foi preso. "Sem documentos, só se for clandestinamente num navio", lembra.
Foto: DW/J. Jeffrey
Viver perigosamente
Tanto Alex (à esq.), de 25 anos, como Zerihun, de 29, moram em Djibuti sem documentação. Eles já foram a muitos lugares ilegalmente, de navio, como Singapura e a Cidade do Cabo. Agora, eles trabalham lavando carros e recolhem lixo. "Viver a fugir da polícia é uma vida de cão”, desabafa Zerihun. Alex discorda: "Vivemos como verdadeiros soldados".
Foto: DW/J. Jeffrey
À procura de "sira"
A maioria dos etíopes no Djibuti foram atraídos pelo "sira", que em amárico ( idioma oficial da Etiópia) quer dizer "trabalho". "No Djibuti, trabalhar nos serviços de limpeza rende tanto quanto ser professor em Adis Abeba", diz Hussein, em Tadjura, onde o amárico também é um idioma bastante falado, assim como em Obock, ainda que as línguas oficiais do Djibuti sejam árabe e francês.