Idai: Human Rights Watch denuncia sexo em troca de comida
Lusa
25 de abril de 2019
A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) instou as autoridades de Moçambique a investigarem com urgência relatos sobre sexo forçado de vítimas do ciclone Idai por líderes locais, em troca de comida.
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Num comunicado intitulado "Moçambique: vítimas do ciclone forçadas a trocar sexo por comida - Líderes comunitários exploram mulheres vulneráveis", a Human Rights Watch (HRW) garante que vítimas, residentes e trabalhadores humanitários disseram àquela organização que "líderes comunitários locais (...) exigiram dinheiro das pessoas afetadas pelo ciclone em troca da inclusão dos seus nomes na lista de distribuição de ajuda".
"Em alguns casos, mulheres sem dinheiro eram coagidas a fazer sexo com líderes locais em troca de uma bolsa de arroz", pode ler-se na mesma nota.
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"A exploração sexual de mulheres que lutam para alimentar suas famílias após o ciclone Idai é revoltante e cruel e deve ser interrompida imediatamente", disse o diretor da HRW na África Austral, Dewa Mavhinga.
"As autoridades devem investigar prontamente as denúncias de mulheres coagidas a trocar sexo por comida e punir apropriadamente qualquer pessoa que use a sua posição de poder para explorar e abusar de mulheres", acrescentou Mavhinga, citado no comunicado.
É preciso "maior supervisão"
O ciclone Idai, que atingiu o centro de Moçambique a 14 de março, causou um total de 603 vítimas mortais, tendo afetado mais de 1,5 milhões de pessoas.
Trabalhadores humanitários citados pela HRW denunciaram o facto de as listas de distribuição de alimentos excluírem famílias chefiadas por mulheres e a existência de relatos de abuso sexual de mulheres, não apenas nas suas aldeias, mas também em campos para deslocados.
Responsáveis daquela ONG, em 18 de abril, falaram por telefone com três mulheres na cidade de Mbimbir, distrito de Nhamatanda, onde a ajuda humanitária não chegou até 05 de abril porque as inundações tinham deixado a área inacessível por estrada.
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"Todas as três disseram que as autoridades locais as coagiram a trocar sexo por ajuda alimentar", denunciou a HRW.
A 22 de abril, elementos da mesma ONG conversaram com duas jovens do distrito de Nhamatanda que alegaram que um líder local de Tica as coagiu a terem sexo em troca para que os nomes fossem adicionados à lista de distribuição.
Relatos que levam a ONG a defender que "o Governo moçambicano deve urgentemente adotar medidas para prevenir a exploração sexual e abuso de vítimas do ciclone e criar um ambiente no qual as mulheres possam denunciar os abusos".
Por outro lado, sustentou a HRW, "os parceiros internacionais, particularmente a ONU, devem garantir maior supervisão da conduta das autoridades locais durante a distribuição da ajuda humanitária".
A vice-ministra do Interior de Moçambique afirmou na quarta-feira (24.04) que o Governo está atento a um eventual aumento da criminalidade após o ciclone Idai, mas que tal não se registou, e disse desconhecer violações em troca de ajuda humanitária.
Questionada sobre a existência de casos de mulheres obrigadas a ter sexo em troca de ajuda humanitária, Helena Mateus Khida disse não ter qualquer conhecimento da situação, mas que a mesma irá ser averiguada.
Beira: Depois da tempestade, a reconstrução
A Beira tenta reerguer-se após o ciclone Idai. Autoridades e habitantes estão focados na limpeza da cidade e na reabilitação de infraestruturas.
Foto: DW/A. Kriesch
Beira em obras
Seis semanas depois da passagem do ciclone Idai, reconstruir é palavra de ordem na Beira. Quase todos os telhados foram arrancados ou danificados. O Banco Mundial estima em 2 mil milhões de dólares (1,78 mil milhões de euros) os prejuízos nos países afetados - Moçambique, Malawi e Zimbabué.
Foto: DW/A. Kriesch
Viver sem teto
André Lino ficou sem telhado à passagem do ciclone e não tem como pagar um novo. Vive aqui com a família desde 1977, a 100 metros da praia. "O mar está a aproximar-se", afirma. "Isso assusta-me". Se tivesse dinheiro suficiente, ia-se embora, conta.
Foto: DW/A. Kriesch
O mar cada vez mais perto
Partes da Beira estão abaixo do nível do mar. No passado, a cidade sofreu várias vezes com graves inundações. E há ameaça de novos desastres: o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas estima que o nível do mar deverá subir entre 40 a 80 centímetros até 2100.
Foto: DW/A. Kriesch
Cabanas frágeis à beira-mar
Os habitantes das zonas mais pobres da cidade, como a Praia Nova, foram os mais afetados. As suas cabanas desmoronaram-se rapidamente. Muitos pescadores também perderam os seus barcos devido ao ciclone.
Foto: DW/A. Kriesch
Projeto de gestão das águas contra as cheias
No centro da cidade, foram construídos há alguns anos milhões de quilómetros de canais e estruturas para controlar as marés, com a ajuda do banco estatal alemão de desenvolvimento KfW. A instituição contribuiu com 13 milhões de euros para o financiamento dos trabalhos de construção.
Foto: DW/A. Kriesch
Menos danos graças à cancela
"No dia do ciclone, começou também a chuva", lembra Eduardo dos Santos, que opera uma das cancelas construídas para proteger a Beira de inundações. "Abrimos as comportas para que a água pudesse regressar ao mar. Se não o tivéssemos feito, teria havido cheias ainda piores na cidade".
Foto: DW/A. Kriesch
Edil contra as mudanças climáticas
"Já estamos habituados a inundações", diz o edil Daviz Simango. "Mas um ciclone assim foi algo novo para nós. Agora, temos de reagir". Simango está a organizar uma conferência de doadores na Beira, em junho. O edil espera angariar fundos para preparar a cidade para as mudanças climáticas.
Foto: DW/A. Kriesch
Trabalhos de limpeza continuam
As autoridades continuam empenhadas em restaurar a ordem. Em algumas zonas da cidade já há eletricidade e água corrente. Noutras áreas ainda são visíveis os destroços causados pelo ciclone.
Foto: DW/A. Kriesch
Uma frente de voluntários
Voluntários como Magdalena Louis ajudam nos trabalhos de reconstrução. Há várias semanas que está aqui a trabalhar e, em troca, a cidade da Beira dá-lhe apenas o almoço. "Só quero que a nossa cidade esteja limpa outra vez. Ninguém tem de me pagar por isso", afirma.
Foto: DW/A. Kriesch
Campos de refugiados na cidade
Há organizações humanitárias de todo o mundo por toda a cidade. Milhares de pessoas continuam a viver em tendas e a depender de ajuda alimentar. A saúde também é uma preocupação: a Beira foi atingida por uma crise de cólera e registam-se vários casos de malária.
Foto: DW/A. Kriesch
Sem colheitas, não há comida
Nos arredores da Beira, o ciclone destruiu grandes áreas de cultivo. "Todo o milho, todo o arroz... foi-se tudo", conta a agricultora Elisa Jaque, de 61 anos. Já está a plantar novamente, mas só dentro de seis meses deverá voltar a ser capaz de alimentar a sua família.
Foto: DW/A. Kriesch
Regresso à rotina
Apesar de tudo, há sinais de regresso à rotina e à normalidade. Um jogo amigável do Grupo Desportivo da Companhia Têxtil do Púnguè atrai centenas de adeptos - apesar de o telhado do estádio ter sido também atingido pelo Idai.
Foto: DW/A. Kriesch
Rumo à normalidade
Quem não pode pagar o bilhete para ver o jogo, encontra soluções criativas. À volta do estádio, mini-autocarros e carrinhas estacionados funcionam como bancadas improvisadas gratuitas. O cenário deve repetir-se no fim de semana, com o arranque do Moçambola e o Têxtil do Púnguè - União Desportiva do Songo agendado para 27 de abril.