Idai: População estava avisada sobre chegada do ciclone?
Arcénio Sebastião (Beira)
2 de maio de 2019
Governo diz que o aviso foi feito. No entanto, cidadãos de algumas zonas da província de Sofala queixam-se da falta de aviso atempado por parte das autoridades e dizem que muitas mortes podiam ter sido evitadas.
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O Governo moçambicano disse há trêssemanas que avisou a população sobre a passagem do ciclone Idai, tanto no terreno, como através da imprensa. O ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, afirma, inclusivamente, que dezenas de milhares de pessoas foram retiradas de zonas baixas, em risco.
"O Governo de Moçambique já tinha feito um trabalho prévio para evitar óbitos e vítimas nas semanas que antecederam este ciclone. Foram mobilizadas mais de 600 mil pessoas com informação e foram removidas cerca de trezentas mil pessoas das áreas de risco", asseverou este ministro, acrescentando que o Governo tinha "consciência que o impacto do ciclone seria devastador e por isso preparou equipas do Governo e de salvamento em várias partes da província".
Idai: Faltou informação sobre a chegada do ciclone?
No entanto, vários cidadãos ouvidos pela DW África desmentem o ministro.
Elisa Jeque, uma agricultora do distrito de Búzi, diz que o aviso não foi feito com semanas de antecedência, mas apenas na véspera da passagem do ciclone Idai, ou seja, tarde demais. "Fomos avisados e no dia seguinte veio o ciclone. Nem para vir tirar o milho já dava. Veio o ciclone, veio a água em seguida… agora, para vir tirar milho para ir deixar lá é longe", explica.
Elisa Jeque conta que perdeu quase todas as suas culturas. Está agora a fazer uma nova sementeira.
António Gemice mora na cidade da Beira, trabalha no setor das telecomunicações e costuma acompanhar as notícias do país e do mundo. À DW diz que, na sua opinião, o Governo não se terá apercebido da magnitude do ciclone Idai. Nos alertas que fez, poderia ter reforçado mais a gravidade da situação: "Só para dar um exemplo, no dia depois do ciclone eu só tinha duzentos meticais no bolso. Devia ter levantado o dinheiro que tinha, mas não pude levantar pela falta de experiência da situação. Não imaginámos que teria este nível de distribuição. Penso pessoalmente que foi de surpresa".
A maior parte das mortes devido ao Idai ocorreu nos distritos de Búzi e Nhamatanda, onde muitos praticam pesca e agricultura, nas zonas baixas. Nessas zonas, as pessoas terão também sido apanhadas de surpresa, relatam alguns cidadãos.
Um deles é João António Brás. O líder comunitário na localidade de Lamego, no distrito de Nhamatanda, afirma também que o aviso das autoridades foi em cima da hora. "No dia 12 fomos chamados para a localidade e no dia 13 fizemos uma reunião com a população. Ninguém tirou nada, mesmo eu não tenho nada, nem cartão de banco, nem documentos, ninguém tem documento aqui, nem panela", conta.
Aviso chegou
Já José Mourinho, que vive numa outra zona, no distrito de Chemba, diz que se apercebeu do alerta das autoridades atempadamente. No dia da passagem do ciclone Idai, não se fez ao rio Zambeze. Segundo este cidadão, a informação chegou duas semanas antes. "Avisámos todos os pescadores que não poderiam estar no rio Zambeze, porque a ventania viria com uma boa velocidade. E muitos pescadores não foram pescar, nem mesmo as crianças foram à escola".
Beira: Depois da tempestade, a reconstrução
A Beira tenta reerguer-se após o ciclone Idai. Autoridades e habitantes estão focados na limpeza da cidade e na reabilitação de infraestruturas.
Foto: DW/A. Kriesch
Beira em obras
Seis semanas depois da passagem do ciclone Idai, reconstruir é palavra de ordem na Beira. Quase todos os telhados foram arrancados ou danificados. O Banco Mundial estima em 2 mil milhões de dólares (1,78 mil milhões de euros) os prejuízos nos países afetados - Moçambique, Malawi e Zimbabué.
Foto: DW/A. Kriesch
Viver sem teto
André Lino ficou sem telhado à passagem do ciclone e não tem como pagar um novo. Vive aqui com a família desde 1977, a 100 metros da praia. "O mar está a aproximar-se", afirma. "Isso assusta-me". Se tivesse dinheiro suficiente, ia-se embora, conta.
Foto: DW/A. Kriesch
O mar cada vez mais perto
Partes da Beira estão abaixo do nível do mar. No passado, a cidade sofreu várias vezes com graves inundações. E há ameaça de novos desastres: o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas estima que o nível do mar deverá subir entre 40 a 80 centímetros até 2100.
Foto: DW/A. Kriesch
Cabanas frágeis à beira-mar
Os habitantes das zonas mais pobres da cidade, como a Praia Nova, foram os mais afetados. As suas cabanas desmoronaram-se rapidamente. Muitos pescadores também perderam os seus barcos devido ao ciclone.
Foto: DW/A. Kriesch
Projeto de gestão das águas contra as cheias
No centro da cidade, foram construídos há alguns anos milhões de quilómetros de canais e estruturas para controlar as marés, com a ajuda do banco estatal alemão de desenvolvimento KfW. A instituição contribuiu com 13 milhões de euros para o financiamento dos trabalhos de construção.
Foto: DW/A. Kriesch
Menos danos graças à cancela
"No dia do ciclone, começou também a chuva", lembra Eduardo dos Santos, que opera uma das cancelas construídas para proteger a Beira de inundações. "Abrimos as comportas para que a água pudesse regressar ao mar. Se não o tivéssemos feito, teria havido cheias ainda piores na cidade".
Foto: DW/A. Kriesch
Edil contra as mudanças climáticas
"Já estamos habituados a inundações", diz o edil Daviz Simango. "Mas um ciclone assim foi algo novo para nós. Agora, temos de reagir". Simango está a organizar uma conferência de doadores na Beira, em junho. O edil espera angariar fundos para preparar a cidade para as mudanças climáticas.
Foto: DW/A. Kriesch
Trabalhos de limpeza continuam
As autoridades continuam empenhadas em restaurar a ordem. Em algumas zonas da cidade já há eletricidade e água corrente. Noutras áreas ainda são visíveis os destroços causados pelo ciclone.
Foto: DW/A. Kriesch
Uma frente de voluntários
Voluntários como Magdalena Louis ajudam nos trabalhos de reconstrução. Há várias semanas que está aqui a trabalhar e, em troca, a cidade da Beira dá-lhe apenas o almoço. "Só quero que a nossa cidade esteja limpa outra vez. Ninguém tem de me pagar por isso", afirma.
Foto: DW/A. Kriesch
Campos de refugiados na cidade
Há organizações humanitárias de todo o mundo por toda a cidade. Milhares de pessoas continuam a viver em tendas e a depender de ajuda alimentar. A saúde também é uma preocupação: a Beira foi atingida por uma crise de cólera e registam-se vários casos de malária.
Foto: DW/A. Kriesch
Sem colheitas, não há comida
Nos arredores da Beira, o ciclone destruiu grandes áreas de cultivo. "Todo o milho, todo o arroz... foi-se tudo", conta a agricultora Elisa Jaque, de 61 anos. Já está a plantar novamente, mas só dentro de seis meses deverá voltar a ser capaz de alimentar a sua família.
Foto: DW/A. Kriesch
Regresso à rotina
Apesar de tudo, há sinais de regresso à rotina e à normalidade. Um jogo amigável do Grupo Desportivo da Companhia Têxtil do Púnguè atrai centenas de adeptos - apesar de o telhado do estádio ter sido também atingido pelo Idai.
Foto: DW/A. Kriesch
Rumo à normalidade
Quem não pode pagar o bilhete para ver o jogo, encontra soluções criativas. À volta do estádio, mini-autocarros e carrinhas estacionados funcionam como bancadas improvisadas gratuitas. O cenário deve repetir-se no fim de semana, com o arranque do Moçambola e o Têxtil do Púnguè - União Desportiva do Songo agendado para 27 de abril.